“Ai de quem escandalizar um desses pequeninos”

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Certo dia Nosso Senhor Jesus Cristo estava pregando, quando Lhe trouxeram alguns meninos para que Lhes abençoassem. Os Apóstolos tentaram afastá-los, mas o Divino Mestre lhes disse: “Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham” (Mt 19, 14). E acrescentou: “Se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus” (Mt 18, 3). Quer dizer, devemos ser inocentes como as crianças pequenas em geral o são.

Digo em geral porque infelizmente um número cada vez maior delas paga tributo à maldade dos tempos em que vivemos, sendo precocemente corrompidas, ao contrário do que acontecia com as crianças puras e inocentes daqueles bíblicos tempos.  Tanto essas quanto as que ainda hoje conservam a inocência, atraíam e atraem o olhar de Jesus. Por isso Ele alerta que, quem procurar corrompê-las por palavras ou obras, Melhor lhe seria que se lhe atasse em volta do pescoço uma pedra de moinho e que fosse lançado ao mar, do que levar para o mal a um só destes pequeninos. Tomai cuidado de vós mesmos (Lc. 17, 2).

Não há nada de mais diabólico do que utilizar uma posição de influência ou de mando, seja paterna, seja de magistério, seja de amizade, para abafar o germe da piedade e da inocência na alma das crianças, afastando-as assim de Deus e de sua Igreja. Quantos são os pais que dão mau exemplo a seus filhos por palavras, ações ou omissões, por exemplo, não cuidando de sua educação religiosa, não vigiando sua boa ou má conduta, por brigas em casa e, sobretudo, pela divisão na família! Esses servem de escândalo para seus filhos e por isso não se pode deixar de dizer que merecem a maldição de Nosso Senhor.

O mesmo se pode dizer dos professores materialistas e ateus que, com sua impiedade, matam na alma dos alunos os bons germes que podem ter recebido da família.

O senso inato do bem e do mal, da verdade e do erro

Deus Nosso Senhor incutiu no coração de cada recém-nascido a lei natural, com a qual o bebê começa a distinguir desde cedo o bem do mal, a verdade do erro. Assim, instintivamente, desde o berço, ele é levado a sentir atração pelo que é bom ou belo, e repulsa pelo que lhe é oposto.

Isso é comprovado pela ciência. Paul Bloom, professor de Psicologia na célebre universidade de Yale, nos Estados Unidos, sua mulher Karen Wynn e Kiley Hamlin, do Laboratório de Cognição Infantil dessa Universidade, estudaram profundamente a capacidade de valoração moral em meninos entre seis e dez meses de idade. E chegaram à conclusão de que já nessa tenra idade as crianças distinguem entre as pessoas boas e as más, manifestando atração pelas primeiras e rechaço pelas segundas.

Esses investigadores publicaram suas conclusões em livro, onde afirmam que suas experiências demonstraram que os bebês não são moralmente indiferentes, mas tendem a sorrir e aplaudir quando postos diante das coisas boas e belas, e a fazer caretas e voltar suas cabeças face às más ou feias.

Concluem com isso que as crianças já nascem com um instinto (a lei natural imposta por Deus em suas almas) que lhes permite discernir o bem e o mal, o belo e o feio.

O que tem como consequência que a moral não é de nenhum modo fruto do condicionamento ambiental, cultural, social ou religioso, mas algo que deriva da própria lei natural criada por Deus[i].

É necessário preservar essa visão dourada nas crianças

A visão primeira, e como que dourada da vida, inteiramente verdadeira, vai sendo hoje cada vez mais erodida nas crianças, pela má educação ou por um ambiente malsão decorrente de tantos fatores de corrupção e desagregação das famílias.

Uma criança crescida em uma família unida e religiosa tem chance de conservar por muito mais tempo sua inocência do que aquela crescida em uma família dividida e sem religião. Do mesmo modo, em uma família numerosa, o convívio entre pais e filhos é muito mais íntimo e os ajuda a preservar da corrupção de fora.

Para falar de alguns dos fatores corrosivos da inocência das crianças, temos principalmente toda a devastação que provocam em suas almas os programas televisivos — amorais quando não perversamente imorais — que são oferecidos abundantemente aos telespectadores.

Isso é ainda mais agravado com o desenvolvimento prodigioso da internet.

Um artigo publicado no site católico Religión en Libertad alusivo à Espanha, mas que facilmente se pode aplicar ao Brasil, afirma: “Os estudiosos não param de advertir sobre o abuso que se faz do consumo televisivo — as crianças espanholas estão diante da tela em média mais de duas horas e meia por dia — e os riscos que provoca o uso sem controle da internet e dos celulares com aplicações Whatsapp, Youtube ou Instragram. E tudo isso está se convertendo em um problema de primeira ordem, que poucos fazem algo para remediar. Sem embargo, a cultura dominante vai em direção contrária, e cada vez crianças menores têm celulares com acesso à rede e tablets com os quais elas podem surfar no amplo mundo da internet com tudo o que ela traz” de ocasiões de pecado.

