Em 2018, o filho pródigo com saudades da casa paterna

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No auge de crises devastadoras, largos setores da humanidade deram mostras de sentir saudades da ordem na Igreja e na Civilização

Matéria publicada na revista Catolicismo, Nº 817, Janeiro/2019


O mundo oficial desconectado do mundo real

O retorno do filho pródigo – Bartolomé Esteban Murillo (1617–1682). National Gallery of Art, Washington

No início de 2018, a polarização acumulada em anos anteriores dava a nota tônica na esfera religiosa, política e cultural e caminhava para atingir o clímax. Embora comemorada por alguns situados em polos opostos, essa macrotendência era execrada por muitos que comandam as altas esferas do poder.

A rachadura nos espíritos não cessou de alargar esse distanciamento. Na Igreja, por exemplo, o sexto ano de pontificado do Papa Francisco abriu-se sob o signo do desentendimento geral.[1] O idílio da mídia anticatólica mundial com o estilo populista do Pontífice encaminhava-se para o divórcio, pois o Papa tinha “esgotado seu crédito de popularidade”, segundo o vaticanista de esquerda Henri Tincq.[2] A constante diminuição de fiéis na Praça de São Pedro ilustrava a famosa frase do Sermão fúnebre pelo Rei Luís XV: “Le silence des peuples est la leçon des rois”[3] (O silêncio dos povos é a lição dos reis).

Em livro, Tincq deplorava o fato de os católicos franceses estarem dando as costas para o ensinamento do Concílio Vaticano II, ao mesmo tempo que prosperam os mosteiros tradicionais, as missas no “rito extraordinário”, as devoções de outrora, as demonstrações  contra o aborto e o “casamento” homossexual — todas manifestações de tendências menosprezadas como iniciativas da “extrema direita” e desencorajadas pela Santa Sé. Enquanto isso, a idade de mais da metade do clero Francês penetrado pelo espírito do Vaticano II superou os 75 anos, os seminários “modernos” se fecham sem candidatos e os “católicos de esquerda quase desapareceram”. Tudo isso levou Tincq a vaticinar que “o catolicismo ousado do Papa” estava sendo “eliminado”, e que o atual Pontificado podia “se extinguir como fogo de palha”.[4]

Os admiradores mais próximos do Papa Francisco lamentavam que ele não tivesse podido ir até onde fizera crer. As reformas que aboliriam a moral tradicional estavam inacabadas e não conquistavam o espírito das maiorias católicas. Os fiéis influenciados pelo clero  não aceitavam o acolhimento pleno e igualitário na Igreja de LGBTs, divorciados, abortistas e protestantes. Havia forte restrição aos movimentos sociais comuno-anárquicos, ao anticapitalismo engajado, ao ecologismo e ao comuno-indigenismo utópicos. A abertura das portas da Europa ao Islã o indispunha com a maioria dos povos europeus. A beligerância contra católicos e evangélicos que elegeram Donald Trump nos EUA resultava num tiro pela culatra.

No campo diplomático, os braços estendidos por Francisco à Rússia de um Putin saudoso da era soviética, e à China de um Xi Jinping erigido em semideus do olimpo marxista onde reina Mao Tsé-Tung, imprimiram uma virada de 180º na diplomacia vaticana. Essa virada, tida como a maior da história da Igreja, abandonava o mundo cristão, causaria grandes danos aos católicos perseguidos, e só seria ignorada pelo cinismo pró-comunista de certas elites ocidentais. Ao receber em junho uma delegação do Patriarcado de Moscou, apoiador da invasão da Ucrânia, o Pontífice endossou as posições políticas e disciplinares dessa igreja cismática a respeito da religião na Rússia, e “condenou com palavras muito ásperas as posições [patrióticas e religiosas] da Igreja greco-católica ucraniana”.[5]

O Papa Francisco no Palácio de La Moneda durante sua visita ao Chile

O Papa em “via de rachar a Igreja”?

As críticas eclesiásticas à aplicação do ideário do Pacto das Catacumbas (assinado secretamente durante o Concílio Vaticano II) foram tão numerosas e profundas, que o Cardeal holandês Willem Eijk chegou a afirmar que o atual Pontífice “está em via de rachar a Igreja”.[6] Esta afirmação parece confirmada pela atitude do Cardeal Jozef De Kesel, Primaz da Bélgica, que entreabriu as portas para o “casamento” homossexual[7] e fechou institutos religiosos considerados conservadores.

