A concepção católica tradicional das Missões

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Em post anterior reproduzimos a introdução do livro de Plinio Corrêa de Oliveira “Tribalismo Indígena – Ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI”, no post de hoje segue praticamente a íntegra do primeiro capítulo desta obra, da qual podemos dizer que é um prognóstico do atual Sínodo Pan-Amazônico.

  • Plinio Corrêa de Oliveira

• Como fim, evangelizar.

• Evangelizando, civilizar.

• Civilizando, fazer o bem.

O “diálogo” que o leitor acaba de ler corresponde, na sua maior parte, a textos emanados de fontes missionárias “atualizadas”, e delineia uma radical modificação na doutrina das missões. Tal modificação penetrou largamente, de algum tempo para cá, em ambientes missionários brasileiros, onde se propaga com a discrição e a rapidez da mancha de azeite. Como se verá, esta transformação não interessa apenas a especialistas, mas afeta profundamente o futuro da Igreja e da Pátria.

         Assim, devem estar atentos para ela todos os brasileiros. Pois ela visa estender uma perigosa ondulação no mundo das selvas incultas. E, ainda mais, conectar esta ondulação com outra maior, a ser efetuada no mundo dos campos cultivados e das cidades.

         Selvas incultas, campos cultivados, cidades em franca expansão: é bem o Brasil inteiro que assim pode ser atingido…

1. Conceito de Missão

         Na doutrina missiológica da Igreja, velha de cerca de vinte séculos, o conceito de Missão católica, seus fins e seus métodos, está perfeitamente definido. E coincide com o modo de ver e de sentir do leitor brasileiro médio. Por isto pode-se estar certo, de antemão, que os próximos parágrafos não chocarão ninguém. Pelo contrário, parecerão tudo quanto há de mais normal.

         Missão vem do vocábulo latino missio, de mitto, isto é, eu envio. O missionário é pois um enviado (Bispo, Sacerdote — e, por extensão, também uma Religiosa ou um leigo).

Enviado, o missionário o é pela Igreja, em nome de Jesus Cristo, a Quem representa junto a povos não católicos, com o fim de os trazer para a verdadeira Fé.

2. Fim supremo da Missão – a glória de Deus e a bem-aventurança eterna

         Ensina a Igreja que a via normal para o homem se salvar consiste em ser batizado, crer e professar a doutrina e a lei de Jesus Cristo.

Trazer os homens para a Igreja é, pois, abrir-lhes as portas do Céu. É salvá-los. É este o fim da Missão.

Esta salvação tem por supremo fim a glória extrínseca de Deus. Salva-se a alma que tenha conseguido assemelhar-se a Ele pela observância da Lei, nos embates desta vida. E assim Lhe dará glória por toda a eternidade.

Toda semelhança é, em si, um fator de união. A alma dessa maneira unida a Deus alcança a plenitude da felicidade.

3. Efeitos da Missão na vida temporal

a) A ordem

         A glória de Deus e a perpétua felicidade dos homens são fins missionários da mais alta transcendência. Isto não impede que a Missão tenha efeitos terrenos, também dos mais elevados.

Com efeito, Deus criou o universo numa ordem sublime e imutável. Sendo o homem o rei do universo, tal ordem é sobretudo admirável no que toca a ele.

         Os preceitos da ordem natural se exprimem nos Dez Mandamentos da Lei de Deus (cfr. Santo Tomás, Suma Teológica, Ia. IIae., q. 100, aa. 3 e 11), confirmados por Nosso Senhor Jesus Cristo (“não vim dissolver a lei, mas cumpri-la” – Mt 5, 17), e por Ele aperfeiçoados (Mt 5, 17 a 48; Jo 13, 34).

         Ora, a observância da ordem, em qualquer esfera do universo, é a condição não só para a conservação desta, como para seu progresso, o que é sobretudo verdadeiro para os seres vivos, e mais especialmente para o homem.

b) A grandeza e o bem-estar dos povos

         Daí decorre que a Lei de Deus é o fundamento da grandeza e do bem-estar de todos os povos (cfr. S. Agostinho, Epist. 138 al. Ad Marcellinum, cap. II, n. 15).

Cristianizar e civilizar são, pois, termos correlatos. É impossível cristianizar seriamente sem civilizar. Como, reciprocamente, é impossível descristianizar sem desordenar, embrutecer e impelir de volta rumo à barbárie.

Primeira Missa no Brasil – Victor Meirelles, 1860. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Primeira Missa no Brasil – Victor Meirelles, 1860. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

4. Missão e índios

a) O contato com Jesus Cristo

         Ser missionário, no Brasil, é principalmente levar o Evangelho aos índios. É levar-lhes também os meios sobrenaturais para que, pela prática dos Dez Mandamentos da Lei de Deus, alcancem seu fim celeste. É persuadi-los de que se libertem das superstições e dos costumes bárbaros, que os escravizam em sua milenar e infeliz estagnação. Em consequência, é civilizá-los.

