A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de“Catolicismo”, em abril de 1959.
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É um costume comum festejar-se o aniversário das pessoas. A razão disso está em que o aniversário da pessoa representa o momento em que a pessoa entrou na cena dessa vida, e o momento em que o ambiente em que essa pessoa é destinada a viver se enriquece com mais uma presença.
Em princípio, todo nascimento é um favor, é uma graça de Deus, é um enriquecimento para a sociedade humana, porque todo homem tem um grande valor.
Ainda que ele seja concebido em pecado original, ainda que a natureza humana seja inferior à natureza angélica, ainda que o homem, além do pecado original, traga algum vício moral existente na família, cada homem é uma criatura de grande valor. Cada criatura que aparece na Terra representa um enriquecimento altamente ponderável para essa obra de Deus em seu conjunto, que é a humanidade.
Assim, quando se festeja o aniversário de uma pessoa, festeja-se a entrada de alguém no mundo, se festeja a entrada daquele na cena do mundo com tudo quanto ele trouxe e que lhe é característico de luz primordial, de virtudes que deverá realizar, de riquezas de alma que tem dentro de si. E até mesmo o pecado original, com os defeitos que a pessoa leva dentro de si, como coisa a ser vencida e combatida, como aumento de glória, representa também algo no nascimento da pessoa e no enriquecimento em relação à humanidade.
Concebida sem pecado, com todas as riquezas naturais próprias à condição feminina e cheia de Graças: predicados de Nossa Senhora
Nestas condições, a festa da Natividade de Nossa Senhora leva-nos a perguntar qual o enriquecimento que Ela trouxe para a humanidade e a que título especial a humanidade deve festejar seu nascimento. Se nos colocarmos nessa perspectiva quase não se sabe o que dizer. Porque na ordem da natureza, Nossa Senhora foi concebida sem pecado original.
Assim Ela, [única no] mundo desde o pecado original, isenta de todas as manchas, um lírio incomparável na formosura do gênero humano, algo, portanto, que deveria dar alegria à terra inteira e a todos os coros angélicos. Apareceu nesse exílio, no meio dessa humanidade, uma criatura sem pecado original.
Mas acontece que, além disso, Nossa Senhora trazia consigo todas as riquezas naturais que dentro de uma mulher possam caber. Nosso Senhor deu a Ela, segundo a ordem da natureza, uma personalidade riquíssima, preciosíssima, valiosíssima e, a esse título, a presença dEla entre os homens representava outro tesouro verdadeiramente incalculável.
Mas, se a tudo isso juntarmos os tesouros das graças que vinham com Ela, que Ela tinha consigo e que são as maiores graças que Deus Nosso Senhor tenha concedido a alguém, graças verdadeiramente incomensuráveis, compreendemos então o que representa a entrada de Nossa Senhora no mundo.
O nascer do sol é uma realidade pálida em relação à entrada de Nossa Senhora no mundo. Todos os fenômenos mais grandiosos da natureza que representem algo de precioso, algo de inestimável, nada são em comparação disso. A entrada mais solene que se possa imaginar de um rei ou de uma rainha no seu reino, não é nada em comparação disso.
A alegria de todos os Anjos do Céu, a alegria talvez de muitas almas justas que tenham ficado cientes desse fato, talvez sentimentos confusos de alegria espalhados por aqui e por lá nas almas boas, tudo isso deve ter saudado o momento bendito em que Nossa Senhora entrou no mundo.
Há uma frase de Jó, que eu gosto muito de citar e que me parece adequada para isso: “Bendito o dia que me viu nascer, benditas as estrelas que me viram pequenino, bendito o momento em que minha mãe disse: nasceu um varão”.
Também se poderia dizer: “Bendito o dia em que viu Nossa Senhora nascer, benditas as estrelas que brilharam sobre Nossa Senhora quando pequenina, bendito o momento em que os pais de Nossa Senhora verificaram que tinha nascido a criatura virginal que era chamada a ser a Mãe do Salvador”!