Um bispo brasileiro — “profundo conhecedor da realidade”, segundo a Revista IHU on-line,[8] e engajado nas reformas do Pontífice — confidenciou em tom deprimido: “Não conheço um único seminarista que goste dele. A aceitação é ridícula. Nula, praticamente”. Simultaneamente, vários sacerdotes jovens voltavam a usar a batina, cuja recusa foi todo um símbolo do cristianismo pós-conciliar. O Papa Francisco, em sentido contrário, comemorou o fim dessa veste sacral como o fim de mais uma mera moda. ‘Acabou essa moda, graças a Deus’, disse em discurso para jesuítas”.[9]

A visita pontifícia ao Chile e ao Peru expôs a profundidade da rachadura aberta. Recebido por escasso número de fiéis, o Pontífice começou sua visita ao Chile elogiando[10] o bispo que logo depois condenaria. O drama desfechou na renúncia maciça do episcopado chileno às suas respectivas dioceses, consumada no Vaticano a pedido do Papa, após a leitura de um relatório reservado de 2.400 páginas, que envolvia a totalidade do episcopado numa galáxia pouco evidenciada de abusos sexuais impunes. A “operación limpieza” deveria durar poucas semanas, confirmando bispos da “linha Francisco”.[11] No final do ano, alguns bispos e sacerdotes estavam reduzidos ao estado leigo, vacantes a maioria das dioceses, e o país desprovido de hierarquia eclesiástica nas sedes episcopais.

A caminho da utopia comuno-tribalista?

Para o Cardeal Zen, o acordo com Pequim seria “uma rendição, uma venda, um suicídio”.

No Peru, o Papa Francisco acenou para aquilo em que acredita ver o futuro da Igreja: a vida indígena na selva, dotada de uma mística ecológica de inspiração pagã e desprovida dos “vícios” do capitalismo, do “clericalismo”, além de outros “vícios” execrados por ele na Igreja tradicional. Essa visão deverá ser confirmada no Sínodo sobre a Amazônia, previsto para outubro de 2019, no qual poderão ser admitidos “sacerdotes” alternativos ou substitutos, desde padres casados na região até pajés, gurus ou xamãs. O “modelo” poderia servir depois para toda a Igreja.

O germe de um verdadeiro “cisma” foi apontado também pelo Cardeal Joseph Zen, arcebispo emérito de Hong Kong, antes e depois da assinatura do “acordo provisório” entre Pequim e a Santa Sé. No referido acordo estaria sendo aceita uma igreja que, apesar de chamar-se católica e chinesa, foi fundada e é dirigida pelo Partido Comunista.[12] Para o Cardeal Zen, o acordo seria “uma rendição, uma venda, um suicídio”.[13] Entretanto, o “pacto provisório” foi assinado assim mesmo. Um de seus primeiros frutos foi o “desaparecimento” do bispo de Wenzhou, Mons. Shao Zhumin,[14] e de quatro outros sacerdotes de Hebei nas garras da polícia.[15] O regime também multiplicou a demolição de igrejas, imagens, cruzes e túmulos cristãos, alegando estar cumprindo o tratado aprovado pelo Papa!

“Acompanhamento” do adultério e do sacrilégio

Em matéria moral dogmática, o Prefeito emérito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Gerhard Müller, apontou ao longo do ano que a “mudança de paradigma” promovida pelo atual Pontificado — que assimila os “critérios da sociedade moderna” — constitui uma corrupção da Igreja. Seria comparável à Reforma protestante, e sob seus efeitos o “cristianismo se converte em algo completamente diferente”. Exemplo típico é a distribuição da Eucaristia a divorciados recasados e a pessoas sem condições de se aproximarem da mesa de Comunhão,[16] configurando na prática um sacrilégio maciço. Também afirmou que a “homofobia não existe, e esconde uma tentativa de domínio totalitário” feita pelo lobby homossexual.[17] Deixou também claro que os fiéis não são obrigados a adotar as teorias ecologistas do Papa, pois não é matéria religiosa sobre a qual a Igreja tenha missão.[18]

Numerosos cardeais, conferências episcopais e bispos de diversos países puseram em prática a doutrina condenada pelo cardeal alemão e por muitos outros hierarcas da Igreja. Entendem que cada diocese ou país pode aplicar doutrina e prática moral que sejam do agrado “cultural” em voga, como fazem os protestantes. A Igreja Católica perde assim sua unidade, vítima de uma fragmentação subjetiva e caprichosa do ponto de vista disciplinar e teológico. Exemplo característico se deu após o plenário da Conferência Episcopal Alemã aprovar o sacrilégio maciço. Sete de seus membros, liderados pelo Cardeal de Colônia, apelaram ao Vaticano contra a decisão heterodoxa.[19] Ao mesmo tempo, e sem se incomodar com a contradição, bispos e sacerdotes alemães dialogantes com o Islã se revoltaram contra o governo regional da Baviera, por ter mandado colocar cruzes em todas as repartições públicas.[20]

