É uma grande pedra, um penhasco, uma pedra colossal que todos os anos, na noite de Natal, durante a Missa do Galo, gira sobre si mesma.
Existe na Borgonha um grande número dessas pedras misteriosas que giram, abrem-se e deixam ver grutas ou cavidades.
Uma delas está no topo do morro de Beuvray, onde é protegida por um ente estranho: a Wivre.
Esta é uma serpente fabulosa – uma espécie de dragão demoníaco coberto de escamas brilhantes amarelas e verdes quase luminosas, que ao entrechocarem-se produzem um ruído especial e silvam enquanto a Wivre voa e reluz no ar.
Se a pedra de Beuvray requer tão terrível proteção é porque encerra um tesouro. E esse tesouro só é acessível num momento do ano, durante alguns instantes da noite de Natal.
Na hora da Missa, como que incomodado pela celebração dos santos mistérios, o dragão se afasta e – dizem— a pedra se mexe e deixa entrever o a atração sedutora do ouro, das joias resplandecendo discretamente sob a luz das estrelas.
Aqueles que abandonam o dever sagrado da Missa poderiam então entrar na gruta e pegar o que puderem antes de a Wivre voltar.
O atrativo do espetáculo e o apetite do lucro, não se importando em pecar contra Deus, tentaram a mais de um temerário. Porém, ninguém voltou a ver aqueles que pretenderam enganar a Wivre.
Uma viúva morava na aldeia mais próxima do lugar. Ela era muito pobre e tinha em filho muito engraçadinho para criar.
Todos os anos, no Natal, ela queria tratá-lo muito especialmente e dar-lhe presentes na proporção de seu amor. Mas como o dinheiro lhe faltava cruelmente, ela precisava antes de tudo lutar para dar-lhe de comer e aquecer sua pobre casa.
Subitamente, a pobre mulher começou a sonhar com o tesouro de Beuvray: “Algumas peças de ouro – pensava ela – seriam suficientes para nos fazer viver durante anos. Isso não seria nada para a Wivre…”
E ela tanto sonhou que um dia começou a transformar essas quimeras numa firme decisão.
Ao fazer certa vez o caminho da igreja, ela se afastou das vizinhas que iam com ela à Missa de Galo.
Ela levava consigo seu filho, que a escuridão da noite e a sofreguidão da mãe enchiam de terror. Ele se pendurava na saia da mãe, dificultando a cada vez mais empinada ascensão; lá encima a neve tinha virado gelo.
A mulher deu os últimos passos com o menino nos braços, quase correndo, e sua esperança lhe multiplicava as forças.
Por fim, ela chegou ofegante ao topo. A lenda não mentira, a pedra havia mudado de lugar. A mãe e o menino entraram na cavidade aberta e viram brilhar o ouro, as pedras preciosas, a prata, as joias, o tesouro completo.
Ela sabia que não tinha um instante a perder: tirou sua capa e, em sucessivas viagens, começou a depositar nela tudo quanto suas mãos endurecidas pelo frio podiam pegar.
O menino esquecera seus temores diante da beleza de todas essas coisas que brilhavam.
Enquanto carregava um último punhado de riquezas, a mãe ouviu um ruído surdo que a assustou, mal tendo tempo de reagir.
Um assobio espantoso anunciava que o dragão infernal voltava. Era preciso sair logo do local. Ela tentou pegar a mão de seu filho, mas sua saia ficou presa num espinheiro. E a pedra se fechou.
Ela começou a chamá-lo baixinho, para não atrair a serpente, depois falou seu nome cada vez mais alto, e no fim berrava e chorava, clamando por ele sem cessar.
A mãe compreendeu que o menino tinha ficado prisioneiro da pedra de Beuvray.
Só no amanhecer teve coragem de voltar ao lar. A casa estava silenciosa, sem os risos e as brincadeiras que faziam sua felicidade e que para ela, na realidade, valiam mais que todos os tesouros da Terra.
Todos os dias pela tarde ela voltava a subir o morro, e gemendo, suplicando, regando-a com suas lágrimas, girava em torno da pedra achando que com isso poderia apiedar a sinistra guardiã. As estações do ano passaram, mas ela não desanimava.
Veio por fim a noite de Natal, e uma esperança louca a fez como que voar: ela voltou ao topo do morro durante a Missa de Galo e viu que a pedra tinha girado mais uma vez.
Ela teve muito medo, pois na hora de aproximar-se da gruta aberta imaginava encontrar apenas uma comovedora pequena ossada.
Mas com sua pele rosada e as bochechas bem cheias, o menino estava sempre ali, brincando. Ele tinha crescido um pouco mais e não parecia em nada atemorizado. Tão logo viu a mãe, pulou em seu pescoço.
Ela o levou e deixou o buraco fechar-se, nada temendo quando ouviu a Wivre voltar. Lembrou-se apenas de que no ano anterior se esquecera de pegar a capa, que ela encontrou exatamente no local onde deixara; mas esta só continha pedras de cor cinza.
Ela percebeu então que não se podia roubar impunemente o ouro da Wivre, pois essa serpente trocava por pedra o ouro de alguém que lhe tocasse.
A mãe compreendeu ainda que a criança lhe fora devolvida porque sua perda a tinha feito esquecer o botim…
No ano seguinte, os dois foram cumprir a Lei de Deus e assistir à Missa da meia-noite. Dois anos sem Natal na vida de um menino é muita coisa.
As mães da Borgonha contam esta história a seus filhos para ensinar-lhes que o amor materno vale mais do que todas as riquezas deste mundo.
É por isso que elas os chamam de “meu tesouro”.