Acontecimento capital do século XX, com efeitos até na sociedade temporal, o Concílio Vaticano II tem suscitado inúmeras discussões nos planos doutrinário e pastoral — opondo as chamadas hermenêuticas da ruptura e da continuidade ainda não dirimidas e atraindo a atenção de estudiosos e pesquisadores.
No plano histórico ocupou-se do tema o renomado escritor italiano Roberto de Mattei — professor de História da Igreja e do Cristianismo na Universidade Europeia de Roma —, que em 2010 publicou o livro O Concílio Vaticano II – uma história nunca escrita, no qual deslinda os bastidores daquela grande assembleia. Baseado em documentos, arquivos, diários, correspondências e testemunhos de seus protagonistas, ele faz uma rigorosa reconstituição do Concílio em suas raízes, desenvolvimento e consequências. A obra, logo traduzida para as principais línguas do Ocidente, teve grande repercussão na Europa, valendo ao autor o Acqui Storia 2011 — o mais prestigioso prêmio italiano para livros históricos.
No Brasil, o assunto vem também tomando corpo. Visando proporcionar ao nosso público a oportunidade de conhecer de perto as conclusões do Prof. de Mattei, o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira promoveu sua vinda a São Paulo no último mês de dezembro, para falar sobre o tema. Entidades afins organizaram palestras nas cidades do Rio de Janeiro, Recife e Brasília. As conferências do historiador italiano nessas cidades coincidiram com o lançamento da edição brasileira de seu livro, bem como a de seu novo título Apologia da Tradição, escrito em resposta às críticas de caráter doutrinário, e não histórico, apresentadas por seus objetores.
Auditórios lotados, público atento e consonante, perguntas numerosas a ponto de não ser possível respondê-las todas, longas filas para autógrafos e demorada conversa final, eis tudo quanto um autor pode desejar para o êxito de uma tournée. Pois essas características sobejaram nos quatro eventos aqui preparados para o Prof. de Mattei. Em todos eles, a nota distintiva e comum foi o grande interesse despertado em um público predominantemente jovem, bem- informado e com definições acerca do tema versado. Integrantes ou não de associações ou grupos, os assistentes acompanhavam com a maior atenção, durante a exposição de mais de uma hora, os sucessivos aspectos abordados pelo autor, acompanhamento traduzido depois em perguntas reveladoras de horizonte e profundidade de espírito, respondidas pelo conferencista em sentenças breves e por vezes brilhantes, sempre com acuidade e amplo domínio da matéria.
No Rio de Janeiro, a conferência/lançamento realizou-se no salão nobre do Hotel Windsor Florida, no Flamengo, tendo como promotores as entidades Juventude pela Vida, Instituto Vera Fides, Fratres in Unun e Ação Jovem pela Terra de Santa Cruz, cujos dirigentes ocuparam lugar à mesa. A sessão foi aberta com uma oração do Abade Emérito de São Bento, Dom José Palmerio Mendes, e realizou-se sob a presidência de honra do Príncipe Dom Antônio de Orleans e Bragança. No momento previsto para o início — 16 horas — 170 participantes lotavam o salão, e passadas as 20 horas ainda numeroso público se entretinha em conversa no cocktail de encerramento.
No Recife promoveu a sessão, em sua sede própria, o Círculo Católico de Pernambuco, entidade centenária com vasta atuação e influência no pensamento católico da sociedade pernambucana. O blog Deus lo vult, muito popular entre os jovens, contribuiu para atrair um bom número de participantes. Muito aplaudidas foram as referências do palestrante às atitudes corajosas de dois arcebispos da cidade, Dom Vital e Dom José Cardoso Sobrinho. Entre os 120 presentes havia diversos sacerdotes e pessoas de escol do meio pernambucano.
Na Capital Federal houve o lançamento da edição brasileira do mencionado livro do Prof. de Mattei sobre o Concílio Vaticano II, bem como de um complemento deste, Apologia da Tradição, primorosamente realizados pela Ambientes & Costumes Editora. O evento se realizou no anfiteatro da Livraria Cultura do Shopping Iguatemi e contou com 180 participantes, muitos deles seguidores do site Nos Passos de Maria, inclusive muitos sacerdotes, seminaristas e professores universitários. Foi necessário retardar o fechamento da livraria para que o autor pudesse conceder todos os autógrafos solicitados.
Em São Paulo, coube ao Instituto Plinio Corrêa de Oliveira organizar a sessão, como de hábito no auditório do Club Homs, na Avenida Paulista. Para acolher os 380 presentes foram necessários sucessivos acréscimos de cadeiras, bem como a instalação de um telão no salão anexo. O Dr. Adolpho Lindenberg, presidente do Instituto, saudou o Prof. de Mattei, cabendo ao Príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança o agradecimento e as palavras finais, em que ele destacou a identidade de pensamento e de atuação do ilustre visitante com a entidade. Foi uma sessão brilhante, que encerrou verdadeiramente com “chave de ouro” o programa de palestras do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira de 2013; nos três anos completos que leva já esse calendário, nenhuma outra foi tão concorrida nem despertou tanto interesse e afinidade.
Nas quatro ocasiões acima relatadas, Prof. Roberto de Mattei leu, num português muito claro, o texto de 11 laudas de sua conferência. As perguntas lhe foram apresentadas também em português, sendo respondidas em italiano com tradução simultânea. A todos ele impressionou pela ciência histórica e enfoque nas questões cruciais, bem como pela gentileza no trato. Destacamos a seguir tópicos de seu pronunciamento.
Registrando a novidade da fixação do caráter “pastoral” do Concílio Vaticano II, afirma: “A dimensão pastoral, em si mesma acidental e secundária relativamente à dimensão doutrinal, acabou por se tornar prioritária, introduzindo uma revolução na linguagem e na mentalidade”.
E passando à questão central: “Há uma pergunta que ainda hoje não tem resposta: por que foi que a solene assembleia dos Padres conciliares, reunidos em Roma para tratar das relações entre a Igreja e o mundo moderno, ignorou o fenômeno mais colossal e evidente da sua era, o imperialismo comunista?”.
O orador aponta para o cerne do embate: “A história é feita de minorias, e também no Concílio Vaticano II se assistiu à confrontação de duas minorias: uma conservadora e outra progressista. Entre elas havia essa massa hesitante, que era o Terceiro Partido“.
Ele dá os nomes. De um lado, “o Cardeal Suenens e D. Hélder Câmara, um dos motores ‘ocultos’ da assembleia conciliar”; de outro lado, “o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, verdadeiro animador da resistência conservadora no Concílio, que conseguiu perceber o que estava se passando graças à sua teologia contra-revolucionária da história”.
E conclui: “A vida da Igreja jamais foi tranquila. Em si mesma, a Igreja Católica é ontologicamente santa e imaculada, mas ao longo da história teve de lutar sem cessar para conservar a pureza da sua doutrina e dos seus costumes contra inimigos externos e internos que a foram agredindo”. Invocando as palavras de Santa Teresa de Ávila, encerrou sua brilhante palestra: “Nada te perturbe, nada te espante, quem a Deus tem, nada lhe falta; tudo passa, só Deus não muda”.
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Nota: Aqueles que desejarem ouvir a conferência do Prof. Roberto de Mattei, realizada na capital paulista, sua gravação encontra-se disponível no site do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira: https://ipco.org.br/