Denunciada rede homossexual

Arcebispo Carlo Maria Viganò

na Igreja

Inicialmente o Papa Francisco não quis responder a um testemunho que o envolvia, cingindo-se a dar algumas indiretas contra o denunciante, sem esclarecer nada. Contudo, o Cardeal Raymond Burke,[22] ex-presidente do Tribunal Supremo da Igreja, sublinhou a necessidade de se ouvir o depoimento de Mons. Viganò e adotar os corretivos necessários. Segundo o cardeal e historiador Walter Brandmüller, o homossexualismo, espalhado “de forma quase epidêmica no clero, inclusive na hierarquia, evoca os piores momentos da História. Notadamente o século XI, quando São Pedro Damião o combateu em Roma com o famoso Livro de Gomorra.[23]Em fins de julho, renunciou ao cardinalato o ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick,[21] cuja conduta imoral fez eclodir um dos mais degradantes escândalos dos últimos tempos. O arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-núncio em Washington, havia publicado um testemunho pessoal de onze páginas descrevendo os costumes depravados de McCarrick. Demitido pelo Papa Bento XVI, fora depois objeto de favorecimentos e promoções pelo Papa Francisco. Segundo Mons. Viganò, não se trata de um fato isolado de um indivíduo, mas de algo que trouxe à luz a existência de uma rede homossexual nos mais altos cargos do Vaticano e do episcopado mundial, instalada para impor sua agenda à Igreja.

Jornada Mundial da Família, reunida no mês de agosto em Dublin (Irlanda), agindo de acordo com orientação do Pontificado, abriu-se à aceitação das mais imorais e antinaturais “novas formas de família”, com destaque para as uniões LGBTs.[24] Altos eclesiásticos e oradores convidados pelo Vaticano não compareceram. Temiam a polícia, a Justiça e a imprensa, por estarem gravemente envolvidos em processos por abusos sexuais. Enquanto isso, o influente jornal “Washington Post”, habitualmente desinteressado pelas questões católicas, pedia a renúncia do Papa Francisco, por sua parte de responsabilidade nos escândalos.[25]

A “guerra civil”[26] de ataques recíprocos — tendo de um lado os defensores do ex-cardeal McCarrick, do Papa Francisco e da rede eclesiástica LGBT, e de outro lado os “conservadores” — encheria vários volumes, e ainda não terminou. Ela avança, tentando as forças do mal enlamear a santidade da Santa Igreja Católica. Também o sucessor de McCarrick na Arquidiocese de Washington, Cardeal Donald Wuerl, renunciou em outubro, por estar sendo investigação em casos envolvendo mais de mil crianças abusadas por cerca de 300 clérigos na Pensilvânia, num período de 70 anos.[27]

A cisão não se relegou ao âmbito eclesiástico; ela incendiou os ambientes leigos, as redes sociais e a grande mídia. Abaixo-assinados e manifestações correram pelo universo católico: “Não acompanharemos os pastores que erram”,[28] dizia um manifesto de resistência pela vida, dirigido ao Papa. Cinco mil fiéis de destaque glosaram a carta de mais de cinco mil católicas engajadas na pastoral, pedindo uma só coisa: “purgue a corrupção da Igreja”. A resposta, mais uma vez, foi o silêncio.[29]

Por todo o mundo apareceram denúncias e investigações, muitas vezes eivadas de demagogia anticatólica, acusando bispos adeptos da moral nova de acobertarem ou praticarem abusos sexuais. O Pontífice encerrou o ano sob a acusação de acobertador máximo dos clérigos abusadores sexuais, de elevar praticantes do homossexualismo às mais altas posições do episcopado, e de agir com autoritarismo disfarçado de falsa sinodalidade. Nisso pesou decisivamente a proibição vaticana aos bispos dos EUA de aprovarem projetos para combater ditos abusos. Na Alemanha, o episcopado também se cindiu, tendo alguns bispos proposto “bênçãos” para “casais” homossexuais, enquanto outros as condenavam. Em outubro o Sínodo da Juventude assumiu uma posição relativista no documento final, que ainda deve ser revisto pelo Papa.

O “Requiescat in pace” do Vaticano II?

