A economia contemporânea: de serva a patroa

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Pergolese-La-Serva-Padrona1

Proponho ao leitor um exercício muito útil de imaginação; figuremos um regime econômico ideal.

As finanças, como são vistas hoje, fazem lembrar o título de uma obra de Pergolese,(1) La Serva Padrona [cena ao lado]. Pois a economia existe para servir o homem, e não o contrário. Mas essa serva caprichosa pretende ser a patroa, e nós, do ilustre gênero humano, ficarmos a seus pés como escravos.

Numa economia sadia não iríamos encontrar alguns dos padrões econômicos com os quais estamos acostumados. Não veríamos bolsas funcionando com febre alta e eficiência. O comércio talvez não seria como o de hoje, em que podemos comprar pela Internet uma mera gravata em Londres, Nova York ou Buenos Aires…

Algumas pessoas podem ficar desapontadas com essas limitações. Mas o que parece um defeito poderia em outro contexto transfigurar-se em qualidade, caso se considere o assunto não em sua superfície epidérmica, mas debaixo de outro ponto de vista: o da finalidade da economia. Pois, obviamente, bomé aquilo que está de acordo com a sua finalidade, e não o que parece bom.

A finalidade da economia é a produção, distribuição, acumulação e consumo dos bens materiais, visando à autopreservação dos homens, a manutenção do status de cada um, e a criar na sociedade um ambiente elevado em termos de bens culturais e espirituais.

Diz um renomado autor americano: “A vida econômica, nessa concepção, seria ordenada para prover a família com entradas suficientes para a manter no costumeiro nível apropriado a sua situação”.(2)

Para fazer isto, não é preciso transformar a sociedade num imenso bazar, nem promover a economização do mundo através da fórmula “all’s fair in business” (tudo é bom nos negócios). Basta tratar dos assuntos econômicos de uma forma razoável. É o que falta hoje.

Santo Tomás declara que o comércio é criticado com acerto porque satisfaz à sede do lucro, e longe de conhecer algum limite, se estende ao infinito.

A partir do século XI houve uma melhora na economia, do ponto de vista financeiro. Desse desafogo resultaram duas tendências.

ReimsDe um lado, uma propensão a subir mais, espiritualmente, como civilização. Foram construídas belas e esplendorosas catedrais, edificados castelos, foi melhorada a cultura. Essa tendência se exprimiu, entre outras coisas, pela construção de Notre-Dame de Paris (1131), de Chartres (1194), da Sainte-Chapelle (1248) e, também no século XIII, da catedral de Reims. [Foto. Um aspecto de seu interior]

A outra tendência, que coexistiu com a primeira, foi de fechar-se em si própria e usufruir com avidez as novas condições. Em determinado momento da Idade Média, começou a aparecer a inclinação de fazer passar a produção da riqueza de meio a fim. De ocupação adjetiva, tornou-se atividade substantiva.

Em outros termos, alguns começaram a viver para ter dinheiro, em vez de ter dinheiro para viver. E isso já começou a ocorrer de forma consistente no século XII.

A ruína do nobre arruinado, a pobreza do cavaleiro pobre eram elementos que, quando havia dignidade, poderiam até realçar sua fidalguia.

O assunto financeiro não produzia a obsessão que caracteriza os tempos modernos e contemporâneos. O homem típico da Idade Média era insaciável, no sentido de um aperfeiçoamento espiritual e cultural, queria: castelos cada vez mais fortes, catedrais cada vez mais monumentais, vitrais cada vez mais belos, explicitações filosóficas cada vez mais subtis e arrojadas, etc. E não colocava o ganhar dinheiro no mesmo nível de prioridade.

Por sua força expressiva, permitimo-nos uma comparação extraída do trânsito de hoje. Diríamos que não havia luz vermelha que proibisse taxativamente as atividades lucrativas, mas uma luz amarela que nunca cessava de piscar.

Os medievais capitalizavam pouco seus ganhos. É preciso ter um pé atrás em relação ao argentarismo. O gigantismo, que é coisa bem diversa do amor à grandeza, que se expressa nas virtudes da magnanimidade ou na magnificência. Enquanto no gigantismo, o elemento preponderante é a quantidade, e não a qualidade. Infelizmente, a tendência ao gigantismo é corrente nos dias atuais.

Plinio Corrêa de Oliveira afirmou em uma conferência: “O papel que tem hoje o dinheiro, o comércio, a economia aberta, constitui uma situação tão hipertrofiada que não se pode tentar fazer isso caber nos moldes de uma sociedade orgânica”.

A principal característica da economia medieval, vista em seus melhores momentos, era seu caráter adjetivo, ancilar: ela era uma serva, e não a patroa; simples meio, colocado a serviço de outra finalidade. Mas a finança, com os correr dos séculos, como na famosa obra de Pergolesi, tornou-se uma “serva patroa”.

Qual é a finalidade mais profunda da economia? Ela é uma espécie de arte, de hobby ou de esporte, cuja finalidade está em si mesma? Ou visa ajudar a produzir e assegurar a subsistência e a felicidade possível nesta Terra, sem bluffs nem efeitos especiais? Evidentemente, a resposta adequada é esta última.

São Hugo, resumia de forma magnífica a finalidade da economia: “Desprender-se dos cuidados materiais, viver ainda mais confortavelmente, para libertar inteiramente seu espirito e consagrar menos tempo aos cuidados domésticos… e oferecer mais recursos ao serviço de Deus.

Como se vê, ele resolvia a questão sem um ascetismo exagerado, mas sem concessões ao argentarismo. Assim deve ser.

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Notas:

1. Giovanni Battista Pergosesi: compositor italiano (1710-1936). A serva diz ao patrão: “Voglio esser rispettata / voglio esser riverita come fossi / padrona, arcipadrona, padronissima.” E assim vai se operando a “economização” da sociedade.

2. Jerry Z. Muller, The Mind and the Market (New York: Alfred A. Knopf, 2002) 6.

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