Dignidade e recato de ontem, despudor e trivialidade de hoje

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Cenas da “belle époque”. Na primeira, ao fundo, um edifício a um tempo harmonioso e grave. Sai dele um longo cortejo de moças graciosamente trajadas. E, à frente, cingindo uma coroa e revestida de manto de arminho, uma dama que alia à formosura pessoal, a elegância, a riqueza e o recato da indumentária. Ela dá a mão direita a um personagem de aspecto grave, compenetrado da importância de sua função, em rigoroso traje de gala: casaca, cartola, condecorações.

De que se trata? De uma cena de aparato em alguma das pequenas e brilhantes cortes principescas, tão numerosas em 1909, data da fotografia?

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Todo o centro da outra gravura é tomado pela mesma dama, que acaba de entrar num elegante landau, e se apresta a sentar-se para partir. Serve-a um cocheiro de cartola e libré. Um ar de importância e seriedade se nota no semblante dos circunstantes, que são visivelmente personagens oficiais do mundo político e militar. Mais uma vez a fotografia não fornece elementos definidos para se ajuizar se se trata de um aspecto de vida de corte.

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Por fim, um terceiro clichê. Junto a grades aristocráticas cujos portais estão acolhedoramente abertos, notamos ao centro a mesma dama, o mesmo cavalheiro que na outra fotografia lhe dava a mão, alguns militares, e vários personagens protocolarmente vestidos, de cartola e casaca. Bem ao fundo, um poste coroado com um escudo encimado por uma coroa, no qual se lê a letra B. Num plano mais próximo um carro de linhas extremamente imaginosas, com um arco igualmente de linhas bizarras, no alto do qual há uma coroa.

E ainda uma vez formulamos ao leitor nossa pergunta: trata-se de uma cena de corte?

Tudo indicaria que sim, mas de uma pequena corte um tanto fantasista ( vejam-se as linhas singulares do carro ) e rústica ( note-se algo de inautêntico, de postiço, nos personagens de casaca, que têm muito de petit bougeois ). A dama é vistosa e desembaraçada. Ter-se-ia alguma dificuldade em afirmar que ela é propriamente aristocrática. Matizes e pormenores que um observador arguto pode notar, mas que passam inteiramente desapercebidos para a maioria.

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De que se trata então? Toda esta seriedade, esta solenidade, este protocolo são para festejar a “rainha” da bonneterie em Troyes. Esta cidade, antiga capital da Champagne, tinha no início do século, com seus 50 ou 60 mil habitantes, uma importância muito secundária e procurava manter-se incentivando as indústrias locais, das quais a bonneterie era uma das mais apreciadas. A coroação desta “rainha” serviu de ocasião para festejos brilhantes, próprios a chamar a atenção da imprensa e dos turistas, de forma a fazer propaganda do produto. Daí a colaboração das autoridades. As gravuras representam o instante em que a “rainha” se retira do paço municipal de Troyes, onde acaba de ser coroada ( fotografia nº 2 ), sua chegada ao palácio da Prefeitura do Departamento do Aube ( foto nº 3 ), sua saída depois de feita a visita ao Prefeito ( foto nº 1 ).

A que propósito tudo isto? Para que compreendamos, ou melhor, apalpemos quanto o mundo vem perdendo sua seriedade, ao longo deste século apalhaçado e tormentoso. Em 1909 era assim que se apresentava uma “rainha” de moda ou de beleza, em suas “poses” destinadas à grande publicidade. Hoje… o número de tais “rainhas” cresceu imensamente, mas as “poses” mais apreciadas pela multidão são tais, que nem sequer ousamos fazer uma comparação!

Mas o tema se presta também a outra observação. Quando um costume é perigoso, por mais “austero” ou “inocente” que ele se apresente de início, na realidade todo o seu dinamismo tende para ir abandonando gradualmente as formas corretas e os atavios distintos, para se mostrar em sua essência sensual e chula. Assim começaram estas “rainhas” de propaganda e fancaria. O que diriam esses senhores de casaca – modestas notabilidadezinhas pequeno-burguesas de Troyes em 1909 – se vissem o modo por que geralmente se apresentam hoje as “descendentes” ou sucessoras das “rainhas” de seu tempo?

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