O Prof. Plinio desenvolve o conceito de cultura e civilização para um público de jovens, em São Paulo. Estabelece a distinção entre palavras afins como inteligência, instruação e educação.
Com áudio e texto: https://pliniocorreadeoliveira.info/Mult_710815_cultura.htm
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(Pergunta: O Sr. poderia tratar do conceito de cultura?)
Pois não, com todo gosto. A palavra cultura indica alguma coisa que nós devemos distinguir de palavras afins que seriam as palavras inteligência, instrução, educação e civilização.
Eu tenho que fazer uma distinção. O conceito de cultura se define melhor.
Eu aqui não estou tomando a palavra como este ou aquele especialista pode tomar, mas como ela é tomada na linguagem portuguesa, brasileira, e dos povos ibero-americanos tanto quanto eu possa conhecer.
A inteligência, como é fácil ver, é a capacidade do homem de penetrar a realidade, de tomar conhecimento da realidade. A inteligência se distingue da cultura, porque a inteligência é uma qualidade nativa. A cultura será uma qualidade nativa? Ao menos enquanto tal, ela não o é. Depois nós veremos alguma coisa, se me lembrarem, da hereditariedade da cultura. Mas enquanto tal a cultura não o é.
Bem, a instrução é o conjunto de conhecimentos que o homem adquire mediante a inteligência. Quer dizer, não é uma pura memória das coisas, evidentemente, mas é uma memória compreendida das coisas. Uma memória em que as coisas estão explicadas e entendidas. Não é, portanto, a memória de um bicho. Nem é a memória de uma criança.
Agora, a palavra instrução diz mais respeito à memória entendida, explicada das coisas que se adquire por meio do estudo, por meio da reflexão. Quer dizer, por meio de um esforço intelectual que não é inteiramente o comum, que o homem faz a qualquer hora do dia. E é por causa disto que certas informações estão excluídas do conceito de instrução. Por exemplo, conhecer o horário de trem não é instrução. Ou o horário do ônibus. É uma informação, mas é dessas informações correntes. Não é uma informação sobre algo que o homem adquire por uma concentração, por um esforço de pensamento mais notável.
A erudição ainda não é propriamente a cultura. Ela é o ápice da instrução, mas ela ainda não é propriamente a cultura. Nós chamamos erudito aquele que tem um notável cabedal de conhecimentos adquiridos com um esforço intelectual notável também. Quer dizer, é o resultado de um esforço árduo. A instrução arduamente adquirida, de alta categoria e copiosa, esta se chama erudição.
O que é que vem a ser a cultura? A cultura está para o homem como a agricultura está para a terra. Nós poderíamos, se quiséssemos fazer uma espécie de paralelismo implicante, falar numa “antropocultura”, e numa agricultura ou numa avicultura. Quer dizer, é o cultivo do homem. O que é que é então a cultura? É o aprimoramento que a alma humana recebe pelo fato não só de ela ter uma grande instrução, mas de ela degustar a sua instrução como deve. De maneira que ela se enobrece, ela se eleva com sua própria instrução.
Eu dou aos senhores um exemplo. Na Europa isso chama muito a atenção porque ainda existem excelentes museus, e há excelentes guias de museus. Nos guias de museus a gente tem uma amostra esplêndida do que é instrução e do que é cultura. Em relação aos objetos de um museu, há guias de museus notavelmente instruídos. Eles chegam e papagueiam aquelas coisas todas, mas como verdadeiros papagaios. Eles sabem tudo.
Eles se colocam diante de um quadro e dirão: aquele lá é um Grecco, aquele lá foi pintado em tal época, é notável por causa de tal tonalidade, ali no fundo está tal personagem, olhem um tal jogo de luz, babá-babá-babá. Instruído ele é. Mas ele não tem um pingo de cultura. Quer dizer, a sua personalidade não assimilou nada daquilo. Quer dizer, ele não teve uma admiração, ele não teve uma penetração e um embebimento daquilo, mas ele é puramente um homem instruído naquilo.