A essa avalanche de escândalos se somaram a metafísica igualitária sintetizada na frase do Papa Francisco, “o pecado é a elite”;[30] a militância ecológica embebida de misticismo pagão ou materialista-evolucionista; as explosivas extravagâncias teológicas, litúrgicas e pastorais. Tudo isso levou o filósofo Peter Kwasniewski a abandonar a linha do Concílio Vaticano II — que tentara interpretar durante anos — e retornar à casa paterna do catolicismo tradicional. Para ele, a única direção apontada pelo Vaticano II é para o mais baixo. A era do Vaticano II, iniciada em 1962, morreu de parada cardíaca em 2018, após uma existência desenfreada. Só falta enterrá-la discretamente em território não sagrado, sob a lápide “Descanse em paz — Vaticano II, R.I.P. (1962-2018)” … desejando que não ressuscite.[31]

A Hungria se blinda contra a imigração islâmica

Europa: monumentais desacordos e saudades da Cristandade

Para a União Europeia (UE), 2018 foi o ano das grandes rachaduras. A Grã-Bretanha e a Europa discutiram com persistência uma forma de efetivar o Brexit. A Alemanha e os países nórdicos entraram em guerras civis, culturais e sociais em torno da aceitação ou recusa dos imigrantes islâmicos. A UE se desentendeu com seus membros da Europa Central (Polônia, Hungria e Bulgária) sobre o problema imigratório e as reformas de fundo cristão das respectivas legislações nacionais. A República Tcheca e a Eslováquia, unidas no grupo de Visegrad, que pratica uma política de tolerância zero em relação aos refugiados, juntamente com A Polônia e a Hungria desafiaram a União Europeia. Uma rede de organizações extraparlamentares, representando todos os setores da sociedade desses países, engrossou a base dos partidos ditos extremistas de direita.[32] Em abril, a reeleição de Viktor Orbán para um terceiro mandato consecutivo na Hungria reforçou essa resistência ao projeto universalista europeu.[33]

Na União Europeia, o próprio nome União foi perdendo significado. Pelo fim do ano, enquanto Londres e Europa pareciam estar encontrando os termos definitivos do divórcio, as rachaduras nos demais países se acentuavam. A Itália tomou a dianteira, reduzindo à minoria nas eleições gerais de março o único grande partido pró-europeu sobrevivente do naufrágio. As coalizões de centro-direita e de esquerda, contrárias à imigração desejada pelo Vaticano e pela UE, ficaram com mais de 70% dos votos. O pleito eleitoral foi qualificado de “referendum contra Bergoglio”.[34] O novo governo também estabeleceu “tolerância zero” aos imigrantes e se recusou a receber navios que os transportam. Nisto entraram em atrito com a França, que dizia querer recebê-los, e a Espanha, que de fato os acolheu após a ascensão do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).

Foi mais uma derrota europeísta histórica, que se somou à dos partidos de centro-esquerda, como o PS francês, o PSOE espanhol e a Social Democracia alemã[35] em benefício de agrupações tidas como extremistas e declaradamente anti-UE. Para o jornalista Clovis Rossi, a Itália havia achado aquilo que o Brasil procurava,[36] intuição confirmada na eleição presidencial de novembro. O PSOE assumiu o governo espanhol numa jogada parlamentar,[37] mas não passou no primeiro teste eleitoral. Em dezembro, depois de 38 anos, perdeu o governo da grande região de Andaluzia, numa votação determinada pela recusa à imigração islâmica e antipatia pelas imposições ditatoriais da UE. Analistas de esquerda e a grande mídia choraram a sadia reação dos andaluzes, com termos como “voto de Don Pelayo”[38] (Rei que iniciou a guerra de Reconquista contra os mouros, no início do século VIII), aludindo a uma difusa nostalgia da opinião pública por atitudes intransigentes como a do famoso Cid Campeador ou dos heróis da Reconquista da península ibérica invadida pelos sequazes do Corão.


Na França, falsa moderação e explosão social

Angela Merkel, chanceler alemã

Enquanto a inglesa Theresa May era vilipendiada pela mídia, depois de ganhar o páreo pela separação final da Inglaterra em relação à UE, Angela Merkel (chanceler alemã, uma espécie de “heroína” da UE) anunciava no final do ano sua retirada da política. Nos países escandinavos, partidos e tendências culturais de “extrema direita”, identitários e nacionalistas, contrários à imigração islâmica, cresceram assustadoramente, derrubando o monopólio dos partidos socialistas e ingressando de diversos modos nos respectivos governos.[39]

Comentando a comemoração do centenário do fim da I Guerra Mundial, um jornalista francês sintetizou o panorama político atual numa frase lapidar: “O Ocidente rompido”.[40] O fator determinante dessa ruptura é sobretudo o crescimento efervescente dos nacionalismos, que evoca o clima prévio àquela grande guerra.