O nascimento de Nossa Senhora num mundo imerso no paganismo e as irrupções da ação dEla na alma dos fiéis nos períodos de provação
A Natividade de Nossa Senhora nos traz outro pensamento. O mundo estava prostrado no paganismo. A situação do mundo naquele tempo era parecida com a do mundo de hoje; todos os vícios imperavam, todas as formas de idolatria tinham dominado a terra, a abominação tinha penetrado na própria religião judaica, que era o prenúncio da religião católica; o mal e o demônio venciam inteiramente.
Mas, no momento decretado por Deus em sua misericórdia, Ele arrebenta a muralha, começa a derrocada da ordem do demônio quando menos se podia imaginar, faz nascer Nossa Senhora e, com o nascimento de Nossa Senhora que era a raiz bendita de onde nasceria Nosso Senhor, começava a obra de derrocamento do demônio.
Quantas vezes não se passa coisa semelhante na vida espiritual do católico! Quantas vezes a alma deste, daquele, daquele outro, está em luta, está com problemas, contorcendo e revolvendo-se em dificuldades! A pobre alma nem se dá idéia de quando virá o dia bendito em que uma grande graça, um grande favor irá acabar com seus tormentos, com suas lutas e, afinal de contas, proporcionar-lhe um grande progresso na vida espiritual.
Há aqui o nascimento, num sentido especial da palavra, das irrupções de Nossa Senhora na alma do fiel. E que na noite das maiores dificuldades, das maiores trevas, de repente Nossa Senhora aparece e começa a quebrar as dificuldades com que ele se defronta.
Ela aparece como uma aurora em sua vida e começa a representar algo de novo em sua vida espiritual, que ele nem conhecia.
Há outra consideração também: Nossa Senhora parece tão ausente!
O mundo de hoje é tão parecido com o mundo daquele tempo que, se levarmos em conta que de um momento para o outro Nossa Senhora pode começar a agir, pode tornar sua atividade mais constante, mais contínua, mais intensa do que tem sido até aqui para a restauração de seu Reino, podem começar a acontecer fatos extraordinários que façam sentir sua presença, aí teremos mais uma irrupção de Nossa Senhora no mundo.
E essa irrupção poderia se fazer através do nosso Movimento com tudo quanto ele tem de humanamente pobre, de humanamente fraco. Mas que, como David, pela fé, pela dedicação e pelo uso das táticas da RCR, poderia derrubar e esmagar o gigante da Revolução(2). Uma ação assim seria uma irrupção de Nossa Senhora na História do mundo, uma manifestação do desejo de Nossa Senhora de vencer. As muralhas que temos derrubado, as graças de que, embora indignos, temos sido canais, não podem representar senão a manifestação da vontade do Imaculado Coração de Maria de implantar seu Reino.
Então, tudo isso nos deve dar muita alegria e muita esperança, com a certeza de que Nossa Senhora nunca abandona seus filhos, e que mesmo nas ocasiões mais difíceis Ela os visita, sua presença como que irrompe entre eles, resolve seus problemas, cura suas dores, dá-lhes a combatividade e a coragem necessárias para cumprirem seu dever até o fim, por mais árduo que seja.
Devemos pedir para haver uma irrupção de Nossa Senhora nos dia de hoje
Um prelado conversava comigo ontem dizendo que sustenta uma tese, para a qual ele até pretende recolher material, que é a seguinte:
Há elementos históricos para dizer que todas as grandes almas que lutaram contra os hereges, os grandes martelos das heresias aparecidos através dos séculos, têm sido escolhidos especialmente por Nossa Senhora, pessoalmente por Nossa Senhora.
A suscitação dessas almas realmente lembra algo de muito bonito existente no brasão dos padres do Imaculado Coração de Maria! Coração de Nossa Senhora e no alto do brasão, São Miguel Arcanjo, e depois essas palavras: “Os filhos dEla se levantaram e a proclamaram Bem-aventurada”.
Essa presença de guerreiros espirituais que, como soldados de São Miguel Arcanjo, armados com o gládio da Fé se levantam para combater o adversário, proclamando o Coração de Maria bem-aventurado, isto não seria também uma irrupção de Nossa Senhora na História?
