Comparar é um dos melhores meios de analisar. Se queremos pois analisar nossa época, é legítimo que a comparemos. E com o que? Com o futuro, ainda incógnito, é impossível, pois objetos desconhecidos não podem servir de termo de comparação. Logo, a comparação só pode ser com o passado. Uma das mais notáveis utilidades da História consiste precisamente nisto: apresentar-nos uma fiel imagem do passado, a fim de que melhor conheçamos o presente. E fazer tal comparação não é ser saudosista. É ser claro, prático, direto no nobre exercício de espírito que é a análise.
Confrontemos pois dois grupos de habitações populares, um de uma aldeia tradicional na Inglaterra, Warwick, e outro em um bairro moderno [da cidade de Manaus, o conjunto residencial Manoa II].
As habitações populares atuais, parecidas com as que existem em tantas e tantas cidades modernas, no mundo inteiro, constituem um grupo de 3.500 residências de concreto, com cinco quartos cada. Que tesouros de técnica e ciência em tudo isto! O concreto é um material de construção resultante de uma longa evolução prática e científica. Em cada uma destas vivendas, a ciência tornou possíveis as vantagens da água corrente, da luz elétrica, do gás, o passatempo do rádio e da televisão, o conforto do telefone. Deste ponto de vista, que imensa transformação em confronto com as casas antigas de Warwick, as deficiências higiênicas, as dificuldades de vida, e sob alguns pontos de vista o desconforto físico que nelas sentiria por certo qualquer habitante de cidade contemporânea!
Entretanto, de outro lado, que desconforto psíquico nestas moradias modernas, com sua estandardização desumana, a monotonia e a severidade de suas massas retangulares e sombrias, que fazem de cada vivenda uma carranca, que desabrigo atrás das paredes destas casas, abertas a todos os olhos, a todos os ruídos, quiçá a todos os ventos!
Compare-se a esta frieza de linhas e de substância – nada mais “frio” que o cimento – o recolhimento, o aconchego, a harmonia das casas velhas de Warwick, cada uma das quais parece considerar o transeunte com um plácido sorriso impregnado de bonomia familiar, e conter em si o calor de uma vida doméstica animada e rica em valores morais. Casas simples, despretensiosas, e agradáveis de se ver, imagem da própria existência quotidiana de seus habitantes. Casas obedecendo a um mesmo estilo, mas tendo cada uma sua nota de originalidade, discreta e vivaz.
Aproximados os termos da comparação, a conclusão é lógica. Quanto ao conforto do corpo, podemos estar mais bem servidos com as residências do tipo moderno – pelo menos quando têm cinco bons quartos como estas. Mas do ponto de vista do conforto da alma, quanto perdemos!
Seria possível harmonizar num estilo novo ambos os confortos, da alma e do corpo? O estilo é muito menos produto de um homem, ou de uma equipe de homens, do que de uma sociedade, uma época, uma civilização.
Não cremos que este estilo apareça sem que previamente o mundo de hoje se tenha recristianizado. E é para preparar este mundo novo fundamentalmente católico, que olhamos com amor estas lembranças do passado cristão de nossa civilização.
- Publicado originalmente na revista “Catolicismo” Nº 46 – Outubro de 1954 na seção Ambientes, Costumes e Civilizações
Se eu fosse uma abelha, morando em uma colméia, ou um pombo, morando em um pombal, eu estaria mais feliz e confortável do que naquelas “cabanas” moderninhas….