CLAP na Venezuela significa Comitê Local de Abastecimento e Produção [foto]. São dezenas de milhares pelo país, distribuem e, por escassas vezes, produzem um pouquinho de alimentos. Vendem bolsas de alimentos a preços subsidiados apenas às pessoas neles registradas. O registro supõe inexistência de militância oposicionista e alguma forma de adesão ao regime. Sem registro, nada das doações dos alimentos de primeira necessidade.
Comunicado da TV estatal afirma, os CLAPs “constituem a nova forma de organização popular encarregada da distribuição, casa por casa, dos produtos de primeira necessidade”. Casa por casa. Num país esfomeado, controlam grande parte da comida entregue a conta-gotas aos pobres. É, na prática, instrumento eficaz de pressão, perseguição e prêmio, enfim, de meticuloso controle social. Estrangula as reações no nascedouro. Enorme retrocesso humano, sem dúvida, mas gigantesco avanço revolucionário. Em inglês, clap significa aplaudir. Os partidários dos comitês têm ainda essa missão, havia me esquecido: aplaudir a tirania no poder até as mãos ficarem em carne viva.
Os CLAPs têm a mesma inspiração dos sovietes implantados na Rússia em 1917. Eram conselhos operários que, rezava a teoria, controlavam todos os assuntos no patamar local e depois se articulavam para comandar o Estado. Ainda em doutrina, levavam ao extremo a autogestão. Por meio deles, supostamente, pela primeira vez na história, a igualdade triunfaria, surgiria o governo dos operários. Entre as atribuições, naturalmente está produzir, regular e distribuir a produção. Os bolchevistas em 1917 lançaram a revolução sob o lema “Todo o poder aos sovietes”. Lero-lero. Na prática, outra a realidade, o Partido Comunista dirigia tudo, os sovietes nunca passaram de “longa manus” dos líderes partidários.
Volto ao calvário da Venezuela. Do CLAP, soviete em construção, disse Nicolás Maduro: “O CLAP é ritmo, o CLAP é alegria, o CLAP é poder popular, são [os CLAPs] a expressão da igualdade, da solidariedade e da cooperação, do trabalho popular, são a expressão do futuro”.
De novo, na teoria: o trabalho se daria em conjunto, em ambiente de cooperação e solidariedade. Daí serem “expressão da igualdade”, “expressão do futuro”. De outro modo, o objetivo do futuro é a igualdade dentro dos CLAPs. Na prática o que acontecerá é a repetição de todos as tentativas anteriores: ambiente crescentemente pesado, aproveitadores, brigaria, criminalidade em alta, baixíssima produtividade, pobreza e exploração dos fracos; no fim, extinção por completa inviabilidade. Desde o século XIX, os ensaios sempre deram nisso.
Nicolás Maduro reafirma obstinado a concepção totalitária, melhorando, a obsessão totalitária mitomaníaca, que sempre acompanhou o comunismo, empurrar todo mundo para dentro da igualdade nessas pequenas comunidades. A utopia comunista vive nos escombros do socialismo real, o soviete, cadinho do homem novo, para dentro do qual todos devem ser empurrados, para ali trabalhar e viver; na casca, a sociedade dos livres e iguais, no miolo, o inferno na terra). Em 1917 foi tentado assim, aconteceu desse modo em boa medida nos kibutzim judeus. Deixo de lado esboços na Espanha, Alemanha, Hungria, Polônia, Itália, expostos em ampla literatura sobre os conselhos operários. Agora o regime chavista os impõe à Venezuela. Na esquerda católica, eco fiel da utopia socialista, tivemos (e ainda temos) os sonhos (melhor, os delírios de ordem social) das comunidades eclesiais de base.
O MST se nutre dessa mesma doutrina tóxica. Os assentamentos, meninas dos olhos do INCRA e do MST, têm também aqui sua origem. Essas duas organizações — o MST claramente orcrim, organização criminosa, e o INCRA, em sua atuação, vezes sem conta, também orcrim pelo contubérnio de décadas de destacados funcionários seus, de carreira ou em cargos comissionados, com MST, CPT e afins — sonham com um Brasil contaminado por assentamentos, na prática pústulas cancerosas na carne da Pátria, favelas rurais. Em verdade, a inspiração maior é o soviete. Pasmem, ninguém parece ter peito para gritar o óbvio ululante: é preciso acabar de vez com essa doidice, já velha de décadas, dos assentamentos. São mais de 30 anos de fracassos, dinheiro torrado, bilhões e bilhões de reais, baixíssima produtividade, roubalheira, valhacouto de desordeiros, favorecimento de agitadores da extrema esquerda, em regra com a parceria solícita e contínua do INCRA.
De onde vem tanta desgraça, que não morre, resiste à realidade óbvia, por tanto tempo em tantos países do mundo? Da idolatria da igualdade. Para atingir sua igualdade, os revolucionários conhecedores dão origem a sabendas, quase nunca confessadamente, a homens atrofiados. São décadas a fio produzindo personalidades estioladas, sacrificadas nas aras da igualdade.
Corta. Nenhuma igualdade buscar? Sim, igualdade proporcional, de matriz aristotélica. Daí, desigualdades harmônicas, estão explicadas na doutrina social católica.
Volto. Quero tratar em especial de ponto que está lá em cima no título e é em geral enterrado nas discussões: a plenitude. Os homens, por inclinação natural, buscam e devem buscar a plenitude. Têm direito à plenitude pessoal. Dela, existem incontáveis espécies, moral, cultural, artística, financeira. Respeitada a moral, a qualquer delas. Age contra direito humano quem propõe regime que estiole e atrofie qualidades pessoais; mais no ponto, cerceie o florescimento da pessoa.
Meses atrás publiquei livro pequeno exatamente sobre esse ponto, era um conto. O título do livro, “Brigo pelos homens atrofiados”. Para ficar mais leve, o trabalho teve caráter jocoso e saiu com pseudônimo: Zeca Patafufo foi o autor. De passagem, para quem não sabe, patafufo, em Minas, é o epíteto faceto que recebe quem nasceu em Pará de Minas, nasci lá.
No meio do conto, um chefe revolucionário de expressão explica didático numa roda: “Minha opinião, a gente sempre buscou o avanço, outro modo, foi atrás da igualdade; é continuar por aí, não tem porque mudar. Lá adiante chegará a hora de matar a pessoa-rei, simples realidade datada. Não massacramos os reis? Vamos abater também esse e jogar o cadáver ao lado de Luis XVI e Nicolau II. Taqui a grande conquista progressista na rota da igualdade. Entendo, custoso se acostumar, por ora fica entre nós. Esmiúço mais: a igualdade, o fio condutor das revoluções nos Tempos Modernos, é o primeiro valor social fundante, é falar, o absoluto supremo, cuja generalização representa o fim da exploração do homem pelo homem. […] O nivelamento só é possível por compressão das possibilidades de realização pessoal. Daí escorre: seres humanos estiolados são o barro da sociedade igualitária. No choque da igualdade amigada à atrofia, de uma banda, contra, da outra, a floração das mais variadas plenitudes, tenho lado: brigo feio pela vitória dos homens atrofiados. É o resumo de tudo”.
Brigo feio pela vitória dos homens atrofiados. Este é inconfessado o brado autêntico das hostes que procuram implantar o igualitarismo revolucionário. Estrangulam a plenitude.