Quando eu era criança, tínhamos lá no quintal de casa um papagaio que atendia pelo nome nada original de louro. Senhorialmente instalado num poleiro, ele ali parecia considerar-se o rei, ou pelo menos um barão bem estabelecido.
O poleiro era composto de um piso e uma cobertura de madeira, entre os quais havia três traves horizontais colocadas a diferentes alturas, para que a ave pudesse subir e descer conforme lhe aprouvesse.
Esse conjunto podia ser baixado ou elevado por meio de uma corda que girava numa roldana à maneira de elevador. Quando alcançava seu ponto mais alto, o poleiro ficava totalmente inacessível aos gatos que de vez em quando transitavam pelo quintal. Aliás, bastava um bichano despontar no horizonte próximo para que o louro se inquietasse, encarrapitando-se no último andar de seus aposentos, onde se sentia mais seguro.
Uma correntinha de metal leve, com certa extensão, ligava ao poleiro o pé do papagaio. Colocada certamente por alguém da família, minha mente infantil não entendia bem para o que ela servia, uma vez que o senhor papagaio não dava qualquer sinal de querer abandonar seu trono. Tanto mais que ali lhe eram servidas em abundância sementes, algumas frutas e legumes, sem falar do serviço de higiene. Curiosamente, nunca o vi beber água.
Para as crianças da casa era uma alegria chegar perto da ave, estender-lhe o dedo indicador à maneira de uma pequena haste horizontal e dizer-lhe: “Dá o pé, louro”. Ele não se fazia de rogado: imediatamente colocava sua pequena garra sobre o dedo que lhe era estendido e repetia com sua voz rouca: “Dá o pé, louro”. Parecia sentir-se bem com os pequenos.
Outras vezes, quando todos os da casa estavam entretidos em seus afazeres, ouvia-se de repente, vindo lá do quintal, o grito estridente do papagaio, chamando pelo nome uma pessoa da família. Não é que estivesse necessitando de algo, mas este era o seu modo de externar a alegria de viver, como alguém que, por se sentir feliz, começa a cantarolar sozinho.
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Não sei o que foi feito do louro. Eu o perdi de vista, como a tantas coisas da infância que desaparecem de nossa atenção sem sabermos como nem por que, mas que deixam na alma uma recordação cheia de saudade, à maneira de uma névoa perfumada e luminosa.
É o modo de ser da inocência, que para ser feliz não necessita de grandes sensações nem de acontecimentos espetaculares; bastam-lhe o comum da vida e seus pequenos fatos corriqueiros.
E aqui tocamos com a mão no que consiste o privilégio inestimável de ser católico. O seguidor de Jesus Cristo, o filho de Nossa Senhora, sabe desde cedo que essas alegrias da inocência correspondem a valores eternos que reencontraremos no Céu. O papagaio passou, mas a alegria inocente que ele proporcionou, essa subsiste em Deus. O louro — como mil outras coisas — foi apenas a ocasião e o símbolo concreto para que valores eternos se manifestassem e fossem amados desinteressadamente pelos homens. Tais valores transcendem o papagaio, como transcendem todas as coisas materiais. Referem-se não apenas ao que foi, mas ao que agora existe e ao que virá. De modo que as saudades que eles deixam na alma correspondem a algo com que novamente nos depararemos no Céu.
Felizes as almas como Santa Teresinha e Santa Bernadette, que jamais perderam sua inocência primeva e viveram constantemente em conúbio com esses valores. Tive a ventura de conviver de perto com Plinio Corrêa de Oliveira e posso dar dele igual testemunho.
Para aqueles – quão mais numerosos – que nos afastamos dessa via régia, a Providência mantém as portas abertas pela penitência. Sobretudo por aquela forma de penitência que Lhe é tão agradável: “Um coração contrito e humilhado, Senhor, não o desprezarás” (Sl 50,19).
A admiração pelos valores da inocência e a certeza de que os reencontraremos na sua plenitude infinita em Deus é o que nos fortalece para viver e lutar nesta vida tão cheia de problemas e adversidades.
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Como são dignas de pena as crianças de hoje! Submetidas ao emburrecimento pela televisão, hipnotizadas pelos videogames e com a alma destroçada por uma educação sexual precoce e desvairada, são elas vítimas — perdoem-me o neologismo — de um verdadeiro inocenticídio que as espreitará na vida adulta com toda espécie de frustrações e de taras. Esta é a verdadeira catástrofe do mundo moderno, muito mais do que terremotos e tsunamis.
Vejo já algum ecologista radical me increpar: não se pode ter papagaio em cativeiro, é contra a mãe-natureza. Calma, meu caro, você não só quer arrancar a felicidade da criança, como a da própria ave, na medida em que esta é capaz de fruir esse sentimento. Pois seu bem-estar maior consiste em cumprir sua finalidade mais alta, que é a de servir ao homem.
Agradeço a DEUS pela saudável infância que tive, repleta dessas coisas simples, e poder concordar com nosso nobre Gregório Lopes.
Q DEUS abençoe a todos nós!!!
Sr. Gregório, me fez lelembrar de momentos felizes de minha infância, do curso de admissão ao ginásio, estudar francês e inglês nos primeiros anos, as aulas de canto,
da ciranda cirandinha, do pega-pega do esconde esconde.
Dos meus pais que já se foram, do meu irmão que também foi, dos amigos que já partiram.
Meus passarinhos, pombos, cachorros, e ler Monteiro Lobato. Coisas puras e simples
como era Nosso Senhor Jesus Cristo!
Caro articulista, acho que para alguns ecologistas enrustidos não adianta sua ressalva ao final da excelente matéria que evoca lembranças de um passado de bençãos. Para esses enrustidos os animais têm os mesmos direitos que os homens, quando não têm a crença de que a vaca é sagrada…
Muito bom!