Homem erudito muitas vezes não é um homem culto. É um indivíduo que adquiriu uma grande soma de conhecimentos com um esforço árduo, mas ele não inalou aquilo, aquilo não se entranhou nele. Ele não admirou, ele não amou e ele não se modelou de acordo com aquilo. O resultado é que a pessoa dele teve um aprimoramento apenas de superfície, por puro aprimoramento intelectivo, mas ele, no seu interior, não é um homem culto.
Então, o que vem a ser a cultura? Eu insisto. A cultura é o seguinte: o conceito de cultura resulta do princípio de que tudo quanto o homem admira, de algum modo entra nele, penetra nele e se incorpora a ele. Tudo aquilo que ele ama, de outro modo que não a admiração, penetra nele e se incorpora nele. Aquilo que ele rejeita, de um modo negativo, faz crescer nele o contrário do que ele rejeitou. Se, por exemplo, eu entro num quarto imundo e tenho a rejeição proporcionada pela sujeira, o meu senso de limpeza aumentou. E o contato com a sujeira aumentou a minha limpeza. Se eu passo aqui pela rua Pará ou pela Av. Angélica, como é muito frequente, e percebo uma cena imoral e tenho uma repulsa àquela cena imoral, a minha pureza aumentou. Quer dizer, a visão do mal, a visão do erro, a visão do que não deve ser vista, feita, operada como rejeição aumenta em mim o contrário daquilo que eu vi.
Então nós chegamos à conclusão de que a cultura é o aprimoramento do homem considerado como um todo e que ela é resultado da instrução, ela é fruto da instrução, mas ela não se identifica com a instrução, porque o indivíduo pode ser muito instruído, e nem um pouco culto.
Eu creio que as ciências naturais, como elas são estudadas habitualmente hoje em dia, dão uma instrução sem cultura, porque ela, sobretudo a ciência natural não é levada, senão muito raras vezes, a ter uma admiração filosófica ou artística por aquilo que está estudando. De maneira que é um puro jogo de dados. E esse jogo de dados não traz um aprimoramento para a alma humana. Absolutamente. É preciso uma outra posição diante das ciências naturais para que ela não seja entorpecedora. Porque, à força de estudar a coisa sem a admiração nem amor, a capacidade de admirar e amar se embotam. Então a cultura desaparece. A capacidade de ser culto desaparece, é uma barbarização.
Agora, nós podemos perguntar de que natureza é essa penetração que a coisa admirada ou amada produz no indivíduo. De que natureza é isto? É, antes de tudo, na ordem cronológica, como começa por um ato de inteligência, é antes de tudo uma flexibilização e um adestramento da inteligência.
Aqui também nós vemos que pode haver formas de instrução que são anti-culturais. Porque, se a instrução consiste apenas em enfileirar raciocínios quadrados um depois do outro, a alma fica capaz apenas de…, ela desenvolve apenas um dos seus aspectos da sua personalidade. Ela fica capaz do raciocínio quadrado (geométrico). Que muitas vezes contém a verdade, até contém a verdade inteira. Mas que muitas vezes não contém, até afasta da verdade. Então é preciso que a verdadeira instrução seja tal que exerça na alma todas as faculdades que ela pode exercer.
E é por causa disto que eu fico muito encantado quando eu vejo ainda hoje a existência de grandes sábios, às vezes especialistas em ciências naturais, em qualquer coisa, e que têm um grande interesse por um ramo qualquer da literatura ou da arte, ou da filosofia, ou da história, porque isto prova exatamente uma plenitude humana. Além de eles serem capazes daquilo que eles cuidam, o seu espírito engrandeceu-se em outras direções.