“Revolta dos coletes amarelos” na França: “a luta não é pelas migalhas, mas pela baguette”

Resultado: o sonho da convergência de uma Europa diluída numa imensa República Universal foi pelos ares, sob a forma de fumaça provocada pelos distúrbios recentes. Macron apelou até para tanques leves a fim de abafar os protestos populares, prendendo mais de um milhar de manifestantes em batalhas de rua que evocaram as revoluções mais violentas do país. Movimentos conservadores de outros países europeus, como na Alemanha, começaram a imitar os métodos, as ideias e os símbolos dos “coletes amarelos” franceses.Em dezembro, Paris e a França pegavam fogo na “revolta dos coletes amarelos”.[41] Milhares de descontentes, tanto da “extrema direita” quanto da “extrema esquerda”, protestaram violentamente contra o Presidente da República. Com efeito, Macron havia alimentado as esperanças do europeísmo e fora apresentado como o modelo de político capaz de conciliar oposições polarizadas. Mas sua tentativa de aplicar a plataforma europeísta e o ecologismo do Acordo de Paris, com impostos que aumentavam os preços dos combustíveis, constituiu a gota d’água que fez transbordar o copo. Um copo que estava cheio de mal-estares em todos os campos da vida francesa, provocados pelo avanço astucioso do presidente para a esquerda, por sua abertura ao Islã invasor, pela entrega gradual da soberania nacional à União Europeia, pela perda da identidade cultural e social tradicional. Com efeito, os protestos não são apenas contra mais um imposto: “a luta não é pelas migalhas, mas pela baguette”, explicou um manifestante. Outro completou: “Enquanto eles se preocupam com o fim do mundo, nós nos preocupamos com o fim do mês”.

Na Rússia, o ditador se perpetua

Putin fez uma espalhafatosa apresentação de novas armas com capacidade de devastar qualquer alvo no mundo

A nova guerra fria desencadeada pelo admirador de Stalin subiu de tom após a tentativa de envenenamento de um ex-espião russo e de sua filha em Londres, e da expulsão de 116 diplomatas russos dos EUA, Canadá, Europa e Austrália. Putin acabou enfrentando os EUA no Irã, ninho de terrorismo islâmico, e na guerra da Síria, onde atuou através dos mais sanguinários procuradores. De forma solapada, mas com intenso engajamento militar, promoveu agressões na Europa Central. Na fronteira do leste ucraniano invadido, o número de mortos superou os 10 mil, fruto de incessantes tiroteios. No fim do ano, a marinha russa apreendeu duas lanchas e um rebocador militar no estreito de Kerch, reavivando o temor de um reinício geral da guerra com a Ucrânia, recurso usado pelo dono do Kremlin quando sente fraquejar o apoio da população de seu país.Na Rússia, Putin mandou aplicar máxima repressão, para evitar que o movimento dos “coletes amarelos” se espalhasse pelo país. Repressão radical assim já havia dado resultados na primeira metade do ano, quando ele mandou suprimir pela força policial a dissidência que se organizava em face das eleições presidenciais. Foram sumariamente encarcerados os candidatos opositores com chances nesse pleito, e Putin cantou vitória, atribuindo-se 76% dos votos. Segundo a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), tratou-se de um resultado preanunciado e sem “escolha real”.[42]

A agressividade de Moscou voltou-se contra a América Latina. Em dezembro, aterrissaram em bases venezuelanas bombardeiros estratégicos russos Tupolev-160, capazes de transportar muitos foguetes com ogivas nucleares. Tratou-se de uma forma de apoio ao ditador populista Nicolás Maduro, que acabava de visitar a Rússia para implorar ajuda contra uma eventual invasão externa dos EUA. Alegou ainda a participação, talvez indireta, do novo presidente brasileiro. Os EUA ironizaram, dizendo que a Venezuela precisava era de um navio hospital… Mas a ameaça atômica voltada contra os vizinhos não comunistas ficou instalada em nossas fronteiras.[43]

Luzes de esperança na tempestade

A grande mídia esforçou-se para focar o presidente Donald Trump como o maior pomo de discórdia nos EUA. As polêmicas posições do presidente permitiram que a imprensa, as esquerdas políticas e religiosas tentassem jogar o país num redemoinho de desentendimentos. As ações russas no coração da democracia americana e as conexões do presidente com o “omniarca” do Kremlin derrubaram estratégicos funcionários da máquina de governo. No leste asiático, as ameaças ao ditadorzinho da Coreia do Norte foram sucedidas por uma surpreendente distensão mútua, logo interrompida pela descoberta de um rearmamento nuclear secreto sem precedentes no país comunista.

