O “Legionário” n.º 57, 11 de maio de 1930
Ao refutar a lenda, tão cara aos protestantes, da existência, no século IX, de um chefe da Igreja pertencente ao sexo feminino, e que se alçara a esta posição iludindo os cardeais que formavam o Conclave, sustentaremos que:
1) não se pode crer na existência da Papisa, porque os documentos sobre os quais se têm baseado os adversários da Igreja são falsos, e porque temos provas certas de que ela não existiu;
2) não há nem mesmo indícios que permitam que se suspeite de sua existência.
Ao expor nossa argumentação, começaremos provando a primeira tese.
Vejamos, em primeiro lugar, se, sob o ponto de vista histórico, é possível depositar crédito nos documentos que pretendem provar a existência da papisa.
Em 1559, João Herold, editor protestante da Basiléia, publicou duas crônicas, uma de autoria de Mariano Scoto, falecido em 1085, e outra de autoria de Martinho da Polônia, falecido em 1278. Nestas crônicas, afirmava-se pela primeira vez que, no ano de 857, sucedera ao Papa Leão IV a Papisa Joana que, tendo falecido [nesse mesmo ano], tivera por sucessor Bento III.
Contam, além disso, as referidas crônicas que, tendo saído à rua processionalmente, o suposto Papa João sentiu-se subitamente incomodado, tendo tido uma criança em plena rua. Verificou-se, então, que fora burlado o Conclave que elegera o Papa, e que, na realidade, este era uma mulher. Pouco depois, Joana falecia em Roma.
Existem, nas bibliotecas de diversas cidades européias, cópias do tratado de Mariano Scoto. No entanto, em nenhuma delas se lê o trecho que apareceu na edição protestante.
Além disso, Wlaltz encontrou, no n.º 380 do Codex Palatinus Vaticanus, o autógrafo original do próprio Scoto, no qual não se vê a menor referência à Papisa. No entanto, a autenticidade do autógrafo encontrado é incontestável.
Julgamos conveniente reproduzir aqui estas provas de falsidade da edição protestante do trabalho de Scoto, por ser o mais antigo e por ser o único, portanto, que poderia merecer mais crédito.
Quanto ao trabalho de Martinho da Polônia, muito posterior ao de Scoto, e oferecendo, portanto, um interesse muito menor, limitar-nos-emos a afirmar que até mesmo os protestantes do valor de Leibniz, Blondel, Casaubon e Bayle afirmam que se trata de um documento falsificado e indigno de crédito.
Aliás, seria realmente extraordinário que o primeiro documento referente à Papisa aparecesse mais de dois séculos depois de sua existência, e tivesse sido reproduzido tão-somente por outro documento aparecido 193 anos depois do primeiro.
Vemos, pois, que está fundamentada a primeira afirmação de que NADA PROVA QUE TENHA EXISTIDO A PAPISA JOANA.
Vejamos, agora, a prova que desmente a sua existência.
Consiste ela no seguinte: tendo existido a Papisa em 800 mais ou menos, não se encontram, além dos dois documentos falsos, outros quaisquer que lhe façam a menor referência.
Vemos, pois, que a primeira referência, aparecida, como foi dito acima, dois séculos depois, não pode deixar de ser, na melhor das hipóteses, a reprodução de uma lenda que não podemos aceitar como verdadeira, pois que não se explica como já não fora escrita anteriormente.
E não se diga que, quando dizemos que não se encontram documentos, queremos nos referir exclusivamente aos anais da Santa Sé, nos quais se poderiam ter feito ainda algumas alterações. Muito pelo contrário, recorremos às afirmações dos maiores inimigos da Igreja. Assim, por exemplo, Fócio, o Patriarca de Constantinopla, que fundou em 860, isto é, dois anos depois de ter falecido Joana, o cisma grego. Fócio escreveu o seguinte: “A nossa geração conheceu o nobre pontífice Leão IV, cujos milagres, operados em vida, atestam sua santidade. Ele teve por sucessor esse anjo de mansidão e caridade, que se chamava Bento. A este sucedeu, infelizmente, o arrogante e faustoso Nicolau” . Ora, Fócio, como Patriarca de Constantinopla, não poderia ter ignorado o escândalo da Papisa, ou ao menos a sua existência. Por que não faz ele a menor referência a Joana? Por que é que, muito pelo contrário, afirma que ela não existiu, quando a exclui da lista dos Papas?
Vemos, pois, que HÁ PROVAS, FORNECIDAS PELOS ESCRITOS DOS PRÓPRIOS INIMIGOS DA IGREJA, DAS QUAIS SE DEDUZ QUE A PAPISA NÃO EXISTIU.
Haverá, ao menos, indícios que nos permitam suspeitar de sua existência?
Bastará, para elucidar a questão, lembrar que não se sabe qual teria sido o nome certo da Papisa, pois que as versões lhe atribuem os mais diferentes, entre eles: Inês, Isabel, Joana ou Margarida.
Por outro lado, afirmam alguns historiadores que ela estudou na Universidade de Paris. Ora, Joana existiu no século IX, e a Universidade, que surgiu no século XII, distribuiu seus primeiros diplomas somente no século XIII.
Dizem outros que ela estudara em Atenas. No entanto, naquela época, Atenas estava em poder dos búlgaros, e não tinha escolas, segundo no-lo narra a História.
Quanto à própria cena da procissão, apresenta uma série grande de detalhes absurdos. Em primeiro lugar, a festa do Santíssimo Sacramento foi instituída somente 600 anos depois, por Urbano IV. No entanto, teria, segundo algumas versões, sido comemorada a festa em questão, em Roma, justamente no dia em que Joana tivera seu filho.
Vemos, portanto, que NÃO HÁ NEM MESMO INDÍCIOS DA EXISTÊNCIA DA PAPISA JOANA, PERSONAGEM QUE A HISTÓRIA NÃO CONSEGUIU, DE MODO ALGUM, IDENTIFICAR.
Concluímos, pois, que:
1) as provas da existência da Papisa são falsas;
2) há provas irrefutáveis de que ela não existiu;
3) não há nem mesmo indícios de que ela tenha existido;
4) os detalhes com que são contados os fatos, nas versões correntes, são contraditórios ou falsos.
LOGO, É IMPOSSÍVEL, PARA A PESSOA DE BOA-FÉ, AFIRMAR QUE A PAPISA JOANA EXISTIU.
E, para finalizar, cumpre-nos declarar, em abono de nossa tese, que é ela sustentada por muitos e muitos historiadores, e que as provas aqui indicadas são extraídas de Justino Mendes (A Igreja e a História). Poderão, pois, ser facilmente estudadas mais a fundo, e mais perfeitamente controladas.