Eu acho bonito que um homem, por exemplo que seja especialista em formigas, tenha ao mesmo tempo interesse por Homero, por exemplo. Para citar no plano meramente natural. Para não olhar para as realidades sobrenaturais. Não quer dizer que ele não se contenta puramente com uma formiga, mas que ele tenha uma dimensão maior do que a da formiga, uma dimensão humana, que poderá ler também Homero. … uma formiga uma grande coisa. Uma vez que ele tem uma cultura mais ampla do que a pura especialização que ele trouxe. E exatamente uma das recriminações que o espírito ultramontano deve fazer ao estudo das ciências naturais que poda completamente isto. E fazem um mero técnico sem uma dimensão plenamente humana, mais um escravo da matéria do que um senhor da matéria.
Por exemplo: uma das faculdades intelectuais mais próprias do espírito católico é a capacidade de distinguir. São Tomás de Aquino dizia que distinguir é pensar. Tomar coisas análogas e distingui-las umas da outras, e depois ver por onde elas são análogas e por onde são diferentes, toda a subtileza que muitas vezes a comparação exige, isto indica uma plenitude do espírito humano. E o espírito capaz de fazer isto é um espírito culto.
Assim nós temos, portanto, a cultura como sendo antes de tudo uma plenitude da inteligência. Mas que não é uma plenitude puramente filosófica, ou puramente técnica, mas é uma coisa muito mais vasta do que isto. É a plenitude de todos os modos de operar da inteligência humana.
Bom, assim considerada a cultura é um enobrecimento e um fortalecimento da vontade. Esse enobrecimento da vontade, esse enobrecimento é algo de imponderável. Eu, até agora não consegui uma definição que me satisfizesse inteiramente da palavra nobre. O que que é uma vontade nobre?
A vontade não basta que seja forte. Mas mais importante, antes de ser forte, é ser nobre. Há alguns sintomas que caracterizam a vontade nobre. Uma das coisas que a caracterizam é ela ser mais capaz de querer e ávida de se apossar dos bens do espírito do que dos bens da matéria. Isto caracteriza uma vontade nobre. Por exemplo, o homem que tenha mais vontade de ser virtuoso do que de ser rico, ele revela nobreza de vontade. Agora, por que? Revela-se nobre por que? Porque essa vontade quer uma coisa mais nobre. A virtude é em si intrinsecamente um bem da alma. E sendo um bem da alma é mais nobre do que a riqueza, que é um bem para o corpo. Então, um homem que tem uma vontade dessas coisas do espírito, tem uma vontade mais nobre. Um homem que tem – Dr. Azeredo me deu ontem a poesia de um homem, uma poesia, uma estrofe, de Molière a respeito do covarde. Então, ele dava um verso muito curioso do covarde, que dizia entre outras coisas o seguinte: eu prefiro viver dois anos desta vida a mil anos de História. De maneira que me deixe fugir.
Bem, isto é a vontade sem nobreza. Porque exatamente colocada entre a realização de um grande feito, que a obra magnânima quer e a realização de um feito minúsculo como é de vegetar, ou de uma série de pequenas ações que nem são feitas de vegetar durante dois dias como um bicho na terra, ele prefere as coisas da terra. Por que? Porque ele prefere o prolongamento da vida do corpo. A vida da alma, a grandeza das ações, não lhe dizem nada. Isto é uma vontade que não tem nobreza.
O próprio da cultura é fazer-nos apetecer as coisas do espírito e fazer-nos apetecer dentre as coisas do espírito as mais altas, e portanto as maravilhosas, as metafísicas, as sobrenaturais, o próprio Deus. O próprio da cultura é, portanto, de dar à nossa alma uma nobreza cristã. Uma nobreza católica. E é de nos fazer santos.