Em 2018, viraram “pedaços de papel” os acordos russo-americanos de destruição e não fabricação de novos mísseis nucleares de médio alcance e intercontinentais. Putin fez uma espalhafatosa apresentação de novas armas com capacidade de devastar qualquer alvo no mundo. Na verdade, havia anos que a Rússia violava os acordos de desarmamento. Sem a mesma teatralidade, Trump anunciou a retomada da produção de novos mísseis atômicos intercontinentais. Na reunião de cúpula da NATO, em julho, criticou severamente os seus aliados europeus. Tratou a Alemanha de “refém” da Rússia, em razão de sua dependência energética, e chamou os aliados de “delinquentes”, por gastarem pouco com sua defesa.[44] No Kremlin, Putin lucrou com a desunião. Logo a seguir, os dois grandes líderes se encontraram na Finlândia, onde negaram a manipulação moscovita nas eleições americanas presidenciais de 2016.[45] Mas, de retorno a Washington, Trump recuou e disse acreditar em interferência russa nas eleições.[46]

A guerra comercial de Trump contra a China exibe complicadas disputas por tarifas e é retaliada com ameaças pelos chineses. Em Buenos Aires, Trump vituperou diante do presidente Macri a “atividade econômica predadora”[47] chinesa, e Xi Jinping recusou-se a recebê-lo. Após novas idas e vindas, pactuaram uma paz comercial ainda nessa cidade, embora no fim do ano não se veja resultado claro em qualquer sentido. A contenda danificou as maiores economias mundiais, assustou mercados, derrubou bolsas e criou incerteza e retração geral.

Guerra cultural

No final do ano passado, a América Latina puxou a virada mundial no sentido conservador

A saudação tradicional “Merry Christmas” (Feliz Natal) fora objeto de ardida batalha cultural, quando o então presidente Obama, a grande mídia, enormes empresas e todas as formas de esquerdismo eclesiástico e leigo se empenharam para fazê-la desaparecer. Mas o Natal de 2018 trouxe-a de volta, pois foi usada na saudação que o presidente Trump e a primeira-dama dirigiram aos americanos ao acender a imensa Árvore de Natal Nacional em Washington. Para cantar as músicas natalinas, Trump convidou as Irmãs Dominicanas de Maria Mãe da Eucaristia, próspera congregação católica que se destaca pelo retorno à vida religiosa tradicional, uma das Ordens religiosas hoje antipatizadas e perseguidas pelo Vaticano.[49]Ainda em julho, Trump nomeou o juiz Brett Kavanaugh para a Suprema Corte, consolidando a tendência conservadora católica na mais alta instância jurídica do país. Nesse Tribunal se decidem hoje as mais polêmicas questões morais que dividem a sociedade americana.[48]Em novembro, o Partido Republicano perdeu a maioria na Câmara dos Representantes, mas conserva a primazia no Senado, o que pode conduzir à ampliação dos desacordos entre as duas câmaras.

América Latina deseja sair do pesadelo

A degringolada do esquerdismo populista tocou num deprimente fundo do poço. Tomou consistência em 2018 um imenso eixo conservador, com um motor na América Latina e outro na América do Norte. Cavalgando essa onda, Jair Bolsonaro elegeu-se à Presidência do Brasil e revigorou ainda mais tal tendência continental. Cumprimentaram-no pela vitória diversos chefes de Estado, embora o Vaticano não se tenha manifestado.

Esse despertar político foi alimentado pela polarização do catolicismo e do cristianismo em geral, acompanhada de uma “erosão da popularidade do Papa nas Américas”.[50] O jornal italiano “Corriere della Sera” constatou que a maior preocupação da revolução eclesiástica impulsionada pelo Vaticano não foi pela magnitude dos escândalos de pedofilia e abusos sexuais, mas pelo descolamento entre o clero progressista e a massa dos fiéis. Este sim, inviabiliza qualquer iniciativa de revolução social e de inclusão da agenda LGBT, como as desejadas pelo comuno-progressismo no Sul e Norte das Américas.

Sinistros estertores do socialismo

Dom Jaime Villarroel, bispo de Carúpano, afirmou que a ditadura transformou a Venezuela num “campo de concentração”, onde está havendo um “extermínio”.[51] Miséria pavorosa; cidadãos consumindo comida para cachorro e ração de galinha;[52] retorno da malária e de doenças outrora extirpadas; crianças morrendo de desnutrição e doentes agonizando nos hospitais, carentes de auxílios básicos; inflação de 1.000.000%; eleições fraudulentas, nas quais ninguém acredita; esbanjamentos ilimitados dos líderes; narcotráfico feito pelo governo e lavagem de dinheiro com cumplicidade da Rússia;[53] despesas armamentistas; nível baixíssimo da produção petrolífera, fonte quase única de recursos, cuja exportação cessará no fim do ano.[54] Três milhões de venezuelanos abandonaram o país, sendo 2,4 milhões deles para países vizinhos, gerando problemas humanitários e conflitos com os residentes locais, como aconteceu em Roraima. Algumas centenas de milhares migraram para o Sul: Equador, Peru e até Argentina, por vezes a pé.[55]

