O primeiro rei da França foi Clóvis, rei dos francos e esposo da princesa da Burgúndia, Santa Clotilde. São Remígio, bispo de Reims, celebrou missa com a catedral toda ornada.
Muito bonita para os gostos talvez um pouco bárbaros do tempo mas, enfim, a catedral estava toda ornada.
Quando o bispo entrou com o rei, Clóvis achou a igreja tão bonita que perguntou a São Remígio: “Meu pai, este é o reino dos céus?”
Conta a tradição que enquanto São Remígio sagrava Clóvis, apareceu uma pomba trazendo no bico um frasco de cristal com o óleo com o qual Clóvis deveria ser ungido.
Desde então, sistematicamente, todos os reis da França até Carlos X foram ungidos com esse óleo.
Foi um milagre de Deus fazendo uma pomba romper o “muro” invisível que separa a esfera sobrenatural da natural, e receber de um anjo esse frasco. E vir para que um santo, São Remígio, fizesse a sagração do primeiro rei.
A idéia é de conferir algo de sagrado ao pináculo da ordem temporal que é o rei. De maneira que as duas ordens ‒ a espiritual e a temporal ‒ se tocam sem se confundirem nem se nivelarem.
A ordem temporal quando ela se põe no ápice de si mesma ela toca com o dedo no teto que é a ordem espiritual. E forma a bela continuidade das obras de Deus.
A unção conferida aos reis da França pelo bispo de Reims, sucessores de São Remígio, era um sacramental que dava aos reis da França uma qualidade participativa da ordem espiritual.
Havia antigamente uma doença da pele chamada escrofulose. É um nome horrendo para um mal horrendo também que produz na pele umas úlceras purulentas chamadas de escrófulas.
Essa doença era muito freqüente antigamente pela falta de remédios.
Até a queda da monarquia, quando terminava a coroação dentro da catedral com esplendor magnífico, com a flor da nobreza e todo o episcopado presente, os sinos da catedral de Reims revoavam fazendo ouvir em todos as redondezas a alegria da Igreja e da nação porque lhe tinha sido dado um novo rei.
Do lado de fora da igreja, um espetáculo doloroso e aflitivo se acumulava: eram os escrufulosos da França inteira que tinham ouvido falar que iria ser coroado um novo rei.
E acreditava-se pela tradição que quando o rei saísse da igreja de dentro daquele esplendor supremo e tocasse um por um os doentes dizendo: “Le roi te touche, Dieu te guérisse” (“o rei toca em ti e Deus te cure”, ele operava numerosas curas.
Podemos imaginar os pobres coitados que ficavam livres da doença como ficariam alegres. Era uma cena que quase repetia a alegria daqueles que foram curados por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Assim eram os lampejos de aparentes contradições formosíssimas em que se compraz a Igreja e o espírito católico.
De um lado esplendor, riqueza, luxo e poder difíceis de imaginar. Do lado de fora, colada na porta, uma miséria de fazer a gente chorar.
Mas, entre uma coisa e outra não há a infame luta de classes imaginada por Marx. Na ordem católica há colaboração das classes.
O rei é o pai dos pobres e por causa disso ele sai e com sua mão que acaba de ser ungida, ele toca a escrófula asquerosa de cada doente, e diz a fórmula: “o rei toca em ti ‒ ele não dizia que o rei te cura, mas ‒ Deus te cure.”
Como é bonito ver a majestade real curvar-se com afeto sobre cada filho escrufuloso e obter do Céu que pelo intermédio dessa mão que acaba de ser sagrada, a graça de Deus cure aquele pobre coitado.
Pobres e ricos, grandes e pequenos, ficavam unidos sem serem confundidos numa cerimônia dessa natureza.
(Fonte: Plinio Corrêa de Oliveira, 5/10/94. Sem revisão do autor)