Bem, a cultura tem uma repercussão na sensibilidade. O homem que estuda ou que pensa muito e que quer coisas nobres, pelo fato de querer muito, estudar muito, ele tem uma repercussão dessas coisas na sua sensibilidade. A sensibilidade deixa de apetecer as coisas puramente materiais e começa a apetecer as espirituais. E depois de apetecer as coisas espirituais começa a apetecer as coisas sobrenaturais, divinas, dentro do espiritual. Quer dizer, a sensibilidade se eleva. Elevando, ela perde qualquer coisa de grossamente animal, material que ela tem nativamente, em virtude de nossa condição animal e do pecado original. E acontece com isso que a sensibilidade se eleva. Não só ela se eleva, mas fica então em condições de ser combatida, porque com sensibilidade desordenada, para ser combatida supõe-se que se desenvolva o que nela tem de ordenado. É só desenvolvendo as forças de ordem dentro da sensibilidade que a gente pode podar bem os elementos de desordem.
Então nós temos por aí uma noção de cultura que toma o homem inteiro.
Agora me restaria perguntar que relação há entre esta noção de cultura e a santidade.
Evidentemente a cultura perfeita equivale à santidade. É a mais alta forma de cultura. Embora, embora – e aqui são os tais matizes que é preciso conservar – embora um santo possa, debaixo de muitos aspectos, ser menos culto do que um que não é santo; possa, sob muitos aspectos, ser menos culto do que um que certamente vai para o inferno. Daqui a pouco nós vamos analisar como é que é isso.
Nós percebemos melhor essa relação entre cultura e santidade, se nós considerarmos antes um outro ponto da questão. E é o seguinte: a cultura é necessariamente filha da instrução? O analfabeto pode ser mais culto do que um alfabetizado? É uma pergunta que se pode fazer.
Os senhores tomem, por exemplo, esse tapete hindu, que está aqui na Sala da Tradição (na então sede do Conselho Nacional da TFP, à Rua Maranhão 341, Higienópolis, São Paulo, n.c.d.). Esse tapete hindu provavelmente foi feito por um analfabeto. Esse analfabeto era um homem menos culto do que um eleitor alfabetizado que sabe apenas desenhar seu nome ou que sabe apenas [ler] um jornal? Que relação há aí entre instrução e cultura?
Há certos homens – ou a coisa se concebe melhor em povos – há certos povos analfabetos nos quais um ambiente de muito pensamento, uma atmosfera de muita orientação da atenção para as coisas do espírito, leva o indivíduo a refletir notavelmente sobre coisas que estão ao alcance de todo mundo. E a deduzir dessas coisas conseqüências muito altas de ordem metafísica – religiosa também, portanto – de ordem estética ou de qualquer outra ordem.
Por exemplo, não está absolutamente provado que Homero soubesse ler e escrever. Há quem sustente até que Homero não existiu. Eu acho que existiu. E que a Ilíada foi um conjunto de canções populares compostas de cá e de lá, por analfabetos da Grécia primitiva, e reunidas depois, no período da literatura clássica, num só todo. Agora, seja como for, a pessoa que compôs a Ilíada, por exemplo, é uma pessoa que tem uma alta cultura ao lado de nenhuma instrução. Quer dizer soube tirar grandes reflexões, grandes conseqüências de realidades que estão ao alcance de todo mundo. E a linguagem corrente, a meu ver erroneamente, não chama isso de instrução.
(Pergunta: inaudível)
Daqui a pouco eu falo disso.
Bem, o que nós concluímos daí? É que segundo nos mostra o Evangelho, um espírito muito elevado, muito apetente das grandes coisas pode chegar a uma grande cultura sem ter tido propriamente o que a linguagem corrente chama de instrução.
Todas as parábolas do Evangelho são altíssimas conclusões tiradas de fatos comuns da vida: um filho que foge, que dá esperança e que fica reduzido à mendicância e que volta para a casa do pai… – O lírio do campo que não tece e não fia. Depois a idéia de que a pétala do lírio é um tecido mais bonito do que o manto de qualquer rei… São observações comuns da vida do homem mais ignorante. Mas nas quais Nosso Senhor Jesus Cristo – que era a Sabedoria incarnada, ligada com união hipostática aos homens – soube tirar altíssimas conseqüências.
