A minha curiosidade tornou-se mais intensa quando, convidado recentemente por um velho amigo, almoçava numa churrascaria de Campos (RJ), e vi entrar uns 10 jovens, moços e moças entre 15 e 18 anos. Ocuparam uma mesa, fizeram rapidamente seus pedidos, e também rapidamente o garçom trouxe como bebida a quase todos, para minha surpresa, apenas Coca-Cola. Educados, conversaram tranqüilamente e se foram, tendo comido muito pouco.
Qual a razão dessa preferência praticamente uniforme da juventude atual pela Coca-Cola? Como passaram a gostar dela? No que reside sua atração?
Pessoalmente indaguei a vários jovens, de diferentes países, a respeito de sua predileção pela Coca-Cola. Uma minoria disse ter tomado gosto por ela desde que a provaram pela primeira vez. A maioria respondeu decididamente tê-la estranhado inicialmente, vindo a apreciá-la apenas paulatinamente. “Todos a tomam, ela é servida em toda parte, passei assim a fazer como todo mundo. Olha, o fato é que tomamos; se é gostosa, é preciso pensar”. As respostas foram sem entusiasmo, próprias a quem não gosta de pensar no assunto.
Um grupo me disse não tolerar as imitações. Só tomam o que chamam Coca-Cola original. Recusam a Coca-Cola light e a Coca-Cola Zero. O sabor da Coca-Cola original é muito preciso, o que os leva a rejeitar imitações. Estas são consideradas intoleráveis, pois a Coca-Cola original é única. Seu gosto não evoca nenhum outro. Entretanto, diversos sabores podem ser relacionados com a Coca-Cola. Poucos acham que, no referente ao paladar, ela lembra o caramelo ou o adoçante artificial. É de difícil definição, dizem. Dou-lhes razão: a Coca-Cola tem como sabor mais característico um ponto preciso, sendo toda variação percebida. Mas esse ponto é indefinível.
“Por vezes notamos um sabor de limão ou de baunilha. Talvez de canela. Limão, baunilha e canela químicos, bem entendido. Não sentimos nela frescor de sabores, que se deslocam parcialmente, meio sem rumo, complicado de definir. Enigmático, às vezes evocando sumo de laranja, outras vezes açúcar queimado”. Perguntei-me se haveria uma evolução no sabor, cuja atração está primordialmente em não analisá-lo, pois é difícil “pegar” um ponto preciso em evolução. Prefere-se não pensar –– deixaram entender. A percepção do gás e do açúcar são as sensações primordiais: o açúcar é acomodante, e a forte gaseificação excita o ânimo. Essa diversidade de percepções os anima, domina as sensações, e o pensamento se distancia. Quanto aos sabores subjacentes… um excesso de análise traz a perda do gosto.
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Há no Brasil, nas últimas décadas, uma valorização do vinho, e até mesmo clubes de degustação que se reúnem ora em iates de luxo, ora em caçadas ou hotéis suntuosos. Aprofundou-se muito o conhecimento do vinho em nosso País, o que fala em favor da elevação de nossa cultura. Causa-me pasmo, entretanto, a indiferença com que especialistas em vinhos bebericam Coca-Cola fora das reuniões de clube. Diante da Coca-Cola, sua crítica cessa.
A preferência pela Coca-Cola quebrou um padrão cultural de degustação. À mesa ou no salão, é praxe anunciar que o vinho servido é francês, ou do Reno, do Rio Grande do Sul ou chileno. Quanto à cerveja, interessa saber se ela é importada, se sua origem é alemã ou belga, se é clara ou escura; sendo nacional, o anúncio é de menor rigor.
A cor de uma bebida é sempre uma atração, senão indispensável introdução cromática à sua degustação: o rubi de um vinho prenuncia particulares delectações; os reflexos esverdeados do champanhe falam de sua vinificação; os matizes dourados da cerveja clara, o cristalino ou o âmbar de uma aguardente sugerem qualidade ou sua idade. Entretanto, o marrom turvo da Coca-Cola não traz à imaginação sugestões de uma qualidade apurada.
De acordo com a apreciação de Plinio Corrêa de Oliveira, a cor do chopp “é muito bonita, não há dúvida; mas se ela fosse carregada de um dourado mais consistente… Falta-lhe um pouco de ouro. De outro lado, o chopp é uma linda morada para a luz. A que entra nele e permanece é mais bela do que a que existe dentro da água. Não é dizer pouco, porque a água, sob certo ponto de vista, seria a morada ideal da luz. Mas o chopp pode tornar-se uma morada mais bela” (Cfr. A inocência primeva e a contemplação sacral do universo, edição do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, Artpress, S. Paulo, 2008, p. 302).
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Pode-se dizer da Coca-Cola o que a socióloga norte-americana Mary Gay Humphreys afirmou da água gaseificada (soda), antecessora da Coca-Cola em popularidade. Ela é portadora de um cunho democrático, pois tanto o milionário com seu champanhe, como o burguês com sua cerveja, ou o operário com sua aguardente, todos tomam Coca-Cola (Tom Standage, Sechs Getränke, die die Welt bewegten, Patmos Verlag, Düsseldorf/Zürich, 2006, p. 219).