Eu acreditaria que fosse. E devemos pedir que venham esses guerreiros indomáveis, de um ódio implacável ao demônio e aos seus sequazes, à Revolução e às suas obras, desejosos de liquidar – segundo a Lei de Deus e dos homens – a Revolução! Desse ódio à Revolução é que devem estar cheios os corações daqueles que amam realmente Nossa Senhora.
Vamos pedir a Nossa Senhora essa graça especial: que haja uma irrupção dEla no mundo de hoje, almas armadas de espírito de luta legal e doutrinária, de espírito implacável de hostilidade à Revolução satânica, para humilhá-la, para restabelecer definitivamente a glória da Igreja, tão conspurcada pela Revolução neste momento.
De maneira tal que, quando morrerem, se possa colocar na sepultura de cada um deles, esta expressão: Este foi um filho dEla, que se levantou e a proclamou Bem-aventurada nessa época de apostasia, de humilhação e desfalecimento da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.
Nossa Senhora teve o uso da razão desde o primeiro instante de seu ser e já neste momento começou a influir no destino da humanidade
A festa da Natividade está para Nossa Senhora como o Natal para Nosso Senhor. Assim como a festa do Natal celebra o momento bendito em que Nosso Senhor entrou no mundo e começou a fazer visivelmente parte da sociedade humana, a festa da Natividade celebra o momento em que Nossa Senhora entrou no mundo e começou a fazer parte da sociedade humana.
Os senhores me dirão: “Mas o que representa para a sociedade humana a entrada de um bebê nessa sociedade? Uma criança que não tem o uso da palavra, o uso da razão, uma criança que, afinal de contas, não pesa no convívio dos homens…”
Com Nossa Senhora isto não houve. Como Ela era concebida sem pecado original, teve o uso da razão desde o primeiro instante de seu ser; e já a partir do ventre materno Nossa Senhora pensava, e tinha pensamentos elevadíssimos e sublimíssimos, vivendo no seio de Santa Ana como num verdadeiro tabernáculo.
Temos uma confirmação indireta disso no que conta o Evangelho sobre São João Batista. Quando São João Batista – que não foi isento do pecado original, mas teria sido purificado dele ao ouvir a saudação de Maria a Santa Isabel – estremeceu de alegria no seio de Santa Isabel ao ouvir a voz de Nossa Senhora cantando, saudando Santa Isabel. E Santa Isabel disse isso a Nossa Senhora (cfr., por ex., D. Duarte Leopoldo e Silva, “Concordância dos Santos Evangelhos”, pg. 20, nota (4), Edit. LTR, Sétima Edição, São Paulo, 1988).
Assim também, Nossa Senhora viveu no seio de Santa Ana e desde ali Ela começou a rezar pela humanidade, começou com a ciência altíssima que tinha recebido pela graça de Deus, começou a pedir a vinda do Messias, começou a pedir pela queda de todo Mal no gênero humano, e desde ali formou-se, com certeza, em seu espírito, aquele intuito elevadíssimo, de vir a ser uma servidora do Salvador, que pudesse servir a Mãe do Salvador e ajudá-la. Na realidade, por essa forma Nossa Senhora já começou a influir nos destinos da humanidade.
Mas acontece também que sua presença na terra já era uma fonte de graças para todos aqueles que se aproximavam dEla na sua infância e mesmo antes dEla nascer.
Se a Escritura nos diz que da túnica de Nosso Senhor saía uma virtude que curava todos, ou melhor, os que tocavam em seu manto beneficiavam-se de uma virtude curativa, quanto mais a Mãe de Nosso Senhor, Aquela que estava escolhida como vaso de eleição.
A presença de Nossa Senhora nessa terra, já como menina, mesmo como criancinha, era uma fonte enorme de graças.
Por isso se pode dizer que, embora Ela fosse criancinha, já em seu natal graças enormes começaram a raiar para a humanidade; já aí o demônio começou a ser esmagado e a vitória da Contra-Revolução começou a ser afirmada e o demônio começou a perceber que algo de seu cetro estava partido e que nunca mais se consertaria.
