“Nossa Senhora também disse que Portugal jamais perderia a fé. E eu vejo isso se estendendo também ao Brasil, porque a união entre Portugal e o Brasil é simplesmente muito estreita.”
O Emmo. Cardeal Raymond Leo Burke nasceu no dia 30 de junho de 1948 em Richland Center (Wisconsin, EUA) e cursou o seminário Holy Cross e a Catholic University of America em Washington. Completou seus estudos de Direito Canônico na Universidade Gregoriana de Roma em 1971. Ordenou-se sacerdote quatro anos depois. O Papa João Paulo II nomeou-o bispo de La Crosse em 1994 e arcebispo de St. Louis em 2003. Bento XVI elevou-o ao cardinalato em 2010. Durante cinco anos — até 2015 — ocupou o cargo de Prefeito do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica, sendo atualmente Patrono da Ordem Soberana e Militar de Malta. O insigne Purpurado é uma voz proeminente nos ambientes conservadores, especialmente em assuntos atinentes à Igreja, à família e à situação norte-americana. Em sua recente visita ao Brasil, o Cardeal Burke passou pelas capitais do Pará, Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo para lançamento de seu livro O Amor Divino Encarnado – A Sagrada Eucaristia como Sacramento da Caridade [para a reportagem click aqui] —, obra que revela profunda devoção eucarística. Catolicismo obteve uma entrevista exclusiva por meio de nosso colaborador Dr. Mario Navarro da Costa, na sede do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira.
Catolicismo — Eminência, muito obrigado por conceder esta entrevista à revista Catolicismo. Poderia dizer a nossos leitores se já conhecia o Brasil, qual o motivo desta visita a algumas cidades brasileiras e sua impressão sobre nosso País?
Cardeal Burke — Esta é a minha primeira visita ao Brasil e o propósito dela foi apresentar a tradução em português de meu livro sobre a Sagrada Eucaristia, O Amor Divino Encarnado – A Sagrada Eucaristia como Sacramento da Caridade. Então escolhemos quatro cidades maiores nas quais o apresentaríamos. Sei que o País é muito grande e não poderia percorrê-lo todo, mas foi ótima esta primeira vinda aqui, ocasião em que percorri Belém, Brasília, Rio de Janeiro, e, finalmente, São Paulo. Fiquei muito impressionado com o entusiasmo das pessoas que vieram em grande número para a apresentação do livro. Falando com elas, pude constatar que são fiéis católicos muito ardorosos, desejosos de conhecer mais profundamente sua fé e também praticá-la.
Catolicismo —Neste ano em que comemoramos o 300º aniversário de Nossa Senhora Aparecida, soubemos que Vossa Eminência esteve no Santuário d’Ela.
Cardeal Burke — Sim, eu pensei: “Eu não poderia vir ao Brasil e não visitar Nossa Senhora Aparecida”. Vindo do Rio de Janeiro para São Paulo, passei por Aparecida do Norte e, claro, o destaque da peregrinação foi rezar diretamente diante da sua imagem. Rezei especialmente pelo Brasil, porque estou convencido da importância do País em relação ao mundo inteiro, por causa de sua fé católica. Além de rezar nessa intenção, pude celebrar a Santa Missa num altar consagrado pelo Papa João Paulo II nas intenções dos católicos brasileiros.
Catolicismo — Em suas viagens Vossa Eminência visita muitas paróquias e grupos católicos. Quais as preocupações gerais que habitualmente os fiéis lhe exprimem a respeito da situação do mundo e da Igreja?
Cardeal Burke — Os fiéis manifestam-se muito preocupados com a situação do mundo cada vez mais laico, com o cruel ataque a vidas humanas inocentes de nascituros indefesos através do aborto, a generalização da prática da eutanásia, e até a negação da liberdade da Igreja de prosseguir com integridade a sua missão. E, mais recentemente, esta enormidade denominada “teoria de gênero”, pela qual as pessoas tão presunçosas pensam poder redefinir nossa natureza sexual, que naturalmente se destina a juntar homem e mulher em uma vida inteira de fiel união, à qual Deus concede o dom da vida humana. Com a introdução dessa terrível teoria, nossa natureza sexual será reduzida a uma espécie de avenida de luxúria e de graves atos imorais.
Todos esses fiéis veem isso, que constitui escândalo para eles, fonte de profundas angústias, porque veem seus filhos e netos crescendo nesse mundo, causa de não pequenas preocupações, pois ficam sem saber se permanecerão fiéis a Nosso Senhor ou se vão cair nessa grande infelicidade da vida de pecado. Sobretudo em nossos dias, em que tanta confusão penetra até na própria Igreja. Por exemplo, está acontecendo toda essa confusão sobre atos intrinsecamente maus quanto à possibilidade de se receber a Sagrada Comunhão sem se confessar, apesar de a pessoa se encontrar em pecado mortal.
Todas essas questões fundamentais estão sendo postas em dúvida e causam, é claro, grande angústia nas pessoas. Tenho viajado bastante, limito-me a apresentar o ensinamento básico da Igreja e as pessoas ficam gratas ao ouvi-lo. Eu sempre lhes digo: “Nada tenho de novo a lhes oferecer, o que tenho a lhes oferecer é o que continua sempre novo, ou seja, as verdades de nossa Fé”.