O governo sandinista da Nicarágua, que conquistou o poder graças à Teologia da Libertação, só se mantém esmagando os protestos populares com fogo e causando centenas de mortes. Em Cuba, apesar das encenações de liberalização, continua em vigor uma ditadura férrea. No México, a ascensão de Andrés Manuel López Obrador ao poder, no mês de novembro, reforçou a linha das ditaduras de Maduro e Daniel Ortega e foi comemorada pelas esquerdas como um salva-vidas no meio do naufrágio continental.[56]

Diante dos patéticos apelos do episcopado venezuelano, o Papa Francisco ficou em silêncio e não ocultou sua simpatia pelo ditador Nicolás Maduro. Não a ocultou também em relação a Lula preso, a quem deu apoio moral, ou ainda a líderes de “movimentos sociais” da mesma linha ideológica, envolvidos em processos de crime e corrupção em outros países, especialmente na sua Argentina.

Grande mudança no nosso continente

No final do ano passado, a América Latina puxou a virada mundial no sentido conservador

Numa espécie de retorno à direita, a Colômbia elegeu um presidente de centro-direita, e o candidato das FARC desistiu de concorrer devido ao repúdio popular. Em decorrência dos acordos de paz patrocinados pela Santa Sé, Cuba e a administração Obama, alguns guerrilheiros ganharam assentos no Parlamento sem necessidade de concorrer às eleições. No Chile, a vitória presidencial do empresário Sebastián Piñera arrancou da esquerda outro país-chave do continente. No Paraguai, a eleição de Mario Abdo Benítez à presidência confirmou o crescente repúdio latino-americano aos regimes esquerdistas.[57]A ALBA e a UNASUL — alianças das esquerdas populistas latino-americanas — ficaram à deriva, com seus principais promotores falecidos, derrotados nas urnas ou encarcerados. No Equador, sede da UNASUL, o ex-presidente chavista Rafael Correa foi indiciado pela Justiça por crimes diversos. Ele escapou, pedindo asilo na Bélgica.

Em consequência de multitudinários protestos contra a legalização do aborto, o Senado argentino recusou um projeto que havia empolgado os abortistas mundiais. Tida como precursora da virada continental à direita, a presidência de Mauricio Macri não estava isenta de cumplicidade com o projeto. O episcopado se destacou por sua omissão, tendo o Arcebispo de La Plata se recusado a manifestar simpatia ou apoio às vitoriosas forças católicas leigas que lutavam para impedir tal aprovação.[58] Sem nunca ter visitado seu país natal depois de eleito, o Papa Francisco multiplicou seus gestos de apoio a líderes políticos populistas e sindicalistas envolvidos em graves crimes e escândalos de corrupção. A aprovação do aborto na Argentina, onde oficialmente a Igreja é unida ao Estado, teria sido um grande passo no sentido da Revolução Cultural apoiada pelo atual Pontificado.[59]

No final do ano passado, a América Latina não só puxou a virada mundial no sentido conservador,[60] contrariando o populismo esquerdista que a afligia, como ganhou inesperada projeção com a reunião dos líderes do G20 em Buenos Aires. O “continente da esperança”, como foi definido pelo Papa Pio XII, acordava após um pesadelo socialo-comunista. E parece agora enveredar rumo ao cumprimento de sua missão histórica, ao somar forças com católicos e cristãos conservadores da América do Norte, animando um forte retorno à direita.

Em consequência de multitudinários protestos contra a legalização do aborto, o Senado argentino recusou um projeto que havia empolgado os abortistas mundiais.

Em consequência de multitudinários protestos contra a legalização do aborto, o Senado argentino recusou um projeto que havia empolgado os abortistas mundiais.

No final do ano passado, a América Latina puxou a virada mundial no sentido conservador

O que virá em 2019?

Acumulam-se no horizonte indícios de um agravamento no sentido de desatarraxar a Igreja e a ordem temporal mundial. A este propósito, é bom lembrar que na última aparição em Fátima, quando Lúcia gritou “olhem para o sol!”, as nuvens se entreabriram, deixando ver o sol como um imenso disco de prata que começou a “bailar”. Como uma gigantesca roda de fogo, o sol girava vertiginosamente sobre si mesmo, parando, recomeçando, deslizando pelo céu como um redemoinho que esparge chamas vermelhas de fogo. Animado três vezes por um movimento louco, o globo de fogo pareceu precipitar-se em ziguezague sobre a multidão aterrorizada. Finalmente o sol ficou tranquilo e brilhante, com o mesmo fulgor de todos os dias.[61] Aquele sinal pareceu prefigurar o caos de um mundo desatarraxado que se desfaz. Mas, como Rainha do Céu e da Terra, Nossa Senhora nos fez saber também que em determinado momento, após os castigos previstos, Ela obterá de Deus uma graça fulminante, e até inconcebível, com a qual reporá todas as coisas em ordem.