Pelo que a própria Academia Americana de Pediatria alerta: “A AAP recomenda aos pais que estabeleçam ‘zonas livres de aparelhos televisivos’ no lar, assegurando-se de que não há televisão, computador ou videogame nos dormitórios das crianças, e apagando a televisão durante as refeições. As crianças e adolescentes deveriam usar estes meios não mais que duas horas diárias, e sempre com conteúdos de alta qualidade. É importante para elas empregar seu tempo em jogos ao ar livre, leitura, suas inclinações e uso de sua imaginação em situações de jogo livre.”

O artigo continua: “São também numerosos os estudos científicos que afirmam que o excesso de exposição à televisão — e agora aos tablets e celulares — está associado a uma ampla variedade de efeitos negativos sobre a saúde, que vão desde o incremento da violência e de condutas agressivas, imagens sexuais distorcidas, problemas de atenção e aprendizagem, de imagens corporais ou nutricionais.”

O articulista analisa também um estudo do Dr. Michel Desmurguet, do Instituto Nacional de Saúde e Investigação Médica dos EUA, que escreve: “Durante os últimos anos, o tempo empregado face a várias telas, incluindo televisão, videogames, smartphones e computadores, incrementou-se dramaticamente. Numerosos estudos mostram, com notável consistência, que esta tendência tem um forte impacto negativo no desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes. As áreas afetadas incluem, em particular, resultados acadêmicos, linguagem, atenção, sono e agressividade. Cremos que este problema, habitualmente menosprezado — para não dizer negado —, deve ser considerado como um importante problema de saúde pública. Os médicos de atenção primária devem informar os pais e filhos acerca deste tema, e proporcionar uma prevenção eficaz.”[ii]

É mais fácil conter o uso do que controlar o abuso

O citado Religión en Libertad afirma em outro artigo, que “o debate sobre os efeitos da tecnologia digital nas crianças e adolescentes continua chamando a atenção de pais, educadores e peritos. O uso precoce de telefones celulares por parte das crianças, o consumo abusivo da televisão, e a introdução de tablets e outras tecnologias como método educativo nos colégios, está gerando grandes controvérsias pelas consequências que podem ter sobre os mais novos”.

Um dos preocupados com o problema é o Dr. Manfredo Spitzer [foto à esquerda], formado em medicina, psicologia e filosofia, com cátedra em psiquiatria, ademais diretor da Clínica Psiquiátrica Universitária da cidade de Ulm, na Alemanha.

Em entrevista ao jornal barcelonês “La Vanguardia”, ele afirma que “o uso desses aparelhos atrasa a maturidade das crianças e adolescentes, e impede-os de concentrar-se e aprender. O melhor para o ensino é ler, escrever, tomar notas, trabalhar com o professor: isso é tecnologia pedagógica de ponta!” “As crianças e adolescentes necessitam sobretudo de um bom educador. Toda essa tecnologia [digital] só os distrai e atrasa. É triste ver crianças zumbis com smartphone, isoladas de tudo, olhando sua tela”.

Quando usados nas aulas, esses parelhos facilitam o aprendizado? O Dr. Spitzer é taxativo: “Se você grava a aula do professor diretamente em um arquivo de computador, sua mente, eu lhe asseguro, não aprende nada, porque não estabelece conexões. Se as crianças usam Google e o que encontram não estabelece relação com o que já sabiam, tampouco nada aprendem. Necessitam de alguém que vá estruturando o que aprendem.”

O entrevistado esclarece: “Sou psiquiatra e neurocientista, e não dou opiniões, mas tenho recolhido provas durante anos sobre os efeitos da introdução da tecnologia digital nas aulas, que demonstram que prejudicam ao aprendizado.”

Esse cientista alemão é coerente com o que diz. Por isso, em sua casa não tem televisão, e seus filhos só tiveram um celular depois dos 18 anos. “La Vanguardia” objeta: “Mas o senhor não via televisão em casa, quando criança?” A resposta do cientista é categórica: “Não, nem tampouco meus filhos. E me agradecem. Enquanto cresciam, líamos juntos e comentávamos livros. Falávamos de mil coisas. Compartíamos experiências, e nos livramos de muitas horas de tele-lixo. A televisão causa obesidade, depressão, insônia…”. E conclui: “Meus filhos cresceram mais sãos e espertos sem televisão. E eu também”[iii].

A morte da conversa

Uma das consequências mais graves da adição a esses aparelhos eletrônicos em nossos dias é a morte da conversa, inclusive no interior das próprias famílias. A culpa é da televisão, ligada até na hora das refeições, quando não do celular conectado à internet. É um problema que prejudica muito, inclusive os estudantes universitários, como veremos.

Nesse sentido, Sherry Turkle, professora de Ciências Sociais e Tecnologia no Instituto Tecnológico de Massachusetts, afirma: “Nos últimos vinte anos, constatou-se uma diminuição de 40% da empatia entre estudantes universitários em todos os modos que conhecemos de medi-la. O maior descenso foi na última década, o que se atribui ao uso de dispositivos digitais. É na conversação face a face que a empatia e a intimidade nascem; pagamos um preço se deixarmos fora esta conversação: passa-se da conversação à mera conexão.”[iv] Ou seja, a um convívio mais próprio a animais.

Perguntamos: o desaparecimento da conversa e do convívio familiar entre esposo e esposa, pais e filhos, não será um dos fatores mais determinantes para o fim da família e do número assombroso de divórcios?

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