“Eis porque o melhor que se possa desejar é a fidelidade a essa tradição que se chama a cultura cristã, quando se adotam as formas modernas para a tornar acessível: esplendor do culto conservado na linha severa e muito pura, robustez jurídica e moral das instituições civis, e enfim amor do belo artístico, que confere uma nota poética às aldeias mais humildes, dando-lhes um estímulo à cortesia e à dignidade da vida” ( Alocução de 30 de abril de 1961, a peregrinos de Bérgamo, in “Osservatore Romano”, edição semanal em francês, de 1º de maio de 1961 ).
Com essas palavras de ouro o Santo Padre João XXIII define as condições para que as obras de arte produzidas em nossos tempos possam ser consideradas conformes à “tradição que se chama cultura cristã”. Não devem elas ser o contrário, chocante, berrante, cacofônico, amoral e extravagante, do passado cristão. Mas uma produção nova, na arte religiosa e civil, que contenha em constante ascensão os valores perenes da civilização católica: senso moral, amor ao belo, esplendor severo e puro, próprio tudo ao “estímulo da cortesia e da dignidade da vida”.
Quem lê estas frases e pensa no amoralismo cínico e no ódio ao belo de tantas obras cuja “modernidade” consiste em apresentar formas disparatadas e cores delirantes, em induzir o espírito a divagações loucas, ou em produzir nele impressões chocantes e desequilibradas, não pode deixar de reconhecer quanto discrepam do sentido verdadeiro da tradição cristã, como foi no passado e como se conserva, viva, em nossos dias.
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Destes altos e olvidadíssimos princípios o Santo Padre desceu a um exemplo concreto: a poesia de aldeias humildes, que contribuem para proporcionar ao povo os valores de “cortesia e de dignidade de vida” que numa civilização católica não são o privilégio da aristocracia, mas que a arte animada pelo espírito cristão deve favorecer em todas as classes sociais no modo que é próprio a cada uma delas.
Por toda a Europa florescem – não há outra expressão – aldeias assim, a um tempo fontes, relicários e sementeiras de uma vida de alma admirável, própria a um povo que não foi transformado em massa. Como teriam a lucrar na consideração destes exemplos tantas das cidades de nosso interior, às quais a penetração do espírito revolucionário, todo materialista e utilitário, privou desde o nascedouro do encanto de São João del Rei, de Congonhas do Campo, em Minas, de M’Boy, em São Paulo, etc.!
Stein am Rehin – simples “Pedra junto ao Reno” – é uma cidade minúscula na Suíça, mas cheia de poesia, onde, como se vê na foto, tudo convida à existência cristã digna e cortês, de que fala o Papa. A pequena praça do mercado, afável, tranqüila, marcada a fundo pela seriedade do Paço municipal do século XVI, representa o aspecto citadino da encantadora localidade. Porém, como toda aldeia verdadeira ( e Stein am Rhein é mais uma aldeia que uma cidade ), ela deve ser vista não só em si mesma, mas também em função do campo. O segundo clichê no-la mostra como elemento integrante da paisagem bucólica, que seu campanário altaneiro domina, enquanto as habitações populares, confortáveis e alegres, parecem aconchegar-se filialmente junto à igreja, e mirar-se, satisfeitas de si, da paisagem e do Criador cheio de bondade, na placidez límpida das águas tio Reno.
Arte, poesia, dignidade e amenidade da vida, frutos exímios dessa “tradição que se chama a cultura cristã”… tradição que não é apenas um vestígio do passado, mas um valor perene, a inspirar o presente e o futuro.
- Publicado originalmente na revista “Catolicismo” Nº 130 – Outubro de 1961 na seção Ambientes, Costumes e Civilizações
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