O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
Estamos na Novena de Nossa Senhora de Lourdes, de maneira que poderíamos acrescentar mais uma palavra a respeito dessa devoção.
Acho que dos muitos aspectos que essa devoção tem, um me parece que tem sido insuficientemente acentuado e é o seguinte: os senhores sabem que para o Reinado de Maria, uma verdade fundamental é a Mediação Universal de Nossa Senhora. Porque para Nossa Senhora ser verdadeiramente Rainha, é preciso que possa junto a Deus tudo quanto Ela queira, pois é por esta forma que Ela governa o mundo.
Nossa Senhora – pela Sua própria natureza humana como a nossa – não tem mais poder sobre os astros, sobre os homens, do que temos. De maneira que para ter o reinado de todo o universo, para ser a Rainha de todos os Anjos, a Rainha de todos os Santos, a Rainha de todos os homens, a Rainha de todo o mundo material e dominadora terribilíssima e completa do demônio, Ela precisa ter a graça de Deus. E é exatamente enquanto ponto de convergência de todas as graças de Deus que é Rainha. A onipotência de Nossa Senhora tem sido muitas vezes e muito adequadamente chamada “onipotência suplicante”, porque é por meio da súplica que Ela faz, que pode tudo. Pois pode tudo junto dAquele que é onipotente, e por isso é Rainha. Portanto o reinado de Nossa Senhora é o reinado das súplicas que Ela faz, do valor das orações que Ela oferece.
A realeza de Nossa Senhora está numa conexão íntima com o fato de ser o canal de todas as graças. É Rainha de tudo porque todas as graças que são dadas aos homens, são concedidas por Suas mãos. Todos os pedidos que os homens fazem são apresentados por meio dEla. Se todos os santos e Anjos do Céu pedissem algo que não fosse por meio dEla não obteriam. Ela sozinha pedindo, sem nenhum deles, obtém! De tal maneira o foco da predileção divina se concentrou por inteiro nEla. E parte depois para toda a criação. Há, portanto, uma espécie de correlação íntima entre uma coisa e outra.
As aparições de Lourdes são as mais célebres de uma série de outras aparições de Nossa Senhora no século XIX. Tais aparições culminam com Fátima (em 1917), com a afirmação do Reinado de Maria. As de Lourdes são como que – em meio às densas trevas atuais – pontos alvos anunciando que o Reino de Maria virá, constituem uma clarinada do Reino de Maria.
Em Lourdes, mas também em cada uma dessas aparições, seria muito interessante estudar a presença da idéia da Mediação Universal das graças e do Reinado de Maria. Especialmente em Lourdes, isto se pode dizer sob um título: Nosso Senhor poderia ter dado essa fecundidade estupenda de milagres a um santuário dEle…
Na França, por exemplo, há um santuário magnífico consagrando uma devoção estupenda a Ele, que é o de Paray-le-Monial, onde Nosso Senhor fez suas revelações a Santa Margarida Maria Alacoque. Ele poderia perfeitamente fazer com que esses milagres ocorressem lá e em todos os outros santuários consagrados a Ele. Porém Nosso Senhor quis que a maior fonte de milagres que houve na História se desse num dedicado a Nossa Senhora. Em outras palavras, que aquelas curas todas só fossem obtidas sob a égide de Nossa Senhora, depois de uma aparição de Nossa Senhora, como uma graça de Nossa Senhora e mediante um pedido feito a Nossa Senhora. Ou seja, Ele quis que todas essas curas estupendas passassem pelas mãos dEla.
Para que? Evidentemente para documentar a verdade de fé da Mediação Universal; para os homens compreenderem bem até que ponto Ela pode tudo. As piores doenças, os maiores males, os sofrimentos mais horrorosos Ela cura; toma as leis mais inflexíveis da natureza e as elimina. Ela vence tudo! Uma pessoa que vê sem nervo ótico… Isso é um tal domínio de Nossa Senhora sobre a natureza, como mais não se pode imaginar! Isto tudo é feito por meio dEla. Por que? Para mostrar que todas as graças vêm por Sua intercessão. E a presença de todas as graças nas mãos dEla para serem distribuídas, por sua vez, significa que Ela é a Rainha do Céu e da Terra. E por Ela passa tudo.
Lembro-me de uma cançãozinha religiosa, que se cantava no meu tempo (de moço) em que havia um resto de piedade, e que dizia: “Salve, ó Mãe! Salve, ó Virgem Santíssima! Do universo portento e primor; mais esplêndida glória que a Tua, só tem Deus, do universo Senhor.” É piedosa a canção e realmente a conclusão é esta: mais esplêndida glória que a Tua só tem Deus, do universo Senhor.
Quer dizer, Nossa Senhora está infinitamente abaixo de Deus. E tudo quanto está abaixo de Nossa Senhora está incomensuravelmente abaixo dEla. É o que a perenidade das curas de Lourdes nos significa.
Há uma certa religiosidade um pouco dada a graças materiais, a pedir favores materiais, que desdenha os favores espirituais e que se impressiona muito com as graças [materiais] de Lourdes. Há quem não compreenda que os favores materiais que Deus dá são de fato favores e que se deve pedir. Mas que só são verdadeiramente favores na medida em que levam a alma a desejar os favores espirituais, as graças para a alma. É por aí que verdadeiramente Deus atrai as almas para Ele, porque todos os favores tem este [fim].
Não se pense que a cura de Lourdes é só porque Nossa Senhora tem pena, por exemplo, do homem que é coxo, de quem Ela tem pena e gosto em curá-lo, é claro. Porém muito mais do que isto Nossa Senhora quer lhe fazer um bem à sua alma, servindo-Se para isto de um milagre físico, mas que também é benfazejo aos que vêem ou sabem de tal prodígio realizado. No caso, o bem que está em vista é se ter uma grande fé na verdade de que Ela é a medianeira de todas as graças.
Digo isto porque tivemos ontem (dia 3 de fevereiro) a cerimônia das velas de São Braz. Eu estava vendo aquele mundo de gente que vai lá para se proteger contra a dor de garganta. É claro que Nossa Senhora ama, preza de nos livrar de um mal de garganta, nos casos em que esse mal não nos conduza para a salvação. Porque às vezes uma dor de garganta, coisas piores do que isto, às vezes muita doença faz muito bem para muita gente. Se não houvesse doença na terra, o inferno estaria muitíssimo mais cheio do que está. Não é muito não, é muitíssimo mais cheio do que está! Portanto não é qualquer doença que Nossa Senhora cura.
Mas quando é o caso de curar, Ela o faz com gosto e amor materno. Mas cura para que? Para fazer sentir às pessoas Sua bondade. E para lhes estimular o desejo de se curarem dos males, das doenças da alma, para adquirirem sobretudo os bens espirituais.
Essas são as considerações que na novena de Nossa Senhora de Lourdes eu podia fazer.
- Extratos de uma conferência para sócios e cooperadores da TFP em 04 de fevereiro de 1965.