Aladim e a idade do Avô

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SmartPhone

Após despedir-se do último convidado da sua festinha de sexto aniversário, o menino sentou-se na sala com o avô, que passara a cuidar dele quando os pais se divorciaram. Ambos trabalham agora muito longe. A mãe telefonou da Europa, onde estava em férias com o amante. Encheu-o de abraços e beijos telefônicos; e para evitar o previsível choro por sua inqualificável ausência, anunciou que o Correio entregaria mais um brinquedinho reluzente. Do pai, ouvira também a voz despersonalizada e metálica de telefone. Não o via há mais de um ano, mas já recebera o presente dele. O avô viúvo lamentava essa solidão, mas pouco podia fazer. Encomendara para ele uma festinha comercializada, com quase nada de familiar.

— Vovô, quantos anos você tem?

O avô quis aproveitar a oportunidade para prolongar a conversa, e propôs:

— Olha, eu já sou bem idoso, e quero ver se você adivinha a minha idade. Eu vou falando e você vai calculando o tempo.

— Uau! Melhor do que jogo com monstrinhos. Vou esfregar o Aladim.

O avô não entendeu para que serviria o celular. Sabia que o menino costumava esfregar a “lâmpada do gênio” para ter tudo o que queria, e começou por aí:

— Quando eu nasci, não existia celular.

— Peraí. – Batucou no celular quase um minuto, e disse: Já sei, é a sua vez.

— Quando eu nasci, não havia internet, computador. Quem estava longe escrevia carta contando as novidades. A gente gostava de receber e escrever cartas longas, detalhadas, nada de mensagem curtinha de twitter. Muitos caprichavam tanto, que depois as cartas saíram em livros, são grandes obras literárias.

— Vô, pra que eles querem saber da vida dos outros?

— Bem, filhinho, quem é amigo de verdade quer saber tudo o que aconteceu.

— E o pessoal que vai ler isso nos livros? São amigos também?

— Os livros ensinam bons sentimentos, amizade, respeito aos pais.

— Acho que entendi. É a minha vez de calcular.

Terminado o batuque no smart phone, o avô prosseguiu:

— Quando nasci, quase ninguém tinha geladeira, não havia microondas.

— Chííí! Onde guardavam comida e guaraná? Como esquentavam a comida?

— Não precisava. A mamãe estava sempre em casa, fazia toda a comida no fogão, e também uns sucos saborosos. O cheirinho gostoso da comida que estava sendo preparada abria o apetite, e até iniciava o processo de digestão.

— Vô, não sei nada desse negócio de digestão, mas já dá pra calcular. Peraí.

— Calculou? Bem, a televisão já existia, mas só preto-e-branco, e só um canal.

— Nossa! Nunca vi TV preto-e-branco. Deve ser muito feio, não é?

— Cores bonitas, a gente gostava de ver na natureza, que é toda colorida. Você já viu como são bonitos os passarinhos, os rios, as montanhas?

— Uhm… Tem de andar muito pra ver isso fora da cidade. Tablet e TV é fácil, mas não tem passarinho, só monstrinho e palhaço. Agora deixa calcular.

— A gente ia pra escola a pé, não havia ônibus, poucos tinham automóvel. Todo mundo chegava na hora, sem trânsito complicado. E na volta a gente passava na casa de algum colega, a mãe dele sempre dava uma fruta, um doce. Ah! Bons tempos!

— Olha, vô, esse negócio de andar muito cansa e gasta as pernas.

— De jeito nenhum, até ajuda a conservar, fortalece os músculos, ninguém fica gorduchinho, molengão. A gente passava no riacho e nadava um pouco, isso também é bom para fortalecer os músculos.

— Vô, eu nado só no meu clube. Seu clube chama riacho?

— Não existia clube. Resolveram tampar o riacho, e ele virou esgoto.

— Acho que você é muito velho. Essas coisas que não existiam, eu estou sempre vendo. Peraí que vou calcular. Esse agora é meio demorado. … Pronto.

— As famílias eram grandes, estavam sempre juntos, brincavam juntos. Conversavam como estamos fazendo agora, a TV não atrapalhava as conversas. Passavam as férias juntos, uns ajudavam os outros. Os vizinhos eram conhecidos, e havia muitas visitas para bate-papo. Pai e mãe separados, vivendo longe dos filhos, é coisa que ninguém conhecia. E uma mulher precisava de marido para ter filhos.

— Acho que era melhor no seu tempo. Meu pai tá sempre longe, minha mãe só fala comigo quando esfrego o Aladim. Ficar juntos deve ser muito melhor.

— Não sei como consertar isso, filho. Ninguém se sacrifica pelos outros. Tudo que inventam facilita alguma coisa, mas vai tirando os melhores prazeres da vida.

— Vô, como é que pergunto essas coisas pro Aladim?

— Não sei. Calcule sem isso, e inclua também que não havia calculadora.

— Então deixa fazer as contas. Soma este mais este… mais aqueles dois… e os três lá de trás. Agora deixa ver o calendário. … Vô, quem é essa Guerra do Paraguai?

— Como!? Guerra não é uma pessoa!

— Mas o Aladim diz que você tem 149 anos e nasceu em 1865, junto com ela.

O avô lamentou a sorte desse menino, com mãe virtual que não é virtuosa; com um pai reduzido a provedor à distância; sem irmãos e primos; cheio de brinquedinhos que não ensinam de fato nem o corrigem. Está tentando educá-lo, mas receia pelo futuro dele e do mundo, onde crianças que não têm mais uma família.

— Bem, meu filho, depois eu o ajudo a corrigir uns errinhos do seu cálculo. Agora quero ensinar você a gostar de coisas muito melhores de antigamente, sem esses brinquedinhos como televisão, celular, tablete, internet…

4 COMENTÁRIOS

  1. É de fato um excelente artigo agora quanto ao fato de não ter um final feliz é para mim um dos seus méritos, isso conduz a reflexões e meditações e a uma mudança séria de comportamento.Um artigo como este pode não atender as perspectivas demasiado otimistas do homem moderno que vê na ponta de todo problema uma solução “magica”, os problemas reais não se resolvem assim!

  2. Esse texto é triste, faz-me lembrar dos meus tempos de criança, éramos felizes e não sabíamos. Não tinha esse riacho, mas tinha mãe e pai, referencias de casa, as amizades, andar a pé, de bicicleta, brincar com as outras crianças, correr.Tempos que não voltam mais.

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