Meu entusiasmo juvenil ante a perspectiva de curar as doenças (todas) levou-me a disputar com novecentos concorrentes uma das oitenta vagas na Faculdade de Medicina. Até então, as especialidades médicas conhecidas por mim e por meus 79 colegas limitavam-se a evidências como Oftalmologia, Otorrino, Cardiologia, Cirurgia. Durante o curso, outras especialidades nos foram apresentadas, muitas se somaram às que depois passamos a exercer, e hoje são reconhecidas mais de cinquenta. Dentro de cada uma dessas há sub-especialidades, muitas sub-sub já surgiram, e aumenta em proporção geométrica o número, que já não é pequeno. Será porque as doenças aumentaram?
As doenças aumentaram também, mas o principal motivo dessa multiplicidade são os volumosos conhecimentos acumulados pela Medicina. Além disso a tecnologia e a informática inventaram outras formas de exercer a profissão, e é bom não esquecer que ambas continuam provocando e criando doenças. Tudo isso tornou obrigatória uma divisão de tarefas, levando o médico a saber cada vez mais sobre cada vez menos.
Exerci longamente uma dessas especialidades, mas decidi ficar “fora do mercado”. Hoje minha especialidade extraprofissional é levantar problemas que quase ninguém levanta. Você pode até imaginar-me um desmancha-prazeres, mas prefiro considerar-me despertador de sonâmbulos. E já vou esclarecendo que a etimologia junta aí os conceitos de dormir e andar; e o dicionário define sonâmbulo como pessoa que anda e fala enquanto dorme; age de maneira desconexa, disparatada.
Estes dados linguísticos nos dão todo o direito de rotular como sonâmbulos os componentes de um casal desconexo, disparatado, que resolve constituir uma família e depois trabalha para destruí-la. Aponto exatamente para esses sonâmbulos as minhas flechas despertadoras de hoje. Você considera normal quem se casa para constituir uma família, depois passa a agir para destruição dela? Trata-se claramente de caso psiquiátrico, mas quase ninguém nota isso. E o pior é que casais assim transformam os próprios filhos em casos psiquiátricos, ou seja, desequilibrados mentais.
Os distúrbios mentais das crianças aumentam assustadoramente, e a grande variedade deles e dos seus sintomas chega a gerar dificuldades para a atualização do especialista em Psiquiatria infantil. Por isto mesmo esta sub-especialidade da Psiquiatria é candidata a gerar outras sub-sub, enquanto proliferam fatores modernos capazes de desequilibrar mentalmente as crianças.
Entre muitos outros fatores, podem produzir doenças mentais nas crianças brinquedinhos como videogames, internet, redes sociais, smartphones, tabletes. Zumbis infantis estão sendo produzidos em série, e os pais sonâmbulos contribuem para criá-los, presenteando os filhos com esses aparelhos de destruição mental. Bem pior do que isso, deixam os filhos cuidando da própria “educação”, ao invés de permanecer em casa para educá-los. E assim os entregam a uma verdadeira fábrica de zumbis, enquanto estão fora ganhando dinheiro… para educá-los. Você conhece atitude mais desconexa, mais disparatada?
Isto me leva de volta à escolha da especialidade. Sei que ela depende de fatores diversos, muitos dos quais alheios à própria vontade. Porém, se alguém procura uma especialidade com futuro garantido, e muito rendosa, sugiro escolher a Psiquiatria infantil. Pelo andar da carruagem, nunca faltarão clientes. Nem dinheiro para pagar os serviços do especialista, pois os responsáveis pelos pacientes trabalham fora de casa e ganham dinheiro. Quando esses sonâmbulos perceberem o que fizeram com os filhos, o psiquiatra pode entrar em cena e cobrar o que quiser, mesmo sabendo que as crianças nunca atingirão a normalidade. Normalidade só é possível em famílias normais. Eles serão seus clientes para toda a vida, e muitos outros estarão na fila.
Como você pode ver, minha atividade extraprofissional torna possível indicar oportunidades de trabalho decorrentes, por exemplo, da decadência dos costumes e do progresso tecnológico. Não lhe parece boa esta minha sugestão para especialidade? Você pode enriquecer à custa desses pais relapsos, irresponsáveis, sonâmbulos. Como eles trabalham para “educar” os filhos, não lhes faltará dinheiro para pagar os seus honorários. Enfie a faca, eles merecem…
Como o leitor e eu julgamos muito importante este assunto, voltaremos a ele na próxima crônica.
O artigo está invejavelmente escorreito na clareza de sua apresentação, o que leva, a todos, o interesse pela leitura do seu inteiro conteúdo.
Admitiria, tão somente a recomendação primeira de uma psicóloga (preferencialmente mãe), posto que, o estágio inicial de qualquer distúrbio – principalmente em criança – requer uma abordagem mais sutil e mais presente na sensibilidade materna.
Oportuno dizer que este sucinto comentário não deslustra as grandes capacidades masculinas existentes na profissão, muito menos exclui a terapêutica psiquiátrica na sua abrangência e aplicação.
isto chamo de autodestruição progamada,da identidade humana.