Bureau médico de Lourdes demonstra com todo rigor, exatidão e seriedade quando as curas são consideradas milagrosas
- Fonte: Revista Catolicismo, Nº 842, Fevereiro/2021
O médico italiano Alessandro de Franciscis — membro da Associação Médica Internacional de Lourdes, primeiro presidente não francês desse Bureau, há 11 anos à frente do Laboratório de Constatações Médicas — começou a se interessar aos 17 anos pelos milagres ocorridos em Lourdes, quando se apresentou como voluntário. Numa entrevista para a revista australiana The Record* (6 de fevereiro de 2020), ele descreve o processo no laboratório para julgar os casos apresentados como medicamente inexplicáveis e tidos como milagrosos.
“Eu gosto de dizer que sou o único médico de que as pessoas realmente não precisam, porque elas só vêm a mim quando estão curadas […]. Tenho sido muito privilegiado com o que vejo, e a parte mais interessante e emocionalmente impactante do meu trabalho é ouvir relatos muito íntimos e pessoais de vidas e histórias que mudaram completamente por causa de Lourdes.
“Às vezes alguém me pergunta qual foi a cura mais espetacular que presenciei, ou a coisa mais linda que aconteceu em Lourdes. Mas, na verdade, acho que a coisa mais espetacular aqui é encontrar outros seres humanos de diferentes culturas e continentes, com diferentes línguas, e descobrir que, pela generosidade de Nossa Senhora de Lourdes, suas vidas, independentemente da cura, mudaram radicalmente. Porque foi aqui em Lourdes que descobriram o amor maternal de Maria, a Mãe de Jesus […].
“O Bureau foi fundado com a ideia de recorrer à Medicina, e pedir aos médicos seu julgamento e avaliação antes mesmo de iniciar qualquer análise religiosa e canônica de um possível milagre […].
“Em 2019 recebemos mais de quatro mil médicos, que passaram algum tempo em Lourdes e nos informaram que estavam dispostos a colaborar no estudo, discussão e alteração de expediente de supostas curas. Com este método de estudo colegiado, estudamos cerca de 7.500 casos desde a fundação do Bureau, usando a partir de 1905 o mesmo método da Congregação Romana para as Causas dos Santos.
“Os sete critérios foram formulados pelo então cardeal Lambertini, arcebispo de Bolonha (posteriormente Papa Bento XIV), em sua importante obra conhecida como De Servorum Dei Beatificatione et Beatorum Canonizatione (Sobre a beatificação dos Servos de Deus e a canonização dos bem-aventurados), que também descreve as maneiras de reconhecer uma cura como potencialmente milagrosa.”
Exclusivamente provas de curas inequívocas
A seguir, os sete referidos critérios indispensáveis para se registrar como milagrosa alguma cura em Lourdes:**
“1 – Primeiro, é preciso saber de que enfermidade padecia o doente. Quer dizer, é obrigatório apresentar um diagnóstico seguro da doença da qual se foi curado.
2 – Se o prognóstico (evolução que cabia esperar da doença) era grave. Não se analisam casos leves.
3 – A cura deve ter ocorrido de forma inesperada, sem sinais premonitórios. Quer dizer, não pode ter sido ‘aos poucos’.
4 – A cura deve ter sido instantânea.
5 – A cura tem que ter sido completa.
6 – Ela tem que ter sido duradoura. Passados os anos, não se pode detectar a enfermidade. Por isso é necessário esperar antes de se aprovar o milagre.
7 – Finalmente, temos um sétimo e último critério. Se tivermos todos os itens acima, precisamos saber se existe alguma explicação médica possível para a cura.
“Em alguns casos, encontramos uma explicação. Ela ocorre com o enorme número de pessoas que vêm reivindicando a cura do câncer, por exemplo, mas podemos descobrir que elas fizeram algum tipo de tratamento – como imunoterapia, quimioterapia, radioterapia, e assim por diante […].
“Mas existem outros casos raros em que podemos chegar a definir uma cura como inexplicável de acordo com os conhecimentos médicos atuais; é o que basicamente chamamos na medicina acadêmica de regressão espontânea de uma doença grave, onde temos a certeza de que a pessoa adoeceu de uma doença conhecida, e foi curada de uma forma para a qual não temos explicação. Entretanto isso não quer dizer que todas as outras curas que ocorrem não possam ser milagres. Mas para uma cura ser oficialmente declarada milagrosa, absolutamente todas as explicações científicas possíveis devem ser excluídas.
“Trabalhando com esse método, milhares de casos foram estudados, e mais 63 foram então reconhecidos como milagrosos, junto com os primeiros sete reconhecidos pelo bispo no momento das aparições. O último foi em 11 de fevereiro de 2018, para perfazer um total de 70 casos oficialmente declarados como milagrosos […].
“Considero que temos uma grande necessidade, na comunidade cristã e na Igreja Católica, de redescobrir a relevância da experiência de sofrer doenças, e do conforto e apoio que nossa fé católica pode dar a isso […].
“Na minha experiência, estamos de alguma forma esquecendo a poderosa mediação que Jesus pode dar, e a importância dos Sacramentos como a Unção dos Enfermos. Portanto, creio que Lourdes ainda está aqui para ensinar isso, e continua a ser um lugar onde os peregrinos com alguma doença se sentem bem-vindos como convidados de honra”.
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* https://therecord.com.au/news/feature/mixing-faith-and-science-behind-the-miracles-at-lourdes/