Bem, então nós somos obrigados a reconhecer o seguinte: que o conceito de instrução, como ele é dado aqui – quer dizer, que é filho necessário da leitura e do estudo considerado enquanto estudo sistemático de coisas lidas e num estabelecimento – essa noção é uma noção pobre. E que um homem pode adquirir uma grande instrução, sem ler e sem escrever, pela consideração enlevada de coisas puramente naturais, comuns.
Neste sentido a interferência do sr. “x” tem todo propósito. Nesse sentido nós vemos, por exemplo, Santa Teresinha do Menino Jesus – que era uma pessoa que tinha uma instrução como uma moça tem; não mais do que isto, que conhecia muito bem doutrina católica, isto é verdade, fazer reflexões de um grande fôlego, de um grande alcance, capaz de deter a atenção de teólogos de fôlego. Mais ainda: de abrir, de traçar um caminho novo para as almas, e de mostrar que este caminho tem uma cidadania nos firmamentos da vida espiritual, o que é uma operação intelectual muito delicada, sendo que a instrução dela certamente não estava na proporção do que tudo isto significa. Já em pequena ela era uma pessoa que tinha muito enlevo pelas coisas da natureza, enquanto conduzindo a Deus etc., etc., etc.
Bem, então nós somos levados a perguntar uma outra coisa. Se o verdadeiro nervo da instrução e da cultura não está exatamente nessa apetência que a alma deve ter das coisas elevadas, a apetência que deve ter das coisas que conduzem a Deus. Com essa apetência, a pessoa, se não estudar, acaba, em certo sentido da palavra, se cultivando. Se ela estudar, ela se cultiva também porque ela será capaz de uma análise profunda e enlevada das informações que a instrução lhe dá.
Agora, seria possível uma pessoa ser mais culta do que Santa Teresinha? Haverá pessoas no inferno, pessoas que na vida foram mais cultas do que Santa Teresinha? Sem dúvida. Um especialista, por exemplo, em arte. Vamos dizer um (Eugênio) Viollet-le-Duc (1814-1879), que era um grande especialista em arte gótica – logo na arte gótica! -, ele era um homem que algo pegou do espírito da arte gótica, do contrário ele não poderia ter realizado a obra que realizou. Viollet-le-Duc, entretanto, tendo o senso artístico provavelmente mais afinado do que Santa Teresinha, não viu no gótico o que Santa Teresinha veria ou viu desde que sua atenção se pusesse nisso. O que é o mais fundo, o mais elevado, o não puramente estético, mas que está além da estética. Isto Santa Teresinha via e ele, sendo menos santo, não via. Quer dizer, num sentido “minor” da palavra, Viollet-le-Duc seria mais culto do que Santa Teresinha. No sentido “maior” da palavra, não (*) [vide importante nota ao pé de página, n.d.c.]
Aí os srs. têm, então, a relação entre santidade e cultura. A santidade é a seiva e o tronco da cultura.
As outras formas de cultura são apenas manifestações de uma tal ou qual elevação de alma, aprimoramentos da alma, mas que não chegam ao fundo como a santidade chega. Embora mereçam, enquanto tais, o nome de cultura. Não são falsa cultura. Merecem um certo nome de cultura, mas são cultura “minor”.
A conseqüência que pende daqui os srs. já estão vendo qual é. É que a única cultura no sentido pleno da palavra é a cultura católica. É evidente. A santidade é o que mais leva os homens à cultura. Embora não se possa afirmar – seria um pouco simplório – que basta ter quaisquer santos para ter uma grande cultura. São José de Cupertino, por exemplo, não daria origem, ele por si, a uma grande cultura. Mas uma sociedade que tem santos é capaz de cultivar de um modo incomparável os próprios dotes naturais que tenha, como ela nunca cultivaria não tendo santos. É a conclusão da coisa.
