A tradição glorificada na mais célebre festa popular brasileira

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Uma das mais audaciosas mistificações da Revolução consiste em apresentar o povo como se fosse um “mare magnun” obscuro, revoltado, desordenado, sempre pronto a explodir, em cujas profundidades insondáveis e misteriosas os ódios, a inveja, a crueldade estariam a fermentar e a roncar sem fim, prontos, ao choque do menor obstáculo, a extravasar e a demolir toda a estrutura social.

Nesta visualização, “povo” seria sinônimo de Revolução, e, pois, antônimo de hierarquia e tradição.

Isto que a Revolução insinua, e por vezes até proclama, a respeito do povo em geral, ela se compraz em o afirmar com particular insistência no que toca às aglomerações operárias das grandes cidades, e especialmente das favelas. Nestas, viveriam unicamente hienas humanas dispostas a espreitar o bom momento para desabar sobre a cidade, avassalando-a, quebrando-a, e implantando sobre seus escombros o estandarte da miséria triunfante.

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Revolução não sabe senão mentir. No que ela possa dizer de verdade, há incubada uma insinuação unilateral, ou algum exagero. Tudo para servir com inteira eficiência a expansão das trevas, o progresso do erro e do mal.

Por isto, tal visualização das disposições da massa popular é, no Brasil, exagerada por alguns aspectos, rotundamente falsa em outros.

Di-lo muito bem, em recente passado, a indiferença, quando não a formal antipatia com que as populações rurais e urbanas, mesmo no Rio e em São Paulo, assistiram às pregações bolchevizantes do Sr. João Goulart. Mas a Revolução, que é ainda mais tendenciosa no que passa sob silêncio do que em seus dizeres, cala este aspecto da realidade. E continua seu intérmino matraquear de “slogans” sobre massas revoltadas prontas a explodir, etc. etc.

Por isto não é mau que a desmintamos, fazendo ressaltar a verdade a este respeito, de um ângulo diverso.

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Voltemos pois desta vez os nossos olhos para o Rio. As massas urbanas da Guanabara, segundo a Revolução rosna por aqui e proclama descaradamente no Exterior, só sonhariam com comunismo. Elas estariam – por insopitável idiossincrasia – sôfregas de destruir no Rio todas as estruturas, todos os símbolos, todas as notas típicas de nossa atual sociedade burguesa e, “a fortiori”, de nosso passado aristocrático e monárquico. E isto para substituí-los pelos aspectos novos, da sociedade proletária.

Em outros termos, nossa tradição lhes seria odiosa, como o é a todo comunista. E, para exemplificar, segundo essa versão as massas cariocas olhariam para as instituições de nosso passado precisamente com o ódio com que os membros do PC russo ( a não confundir com os russos “tout court” ) olham para o passado czarista de seu país.

Que faria o sanhudo Partido Comunista da União Soviética se, por exemplo, populares cingindo alegremente diademas reais e imperiais, trajando de condes e marqueses, desfilassem festivamente pelas ruas de Moscou, simplesmente pela alegria de usar, e de fazer luzir aos olhos de uma população que aplaude, a beleza destes adornos, símbolos dos princípios, das instituições, dos estilos de vida que o comunismo mais execra? Mobilizaria tanques, canhões, gases lacrimogêneos, todo o terrível material de suas repressões policiais, para acabar com tal festa. Pois o que ela lembraria, e o que o comunismo é, são coisas que “hurlent de se trouver ensemble”.

E seria compreensível – se bem que injustificável – que o PC russo assim agisse, pois a coexistência dessas coisas urra mesmo. Onde uma está, a outra não pode, absolutamente não pode estar.

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Nossos clichês mostram pitorescos aspectos do carnaval do Rio neste ano de 1964. Trajados de rei e de rainha, ou à moda de fidalgos de antigas e faustosas cortes, desfilam os membros das escolas de samba, alegres em evocar nosso passado.

Uma conhecida revista carioca estampou em sua reportagem sobre o fato um título bem característico: “Modestos operários e empregadas domésticas se transformaram, por uma noite, em reis, príncipes, condes, rainhas e marquesas”.

O tema de uma das principais escolas, neste ano, foi o casamento de D. Pedro I com a Imperatriz D. Amélia de Leuchtenberg.

É claro que nestes trajes não há que procurar uma fidelidade pesadona e erudita, aos modelos efetivamente usados na época que se quis evocar. A imaginação popular, fecunda no engendrar o fabuloso, apresentou aqui a realeza e a aristocracia como ela as imagina. E o “charme” característico do negro deu ao conjunto uma nota animada e encantadora. É nossa mais remota tradição, como ela perdura nas camadas mais profundas da alma popular.

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  E tu, que afirmas que o povo odeia a tradição, o que dizes a isto, ó mãe da mentira, ó falaciosa Revolução?

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