         Cabe insistir: enquanto é próprio ao homem cristianizado e civilizado progredir, sempre no reto e livre exercício de suas atividades intelectuais e físicas, o índio é escravo de uma imobilidade estagnada, a qual desde tempos imemoriais lhe tolhe todas as possibilidades de reto progresso.

Apresentando-se ao índio, está o missionário de Jesus Cristo no direito de lhe dizer: “cognoscetis veritatem, et veritas liberabit vos – conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32).

b) O contato com o neopaganismo moderno

         Bem entendido, o contato com os missionários traz forçosamente, para o índio, o contato com a civilização. Não com uma civilização quimérica, descida das nuvens, mas com a civilização ocidental como ela é concretamente. Na medida em que esta possui ainda fermentos autenticamente cristãos, a civilização será rica, para os indígenas, em benefícios espirituais e até materiais. E na medida em que nela trabalhem os germes de decadência e do neopaganismo, há o risco de que ela seja ocasião para os índios se poluírem na alma e no corpo.

c) Problema desconcertante

         Essa circunstância cria para as missões contemporâneas dificuldades desconcertantes. Como podem elas evitar que, levando Jesus Cristo aos índios, não lhe siga o passo muito de perto o Anticristo, ou seja, o neopaganismo moderno?

5. Para o missionário, uma solução impossível: abster-se

a) O poder de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre as almas retas

O problema, por mais intrincado que seja, não pode servir de razão para o missionário não ir aos índios. Não lhes levar Nosso Senhor Jesus Cristo, sob a alegação de que o Anticristo moderno virá logo após Ele, é ignorar o poder e a bondade do Salvador. Em todas as almas retas, e entre os índios obviamente, Nosso Senhor Jesus Cristo é infinitamente mais poderoso do que o Anticristo.

b) O contato com a civilização ocidental

         Ao tratar da presente temática, é preciso não confundir grosseiramente o neopaganismo moderno com a civilização ocidental. Esta última foi cristã durante mais de mil anos; e embora por desdita já não se possa dela dizer tal, ainda conserva muito do caráter cristão de outrora. Da mesma forma que certos edifícios de pedra que, expostos ao dardejar do sol durante o dia inteiro, depois de entrada a noite conservam o calor acumulado. Assim também a civilização ocidental — sem mais poder dizer-se cristã, e a despeito da decadência onímoda em que se vai afundando — ainda está quente da ação benfazeja que, durante os séculos da antiga fidelidade, recebeu do Sol de Justiça (Ml 4, 2) que é Nosso Senhor Jesus Cristo.

         De onde se deve concluir que seria irrefletido, simplista e até fanático pretender que, em contato com a civilização ocidental, os índios só têm a perder e nada a lucrar.

c) Influência do verdadeiro Sacerdote

         Quando vive na civilização atual, o verdadeiro Sacerdote tem por missão a luta. Luta a favor de tudo quanto procede de Jesus Cristo e a Ele conduz. Luta contra tudo que procede do mal e afasta de Jesus Cristo.

Se o índio nota no missionário esta atitude valorosa, de discernimento e de luta, terá as graças e o bom exemplo para beneficiar-se dessa civilização, sem nela se corromper.

d) Problema bizantino

         Ademais, na realidade concreta em que vivemos seria perfeitamente bizantino discutir sobre se convém aos índios receber, com a presença dos missionários, também a influência de nossa civilização. Esta, em seu vertiginoso desenvolvimento técnico, os estará alcançando a todos muito em breve, com ou sem missionários. E melhor será para os índios que, junto com a civilização neopagã, vão também os missionários de Jesus Cristo.

e) O agitador comunista, missionário de Satã

         Aonde a civilização neopagã for, o mais das vezes levará consigo o que ela tem de pior, isto é, o agitador comunista, o “missionário” de Satã.

O exemplo da África mostra quanto o comunismo internacional se empenha em tirar proveito das tribos aborígines. Quem poderá garantir que, hoje ou amanhã, ele não empreenderá o mesmo entre os índios não civilizados, ou os que venham a sê-lo?

Mais ainda — e quanto dói dizê-lo! — como se poderá garantir que, utilizando a infiltração ideológica em meios católicos, o comunismo não aproveite para a infiltração esquerdista entre os índios os Bispos, Padres ou religiosos cuja simpatia e cooperação tenha conquistado?

Em consequência, convém que vá ao índio o bom missionário, por todas as razões. Até mesmo para prevenir contra o “missionário” comunista.

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