Bem, agora alguém me faria uma pergunta sobre a cultura não católica. Eu digo: a cultura não católica nós precisamos distinguir. Existe a cultura pagã e existe a cultura neopagã. A cultura pagã – quer dizer, a cultura de antes de Nosso Senhor Jesus Cristo – essa cultura tem valores culturais verdadeiros, porque a alma humana não estava tão corrompida que não pudesse produzir alguns elementos de beleza. Embora sempre com um vôo mais baixo do que a cultura cristã e com erros culturais dentro da cultura. Erros graves, mas alguns lampejos ao lado de erros graves.
Vamos dizer, por exemplo, a arte hindu, a arte chinesa, a arte clássica. Nós notamos, por exemplo, na arte clássica muitas coisas belas. Vamos dizer na arquitetura – que a meu ver é a maior das artes -, o Parthenon seja o auge. Está bem. Não tem de nenhum modo o vôo do movimento gótico. Mas de nenhum modo! Aquilo (o gótico) borbulha com uma alma que a coisa pagã não tem. E, portanto, a cultura pagã não chega à elevação da cultura cristã. Embora possa ser…
(vira a fita….)
… mero pagão, não. Como a corrupção do ótimo é péssima, o pagão, de antes de Cristo, é a corrupção do homem. Mas o pagão de depois de Cristo é a corrupção de algo muito mais alto do que o homem, que é o cristão. Então o neo-pagão é muito pior. E a cultura dele é infensa a toda forma de beleza e a toda forma de bem. Se aceita alguma beleza ou algum bem, é uma beleza “minor”, um bem “minor” a caminho da negação de tudo. De maneira que essa cultura é uma produção de barbárie, de deformação, de aberrações. Como se vê bem nas coisas da arte moderna.
Então aqui, muito resumidamente, estariam algumas notas sobre a cultura. Não sei se estão claras ou o Sr. quereria fazer alguma pergunta.
(O Sr. disse que depois iria dar o que é a civilização)
A civilização, o que vem a ser? A civilização é o conjunto de leis, de costumes, de obras de arte, de obras de literatura, da linguagem humana etc. Enfim, é o conjunto de produções da cultura. Quer dizer, enquanto a cultura é uma coisa que está dentro do homem, a civilização é um conjunto de coisas externas que cercam o homem. Nesse sentido nós podemos dizer que o homem civilizado, na medida em que é civilizado, é sinônimo de culto. E que o adjetivo civilizado é igual a culto. Mas a cultura e a civilização como substantivos não se eqüivalem. Porque, por exemplo, eu posso falar de uma cultura que tenha morrido antes de produzir a sua própria civilização. Por exemplo, se a Grécia tivesse desaparecido no século II AC, por exemplo, antes de Cristo, nós não poderíamos falar numa civilização helênica, mas já tinha aparecido uma cultura helênica. Quer dizer, já havia a alma helênica, já havia o aprimoramento da alma helênica, mas não tinha constituído instituições políticas, não tinha constituído artes, não tinha constituído um idioma inteiramente definido. Enfim, algo que é extrínseco ao homem e no que repousa a manifestação da cultura do homem.
Então, homem civilizado e homem culto são expressões sinônimas. Mas a cultura é uma coisa que existe inteira no homem. A civilização é uma coisa que existe no homem enquanto sinônimo de cultura. E fora do homem, enquanto conjunto de quadros de vida dentro dos quais o homem existe.
Bem, então o se pode dizer de civilização católica, não católica, pagã e neo-pagã, sobrenatural etc. “mutatis mutandis” é tirar [o sentido de cultura e] se aplica à civilização.
Não sei se está claro, sobretudo para meus amigos de fala castelhana.
Há mais alguma pergunta para fazer? Estou à disposição.
(*) Vide a obra “Refutação da TFP a uma investida frustra”, 1984, Volume II, Seção IV, Capítulo I – Para uma boa formação católica, é capital não só ministrar a ciência, como também inculcar a virtude e o amor de Deus (pags. 377 a 384). E mais especificamente a ficha n. 420, relativa à Santa Teresinha do Menino Jesus: “Oh, como sentiria pesar se tivesse lido todos esses livros!”