Catolicismo — A viagem de Vossa Eminência ao Brasil está se dando no centenário das aparições e da Mensagem de Fátima, das quais os brasileiros sentem-se muito próximos — não somente pelos laços históricos e psicológicos que os unem a Portugal, mas também porque nosso povo nutre grande devoção por Nossa Senhora. E agora também, devido ao milagre que permitiu a canonização dos bem-aventurados Francisco e Jacinta Marto, com a cura de um menino brasileiro. Vossa Eminência julga que as revelações de Fátima se referem somente ao século XX, ou elas têm atualidade para os católicos de hoje?
Cardeal Burke — Elas são absolutamente relevantes para os dias de hoje, porque estão no centro da luta fundamental à qual Nossa Senhora se refere em sua mensagem: luta da fé, luta da Igreja contra as forças do mal, contra as forças do secularismo, do ateísmo, do relativismo, que nada mais fizeram senão continuar ao longo das décadas — agora faz um século — das aparições. Por ocasião deste centenário, fui estudar de novo toda a história das aparições e da mensagem, e as julgo mais oportunas do que nunca, as julgo de grande importância. Sobretudo na presente crise na Igreja, em que parece haver uma confusão e uma divisão se estabelecendo, o apelo de Nossa Senhora é para mantermos a fé na sua integridade, rezar, em especial o Santo Rosário, amar e participar da santa Eucaristia, particularmente nos primeiros sábados do mês, para nos fortificarmos e permanecermos próximos de Nosso Senhor nestes tempos muito terríveis. Nossa Senhora também disse que Portugal jamais perderia a Fé. E eu vejo isso se estendendo também ao Brasil, porque a união entre Portugal e o Brasil é simplesmente muito estreita. Em uma recente apresentação que fiz para o Rome Life Forum, eu disse crer firmemente que os portugueses, e especialmente os bispos portugueses, têm uma missão muito importante a cumprir no mundo inteiro, em proclamar e ensinar a Mensagem de Fátima. E agora diria o mesmo em relação ao Brasil.
Catolicismo — Numa carta ao Cardeal Carlo Cafarra, a Irmã Lúcia afirmou: “A batalha final entre o Senhor e o reino do demônio será sobre o matrimônio e a família”. E que é para não temer,“porque Nossa Senhora já esmagou a cabeça de demônio”. Vossa Eminência confirma essa apreciação? Em caso positivo, a propósito de que assuntos a batalha é atualmente mais forte, e como os fiéis poderão ser bons soldados de Cristo?
Cardeal Burke — Eu acho que a luta continua sendo em grande parte a batalha pelo matrimônio e pela família. E julgo que a Irmã Lúcia, ao escrever ao então padre Carlo Caffarra — agora Cardeal —, ela disse para não perder a esperança. Mas ela não afirmou que a luta havia acabado! Em outras palavras, sabemos que a vitória será o triunfo do Coração Imaculado de Nossa Senhora, o triunfo de Nosso Senhor, mas penso que ainda virão muitos sofrimentos. Por exemplo, a “teoria de gênero”, que agora está se tornando tão disseminada nos Estados Unidos. Eles impõem isso no currículo das escolas, de modo que as crianças de muito tenra idade estão aprendendo que podem mudar o seu gênero. Essas coisas são simplesmente inimagináveis! Então eu penso que a batalha pelo matrimônio e pela família continua. Precisamos ter essa esperança que a Irmã Lúcia nos encoraja a ter, mas ao mesmo tempo saber que há uma luta na qual nos sentimos engajados.
Catolicismo — Vossa Eminência julga que no mundo atual é importante para os católicos a Sagrada Escravidão a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Grignion de Montfort? Em caso afirmativo, por que razões?
Cardeal Burke — Tornamo-nos escravos de Nossa Senhora para sermos discípulos fiéis de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nossa Senhora pertenceu a Nosso Senhor completa e totalmente desde o primeiro instante da concepção. Ela foi preservada de toda mancha do pecado original. Ela concebeu Nosso Senhor sob a sombra do Espírito Santo e O trouxe ao mundo sob o seu Imaculado Coração. Ela foi a primeira e melhor discípula d’Ele. O coração d’Ela foi misticamente transpassado ao pé da cruz pela lança do soldado romano que feriu o Sagrado Coração de Jesus. E Nossa Senhora nos ensina a ser totalmente de Nosso Senhor. Suas últimas palavras registradas no Evangelho foram nas Bodas de Caná, quando Ela disse ao mordomo do vinho para fazer tudo o que Ele lhe mandasse. Assim, queremos ser completamente um só coração com a nossa bem-aventurada Mãe, ser escravos no melhor sentido da palavra, pois damos a Ela todo o nosso coração. Porque com Ela podemos dar todo nosso o coração ao Sagrado Coração de Jesus.
- Entrevista publicada na revista “Catolicismo”, nº 799, Julho/2017