Compreende-se então como a vinda de Nossa Senhora à terra foi uma graça para todos os homens e compreende-se a importância da festa que celebramos hoje.
Semelhante a “aurora” do luar é o “natal” de Nossa Senhora. Nesta noite devemos pedir a Nossa Senhora uma graça que Ela queira nos conceder
Para resumir, tenham os senhores em mente uma noite de Natal. Há 1963 anos e tanto – simplificando os dados cronológicos – que Nosso Senhor nasceu.
Há 1963 anos que essa festa se repete e em toda noite de Natal tem-se a sensação de que uma bênção enorme desce de Céu sobre a terra e que, de algum modo, as energias espirituais de todos os homens se renovam. Há uma verdadeira aurora.
É por causa disso que a noite de Natal é única no ano. Isso que se dá com a noite de Natal nos dá uma idéia do que foi a primeira noite de Natal, em que Nosso Senhor nasceu.
Ora, como tudo quanto é de Nossa Senhora é muito parecido com o de Nosso Senhor, tudo quanto diz respeito a Ela tem uma íntima conexão com o que diz respeito a Ele, pode-se também imaginar assim na noite de hoje.
Seria bonito que numa noite como a de hoje, tivéssemos uma noção mais viva e mais concreta da Natividade de Nossa Senhora. Que semelhança há entre um e outro? Quando se fala em Natal de Nosso Senhor, lembramo-nos do nascer do sol. Mas se Nosso Senhor é o sol, Nossa Senhora é, muitas vezes, comparada à lua.
E como é bonito vermos a luz que nasce! O nascer da lua não tem a glória do nascer do sol e nem é o nascer do sol; mas quanto tem de parecido, de análogo com o nascer do sol. Como ele é benfazejo, como ele alegra, como ele estimula, como ele consola. Isso nos poderia dar a idéia do que foi esse bendito natal de Nossa Senhora. E como somos – estímulo muito particular – filhos de Nossa Senhora pela consagração a seu Sapiencial e Imaculado Coração conforme o método de São Luis Maria Grignion de Montfort, não por méritos nossos, mas pela vontade dEla, podemos pedir nesta noite de hoje, que Nossa Senhora nos dê alguma graça especial.
Já se disse que nas revelações privadas de muitos santos conta-se que nas festas especiais de Nossa Senhora Ela desce ao Purgatório, concede um grande número de graças e leva um número enorme de almas para o Céu e, por outro lado, melhora as condições de muitas almas que não leva para o Céu.
Isto nos dá um pouco a idéia do que Ela faz na Igreja militante. Sua graça baixa sobre nós e nos obtém uma porção de favores. É o momento de pedirmos a Nossa Senhora que nos conceda um favor.
Qual o favor que devemos pedir? Que cada um se recolha um pouco, se concentre e peça uma graça qualquer.
Mas eu sugiro que esteja presente, de modo especial, essa graça: de Nossa Senhora estabelecer com cada um de nós, como que uma aliança especial. Como que constituir vínculos de uma filiação especial na nossa relação com Ela, de maneira que nos tome debaixo de seu amparo particular e que a esse título, nos cure da chaga da alma que Ela mais entenda que nos deva curar. Às vezes não é bem o que imaginamos, mas outra coisa. Aquilo de que mais necessitar nossa alma, que Ela nos dê nessa sua noite de natal.
(1) Sobre o tema da utilização das táticas RCR para o combate ideológico à Revolução sugerimos a leitura da terceira parte do livro “Revolução e Contra-Revolução“, do mesmo autor: “Parte III – Revolução e Contra-Revolução vinte anos depois”.
(2) Para o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, Revolução é o processo quatro vezes secular que vem devastando a Civilização Cristã. E a Contra-Revolução consiste no movimento de almas que se opõe a essa derrubada. Ver o ensaio “Revolução e Contra-Revolução”, do mesmo autor.