Deus, o homem e o uso dos seres irracionais
“Direitos de rios e bichos” é o título artigo publicado por Marlen Couto no jornal “O Globo” do dia 1º do corrente mês de junho: “Um rio pode entrar na Justiça para defender-se da poluição? […] a Justiça Federal de Belo Horizonte analisa se aceita ou não uma ação movida em novembro pela ONG Pachamama em que o próprio Rio Doce pede seu reconhecimento. […] a mudança de tratamento na lei, na avaliação de seus defensores, amplia a proteção ambiental ao aproximar direitos de rios e animais, por exemplo, aos garantidos aos humanos”.
Como mineiro nascido na bacia do Rio Doce, sinto-me especialmente à vontade para tratar do tema. Caudaloso, manso e simpático, esse rio alimenta, atrai e distrai os mineiros e os capixabas, em cujo estado penetra para desaguar no Atlântico.
Na formulação da pergunta posta pela ONG Pachamama há um erro de raiz: um ser irracional não é passível de direito — a capa de um livro ou paralelepípedo da rua, por exemplo.
Rios e bichos têm direitos?
Não entro aqui na análise da questão jurídica — não sou da área — sobre se um ser irracional é passível ou não de direitos pelo nosso atual Código.
Minhas considerações são de outra natureza: a focalização correta do problema está no homem, que é, segundo as Escrituras Sagradas, o Rei de Criação: “Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais, que se movem sobre a terra (Gen. I, 28).
Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem resume em si todo o universo criado: ele tem uma alma espiritual e um corpo material no qual existem elementos vegetais e minerais.
Por isso, a solução do problema está no modo pelo qual o homem faz uso dos seres racionais e irracionais, envolvendo, portanto, um problema moral.
Violação da ordem natural
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira explica em termos muito acessíveis a solução do problema: Deus concedeu ao homem o direito de usar das criaturas, mas não de violar a ordem natural. Portanto, poluir a seu bel-prazer o simpático Rio Doce é violar a ordem natural das coisas posta por Deus, mas não é violar um “direito do Rio Doce”, porque enquanto ente irracional ele não é passível de direitos.
Portanto, diante da destruição estúpida de seres irracionais, “uma primeira percepção, sem mais raciocínio, nos convence de que aquilo não deveria ser destruído [o Rio Doce não deveria ser desnaturado] e que uma ordem profunda de coisas fica ferida, o que torna imoral aquela ação, por algum lado, se essa ação não tiver justificação”.1
No entanto, havendo razões justas, o homem pode alterar a natureza, sobretudo para embelezá-la. Nisso erram os ecologistas fanáticos, ao endeusarem a natureza e negarem ao homem o direito — como Rei da Criação — de, por exemplo, secar pântanos, desviar cursos de água e fazer deles magníficos jardins como os de Versailles.
Aleijadinho não violou os “direitos” da pedra sabão
“Uma destruição estúpida de algo que existe, sobretudo se existe de um modo excelente, nos dá uma sensação contrária à ordem natural das coisas; uma ação contrária à ordem natural das coisas porque, em última análise, a ordem natural das coisas é a do ser. Tudo aquilo que é, é normal que seja; e que seja conforme a sua natureza; e que só seja destruído tendo uma razão de ordem superior.
“É esta noção de algo que é, e que não deve ser destruído; essa percepção de que, aquilo que é, não deve ser destruído; mas, pelo contrário, deve ser aperfeiçoado, deve ser elevado.”
É normal que a pedra sabão seja como é. Mas, o Aleijadinho não violou os “direitos” dessa pedra esculpindo, por exemplo, os magníficos Profetas de Congonhas do Campo, em Minas. É possível que os ecologistas fanáticos de hoje, se vivessem no século XVIII, fundassem alguma ONG para proteger a pedra sabão. Com isso teriam privado a Humanidade de uma das maravilhas, certamente entre as maiores, que são os mundialmente conhecidos Profetas do Aleijadinho.
Não defendemos a destruição estúpida nem a poluição
Mostrando que os seres irracionais (entre eles os rios e os bichos) não têm direitos — porque não têm alma —, não estamos defendendo o uso indiscriminado e selvagem desses seres, o que não raramente aconteceu com a chamada Revolução Industrial e as que lhe sucederam com o culto do dinheiro e o endeusamento do progresso.
O que o Prof. Plinio põe sobretudo em evidência é a violação de um princípio moral, de uma ordem profunda de coisas posta por Deus na Criação. Aqui, sim, devemos combater o mal na sua raiz: convidar os homens para o retorno à sabedoria.
Somente sua volta e a do senso moral podem nortear o verdadeiro progresso. ONGs, ONU e “direitos de rios e bichos” seria o mesmo que cair no erro condenado no Evangelho: tentar costurar um remendo de pano cru num tecido podre; o tecido se rompe e o rasgão fica pior do que era.
Ecologia macaqueia e deforma a Quarta Via
A falsa ecologia diviniza a natureza, tem um conceito gnóstico da “mãe terra”. Divinizando a natureza ela se mostra panteísta, e ao tentar criar “direitos para rios e bichos” manifesta uma concepção gnóstica da Criação.
Na concepção católica, a natureza e, portanto, a Criação constitui um degrau para a contemplação de Deus. A natureza não é Deus, mas tem reflexos d’Ele. Contemplar os reflexos de Deus, por exemplo, no Rio Doce seria tipicamente um exercício de Quarta Via, a qual, conforme Santo Tomás de Aquino, é o conhecimento de Deus através das criaturas.
E não poderia ser diferente, porque sendo a Criação uma obra de Deus, ela teria necessariamente de refletir aspectos do Criador.
A Quarta Via é o melhor modo de combater a falsa ecologia.