Prometi transmitir aqui alguns fatos e observações sobre as relações de Plinio Corrêa de Oliveira com a França, ou, mais precisamente, com o espírito francês. Mas creio que facilitaria muito aos leitores a rememoração de certos aspectos da vida quotidiana há cerca de cem anos atrás. Sabemos que Dr. Plinio nasceu em São Paulo no dia 13 de Dezembro de 1908, mas o que significa isso, em termos de costumes, de visão do mundo, de vida, de civilização?
Assim, proponho rápido um bosquejo que situe o início do século XX em relação aos outros períodos da nossa História.
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A descoberta oficial do Brasil deu-se em 1500, mas o povoamento e a colonização do nosso território então informe só se iniciou efetivamente no reino de Dom João III de Portugal, quando ele instituiu o governo-geral (1549). Desbravar e civilizar o Brasil foi trabalho difícil, lento, longo e penoso.
A bem dizer, nosso País só alcançou a sua maioridade quando Dom João VI veio para cá e determinou a abertura dos portos, em 1808. A verdadeira emancipação da Nação brasileira, porém, só veio no fecundo período imperial, notadamente sob Dom Pedro II.
Quando nasceu o pequeno Plinio, não fazia 20 anos que o Imperador havia perdido a coroa. E apenas um século antes os portos brasileiros tinham sido abertos ao comércio internacional.
A Nação era jovem; o crescimento, prodigioso. Mas o que ainda faltava desenvolver era gigantesco. Basta dizer que, ainda na infância de Dr. Plinio, no interior do Estado de São Paulo havia tribos de índios que atacavam os funcionários que construíam a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, como se pode ler no jornal “O Estado de São Paulo” da época.
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A cidade de São Paulo já era, na ocasião, uma verdadeira capital. Mas a sua urbanização não seguia mais o modelo das cidades portuguesas, como nos séculos XVI e XVII, e sim o de Paris.
Primeiro, porque culturalmente era da França que recebíamos a maior influência europeia. O seu brilho social, os seus literatos, seu poder político e seu império colonial certamente contribuíam para tal. Sem dúvida eram igualmente poderosos o prestigioso império britânico e do império alemão, sob a férrea disciplina militar que lhe transmitia o Kaiser. Mas, para o Brasil certos fatores faziam tender decididamente para a influência francesa.
Em primeiro lugar, porque a Família Imperial brasileira tinha vínculos muito particulares com a França: a Princesa Isabel casara-se com o Conde d’Eu, neto de Luís Filipe. Uma missão militar francesa dava formação aos nossos futuros oficiais. E Paris era a capital preferida onde as elites paulistana e carioca iam se aprimorar com o bom gosto e o brilho da vida social. Não é fora de propósito lembrar que a arte de saber agir (savoir faire), de bem se expressar (savoir dire) e de saber agradar (savoir plaire) vêm da França, sobretudo a partir do reino de Luís XIV.
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Assim, por estas ou aquelas razões a Pauliceia inspirava-se em padrões parisienses, a ponto de Georges Clémenceau (“o Tigre”) nela sentir-se muito à vontade quando a visitou, em 1910. Isso explica também a conaturalidade de Plinio Corrêa de Oliveira com a Paris de 1912, nos últimos fulgores da belle époque.
Para bem compreender essa época, traduzo a seguir a descrição de uma cena de rua parisiense pintada por Jean Béraud (1849-1935) e reproduzida nesta página. O comentário – de um francês de talento – figura no calendário de 2012 da prestigiosa TFP de seu país, da qual é um dos pioneiros. No mês de Junho lê-se:
“A vida, as cores, a elegância são os elementos que atraem o olhar no primeiro relance. Chamam a atenção a elegância no vestir das duas mulheres em primeiro plano e os mil detalhes que convidam, por assim dizer, a entrar na cena. Nesta, todos estão cheios de ocupações, mas não se percebe nenhum nervosismo. O caixeiro de uma loja vai entregar os pacotes; um varredor empurra para os ralos os restos de neve e lixo; a empregada de uma casa, de avental branco, atravessa a rua. As diferentes classes sociais misturam-se harmoniosamente. Vê-se aí uma sociedade que ainda é como um corpo vivo onde cada membro ocupa o seu lugar e desempenha o seu papel; ela não se baseia no orgulho, nem na inveja de quem tem mais ou é mais que os outros.
Os fiacres circulam em bom número, mas pode-se cruzar a rua mais ou menos em qualquer lugar e como se quiser, sem ser enquadrado por milhares de regulamentos meticulosos. E a adoração da técnica ainda não invadiu nem subverteu todos os valores”.
Foi bem esta a Paris que encantou o pequeno Plinio há cerca de um século. O automóvel e o avião apenas começavam a desenvolver-se. A vida de família era mais sólida. Escrevia-se à mão, com bela caligrafia. Era demorado, mas pululavam os literatos.
Mais tarde, as velocidades se aceleraram. Hoje, em uma noite faz-se a viagem que outrora demorava um mês. E o computador executa em alguns minutos uma tarefa que levava horas ou dias. Entretanto, nem sempre a qualidade corresponde à rapidez… E a elegância vai cedendo sempre mais à vulgaridade.
Evolução dos inventos, das técnicas, modas, costumes, vida social, mentalidades… Tudo isso chamava a atenção de Plinio nos seus tenros anos. Mais tarde ele viu com clareza: uma força profunda e poderosa movia a sociedade, as próprias almas, sempre num sentido de destruir a civilização cristã que ele tanto amava! A essa força ele deu um nome: Revolução. E compreendeu que, para vencê-la, só as almas íntegras poderiam ter êxito. Plinio fez da luta contra a Revolução o seu ideal. Por isso, escreveu no prefácio de Meio século de epopeia anticomunista:
“Quando ainda muito jovem,
considerei enlevado as ruinas da Cristandade.
Voltei as costas ao meu futuro
e fiz daquele passado carregado de bênçãos
o meu porvir!
Compreendemos como se desenvolveu em Plinio o amor à verdadeira civilização.