Sob o bafejo de Nossa Senhora, definiram-se em 2018 tendências religiosas e sociais que vão preparando o reino d’Ela. Embora pouco articuladas, começam a delinear o perfil da humanidade que se descola do caos e da perdição universal, e começa a aspirar pela grande restauração que será o triunfo do Imaculado Coração de Maria prometido em Fátima.

Esse triunfo porá fim aos flagelos que a humanidade atraiu sobre si com seus pecados e com a Revolução gnóstica e igualitária inspirada pelo demônio, que instalou um inferno na Terra. 2018 colocou em andamento um processo extremamente vagaroso e difícil rumo ao Reino de Maria. Rezemos para que soe o quanto antes — se possível, já em 2019 — a grande hora da vitória final de Maria e da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana.

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Notas:

[1]) O Estado de S. Paulo, 07.01.2018.

[2]) http://www.slate.fr, 13.03.2018.

[3]) Mons. Jean-Baptiste de Beauvais (1731-1790), bispo de Senez.

[4]) Le Point, 01.04.2018.

[5]) Settimo Cielo, 08.06.2018.

[6]) http://www.slate.fr, 13.03.2018.

[7]) La Libre Belgique, 05.05.2018.

[8]) 18.06.2018.

[9]) Infovaticana, 04.08.2018.

[10]) O Estado de S. Paulo, 19.01.2018.

[11]) El País, 18.05.2018.

[12]) Settimo Cielo, 29.01.2018.

[13]) Settimo Cielo, 25.02.2018.

[14]) La Croix, 15.11.2018.

[15]) Asia News, 05.11.2018.

[16]) ACI, 23.02.2018.

[17]) ACI, 21.05.2018.

[18]) The Australian, 28.07.2018.

[19]) Chiesa e post concilio, 04.04.2018.

[20]) ACI, 02.05.2018.

[21]) Sala Stampa Santa Sede, 28.07.2018.

[22]) Life Site News, 28.08.2018.

[23]) Settimo Cielo, 05.11.2018.

[24]) Stilum Curiae, 18.08.2018.

[25]) Infovaticana, 23.08.2018.

[26]) Folha de S. Paulo, 29.08.2018.

[27]) Folha de S. Paulo, 13.10.2018.

[28]) Corrispondenza Romana, 13.12.2017.

[29]) ACI, 06.09.2018.

[30]) Corriere della Sera, 08.10.2018.

[31]) Chiesa e post concilio, 13 10.2018.

[32]) O Globo, 11.06.2018.

[33]) O Globo, 11.04.2018.

[34]) Nuova Italia, 06.03.2018.

[35]) Folha de S. Paulo, 07.03.2018.

[36]) Folha de S. Paulo, 08.03.2018.

[37]) Folha de S. Paulo, 02.06.2018.

[38]) ABC, 03.12.2018.

[39]) El Mundo, 04.09.2018; Folha de S. Paulo, 06.09.2018.

[40]) O Estado de S. Paulo, 13.11.2018.

[41]) O Estado de S. Paulo, 04.12.2018.

[42]) Folha de S. Paulo, 20.03.2018.

[43]) La Nación, 11.12.2018.

[44]) O Estado de S. Paulo, 12.07.2018.

[45]) O Estado de S. Paulo, 17.07.2018.

[46]) O Estado de S. Paulo, 18.07.2018.

[47]) Folha de S. Paulo, 30.11.2018.

[48]) O Estado de S. Paulo, 10.07.2018.

[49]) Life Site News, 29.11.2018.

[50]) Corriere della Sera, 25.11.2018.

[51]) ACIPrensa, 01.11.2018.

[52]) O Estado de S. Paulo, 13.01.2018.

[53]) O Estado de S. Paulo, 22.04.2018.

[54]) ABC, 13.06.2018.

[55]) O Estado de S. Paulo, 09.11.2018.

[56]) O Globo, 02.07.2018.

[57]) O Globo, 24.04.2018.

[58]) La Nación, 13 e 14.08.2018; InfoCatólica, 10.08.2018.

[59]) Le Monde, 10.08.2018.

[60]) El Mundo, 04.09.2018.

[61]) apud Antônio Augusto Borelli Machado, Fátima, Mensagem de tragédia ou de esperança?, Artpress, São Paulo.

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