Entre os jovens inquiridos, um havia tomado tanta Coca-Cola que perdera o esmalte dos dentes: foi quando ficou sabendo que ela serve também como desentupidora de canos… “Deve-se evitar bebê-la com o estômago vazio”, disse-me. “Alguns a tomam em pequenas quantidades, para não enjoar”, afirmou outro. Ambos estão de acordo em que ela pode levar ao vício, “como o cigarro”. Talvez por essa razão, junto às novas gerações a Coca-Cola vem sendo substituída pelas novas bebidas energéticas. Antes dos exames universitários, na hora de estudar arduamente, todos preferem café ou chá.
À minha pergunta se eles associam a Coca-Cola preferencialmente ao sexo masculino, foram taxativos em caracterizá-la como afim com ambos os sexos, sem pender para a psicologia feminina ou masculina, embora nos jantares de certa formalidade as moças hesitem em pedir Coca-Cola.
A minoria acha a garrafa muito atraente, a tampinha e aquelas letras vagamente góticas dão confiança, parecem sorrir para o freguês.
A Coca-Cola foi criada em 1886 em Atlanta, Geórgia (EUA), pelo farmacêutico John Pemberton. Ele procurava um elixir que curasse dor de estômago, males do fígado e doenças da pele. As ciências químicas acabavam de conhecer melhor os efeitos “milagrosos” da folha de coca, chamada pelos incas de “planta divina”: ela acelerava as funções musculares e cerebrais. Ao mesmo tempo eram mais bem conhecidas as virtudes estimulantes da cola, uma noz encontrada na África Ocidental — no Senegal e em Angola. Em 1886 o “Atlanta Journal” assim anunciava as virtudes da Coca-Cola: “Deliciosa! Refrescante! Estimulante! Fortificante!”. Nessa época surgiu o logotipo da bebida: os dois CC faziam bom efeito publicitário. A venda aumentava dia a dia e o negócio andava bem, quando John Perbentom morreu. De câncer no estômago…
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Antes da Segunda Guerra Mundial, a venda de Coca-Cola já atingia todos os estados norte-americanos. Seu sucesso era tão grande, que o novo elixir identificou-se com o espírito norte-americano. Quando, em razão do conflito mundial, o açúcar foi racionado no país, as autoridades decretaram que as fábricas de Coca-Cola não sofreriam nenhum corte, pois ela se incluía entre os produtos vitais da guerra. Era enviada aos soldados americanos lutando na Europa, a fim de fazê-los sentir-se em casa (Foto). Setores do exército consideravam a entrega de Coca-Cola tão importante quanto a assistência mecânica de manutenção de aviões e carros de combate. Entre as fileiras de soldados, o pessoal da Coca-Cola gozava do status especial de observadores técnicos. Eram conhecidos como coronéis coca-cola. A palavra secreta para os batalhões que atravessaram o Reno, ocupando o território inimigo, era “Coca-Cola”. Distribuída regularmente para os marinheiros, ela foi assim levada não só à Europa, mas também às regiões mais distantes, como a Polinésia e a Zululândia.
Tendo lutado contra o nazifascismo na guerra, e se oposto ao comunismo soviético no pós-guerra, os Estados Unidos eram vistos como os paladinos “do capitalismo, da democracia e da liberdade”. E um dos seus símbolos era a Coca-Cola. Stalin a proibia na União Soviética; os comunistas franceses diziam rejeitar a “coca-colonização” norte-americana, propondo sua proibição legal, pois “ela envenenava a população”. O jornal “Le Monde”, de Paris, achava que a Coca-Cola “punha em jogo a constituição moral da França”. Os comunistas austríacos denunciavam as fábricas de Coca-Cola como capazes de produzir bombas atômicas a qualquer momento, e os marxistas italianos diziam que as crianças, bebendo-a, ficavam de cabelos brancos…
Despeito comunista: eles, que sempre depositaram na propaganda e no dinheiro sua esperança de conquista da opinião, não foram capazes de criar símbolos convincentes, propagadores de suas concepções.
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Um dos jovens, diante de tantas perguntas, me disse: “A Coca-Cola é mesmo envolta em enigmas. Aliada do capitalismo, ela é entretanto a bebida das massas; símbolo da liberdade, ela é hoje para os jovens (e não só eles, diria eu) um refrigerante compulsório; se comparada ao vinho ou à cerveja, ela nos deixa na indefinição e na falta de rumos”. Fez uma pausa, e continuou: “Mais ou menos como a vida que muitos levam”. Foi então que ele me narrou o diálogo entre um jovem e um garçom, presenciado num restaurante de São Paulo:
— E para beber? Um refrigerante, uma cerveja?
— Não. Nada. Uma Coca-Cola, talvez.
Artigo público anteriormente na revista Catolicismo em maio de 2009