“Eis que vou dizer-vos um mistério: todos ressuscitaremos, mas nem todos seremos mudados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta, porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis: e nós seremos mudados. Porquanto é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: tragada foi a morte na vitória.”
Com essas palavras magníficas, São Paulo (I Cor, 15, 51-54) anuncia às gentes a boa-nova da ressurreição da carne. Contudo, o mundo neopagão em que vivemos não consegue entendê-las. O que leva certos funerais de hoje, à diferença daqueles de antigamente, a se transformar em cenários macabros inimagináveis.
Outrora os cadáveres eram velados em casa por vinte e quatro horas. O viúvo ou a viúva e os filhos se vestiam de preto durante um ano, em sinal de luto. Hoje os velórios são feitos no próprio cemitério ou em casas funerárias destinadas a esse fim, e em geral os familiares só se vestem de preto para atender a certas exigências profissionais modernas.
Mas existem ainda casos extremos, como o de Mickey Easterling (foto ao lado), socialite de Nova Orleans, morta há alguns anos e conhecida por suas festas extravagantes. “Ela sabia viver”, diziam seus amigos, e era sempre o centro das atenções. Recebia com frequência muitos “astros” de Hollywood em sua mansão à beira de um lago. Tudo isso era noticiado nas colunas sociais. Para a sua “festa de despedida”, a família contratou a funerária Jacob Schoen & Son. A defunta não foi colocada num caixão, mas sentada numa cadeira, com um boá no pescoço e um cigarro e uma taça de champanhe nas mãos.
Diz o velho adágio “talis vita finis ita” – tal vida, tal fim. Talvez por isso, certas pessoas querem que seu enterro reflita o modo como viveram, ou seja, se a vida foi uma festa, que termine em festa. Sobre os preparativos do velório de Mickey Eastlerling, declarou o proprietário da Jacob Schoen: “Antes de morrer, ela revelou à filha como gostaria que fosse seu velório: ela como anfitriã de uma festa. Seria uma festa com muito champanhe, e a ideia de que ela teria saído para seu jardim depois da festa, sentado num banco e adormecido. Essa era a ideia. Com a taça de champanhe ainda na mão, que era Waterford Crystal. Na outra mão ela tinha um cigarro. Ela até tinha um broche escrito bitch [cadela] – de diamantes de verdade”.
E continua: “Um restaurante famoso aqui de Nova Orleans, o Galatoire, serviu no velório o prato favorito dela. E, claro, sendo Nova Orleans colocamos uma banda de jazz para tocar. Foi uma festa muito legal. Ela estava um pouco distante de nós, quase como num cenário, com orquídeas e outras flores cercando-a, flores que foram escolhidas pelo seu florista para parecer que ela estava num jardim. Ela tinha perto de si um pequeno balde com a garrafa de champanhe dentro, e um boá pink. Seu cabeleireiro fez o cabelo e tudo. Ela estava usando suas roupas de grife favoritas.”[i]
Essa mudança de paradigma em relação aos funerais tradicionais vinha ocorrendo já há algum tempo em San Juan, capital de Porto Rico, feito por uma funerária local que usa um método de “embalsamento extremo” e coloca os cadáveres em posições que os fazem parecer que estão vivos.
Foi numa rua tranquila dessa cidade que as pessoas que passavam em frente de um bar, perceberam que algo diferente acontecia em seu interior. Havia ali um homem sentado junto a uma mesa de plástico branco com peças de dominó sobre ela. Ele trajava um agasalho esportivo e portava um terço no pescoço, o qual certamente nunca utilizou para rezar. Usava boné azul e óculos escuros. Ele permanecia sempre na mesma posição, pois se tratava de um morto.
Aquela funerária também já foi responsável por outros velórios espantosos, como o de um boxeador que foi colocado dentro do ringue onde lutava, ou aquele de uma senhora idosa descansando em sua cadeira de balanço, ou ainda o de um piloto de moto (foto ao lado) que vestia roupas normais e fora colocado em cima de sua moto, emprestada pelos seus parentes para aquele fim.
Em contraste com aquelas imagens chocantes, apresentamos aqui um velório que representa a verdadeira postura de alma que um cristão deve ter em relação à morte. Trata-se de “piedosas mulheres velando um cadáver numa pequena aldeia da católica Espanha. Estão consternadas pela dor da separação. Mas em seu sofrimento não há desespero, nem acidez, nem revolta. Uma atmosfera de serena conformidade, de suave resignação, de prece recolhida, domina o ambiente. É que se trata de um verdadeiro lar cristão, e, por todos os recantos do universo, onde quer que haja um lar cristão, rico ou pobre, ferido pela morte, a atmosfera será sempre esta. Os verdadeiros filhos da Igreja, com efeito, creem na ressurreição da carne e sabem que pela Redenção do gênero humano ‘tragada foi a morte na vitória’”.[ii]
A morte é um castigo imposto por Deus por causa do pecado original. Todo castigo produz dor e aflição. Com sua Paixão e morte na Cruz, com seus sofrimentos inefáveis e sua infinita bondade, Nosso Senhor Jesus Cristo deu-nos exemplo de como devemos aceitar tal castigo. O homem de hoje, por ter-se desviado dos ensinamentos da Igreja, está transformando o velório num cenário macabro no qual as ideias de castigo e de vida eterna que a morte traz ficam completamente afastadas.
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[i] https://www.vice.com/pt_br/article/9kmqy7/funeraria-posiciona-mortos-em-poses-bizarras
[ii] Catolicismo Nº 11, Novembro de 1951