É pela admiração amorosa que se chega a Deus

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Os homens contemporâneos estão cada vez mais incapazes de admirar desinteressadamente algo ou alguém. Frequentemente, suas admirações se restringem a um movimento de pura simpatia intelectual ou afetiva, sem provocar uma adesão amorosa àquilo que admiram. E uma admiração amorosa e desinteressada é essencial para progredirmos no amor a Deus.

O eminente intelectual e líder católico Plinio Corrêa de Oliveira, fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, fez em tempos idos várias conferências para seus discípulos exatamente sobre a importância da admiração para se chegar ao verdadeiro e puro amor de Deus. Uma dessas séries de conferências foi transformada em livro por seguidores seus, resultando no sugestivo título: A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo. [capa ao lado].

O tema é muito sugestivo, mas complexo. O Prof. Plinio, para falar da admiração, aborda o tema correlato da contemplação dizendo que, quando se fala dela, “uma imagem que pode vir à mente é a de um monge com capuz, olhando enlevado para o sacrário de uma capela ou de uma igreja; ou a de uma freira absorta na consideração do Sagrado Coração de Jesus, do Imaculado Coração de Maria, de anjos ou santos”. E pergunta: “Um simples leigo, que viva intensamente sua vida de leigo, pode se dedicar a algum desses tipos de contemplação? Cabe falar, para um leigo, de uma contemplação sacral?”

Citando a definição de contemplação dada pelo famoso teólogo Adolfo Tanquerey, “Contemplar, em geral, é olhar um objeto com admiração”, em outra série de conferências — denominada “Série da Sacralidade” — para membros da TFP, o Prof. Plinio diz que uma “admiração contemplativa”, quando desinteressada e amorosa, gera um enlevo pela coisa ou pela pessoa admirada. E explica: “Por enlevo queremos dizer um deleite admirativo ou maravilhamento cheio de veneração por algo, que a pessoa sente por aquilo que lhe causa enlevo”.

Esse emprego da palavra enlevo coincide com o sentido definido pelo Dicionário inFormal de São Paulo, dá à palavra: “Estado de espírito provocado por pessoa ou coisa que maravilha e encanta”.

Quando essa admiração ou enlevo tem como base um fundamento sobrenatural, pode-se dizer que se trata de uma admiração sacral ou contemplação sacral do Universo. Nesse sentido, o ilustre conferencista cita as palavras do Papa Pio XII na Radiomensagem de Natal de 1957, em que diz: “O homem, desde o primeiro encontro com o universo, ficou extasiado com tão incomparável beleza e harmonia. […] O céu resplandecente de luz ou ponteado de estrelas, os oceanos de extensões imensas e matizes variegados, os cumes inacessíveis dos montes coroados de neve, as florestas verdes regurgitantes de vida, a sucessão regular das estações e a multiforme variedade dos seres, arrancam-lhe, do peito, um grito de admiração.”

Desse modo, afirmou o Prof. Plinio, “a admiração (ou o enlevo) é pois, a chave da resposta à pergunta sobre a legalidade de falar em contemplação a propósito da esfera temporal”. Pelo que “A contemplação sacral é pois, a contemplação da imagem, da semelhança, ou dos vestígios de Deus no Universo — seja no mundo que nos cerca, nas cidades, nas famílias, nas instituições, na arte, nos animais, nas plantas, nos pormenores de cada objeto”. O que faz com que “Nossa admiração sacral deve abarcar praticamente tudo: desde a natureza até as pessoas, os povos, a História, passando por todas as atividades humanas. Tudo que há de belo, bom e verdadeiro, é objeto de um espírito contemplativo”.

O fundador da TFP explicou que por isso nosso amor, nossa admiração enlevada, têm gradações. “Ele se volta, com a devida adequação, para as coisas do reino mineral (um belo cristal), do reino vegetal (uma rosa), e a palavra amor se enche de um sentido maior quando tem por objeto um animal, por exemplo um cão, companheiro fiel. Mas só há propriamente amor quando se tem por objeto um ser de nossa espécie. Este último amor, incomparavelmente maior do que os demais anteriormente enumerados, nos conduz à ideia do amor que devemos Àquele que é o Ser absoluto por excelência, o Ser que contém em Si substancialmente todas as perfeições. Assim, a contemplação sacral inclui a admiração amorosa de todos os seres do universo, e desfecha em Deus”.

Na mencionada série sobre a Sacralidade, Plinio Corrêa de Oliveira descreve com mais detalhes os graus que podem ter o enlevo ou admiração amorosa de algo, que sintetizaremos aqui.

Pode-se dividir a atitude que uma alma verdadeiramente enlevada tem com relação ao objeto de seu enlevo, em três fases sucessivas, à medida que cresce esse enlevo às coisas de Deus: a necessidade de dar; de dar de si; e de dar-se por inteiro.

Quando uma pessoa está em contato com um ideal, um princípio, uma instituição, uma obra de arte ou civilização, ou com uma pessoa que produz em seu espírito o enlevo, ela tende a se dedicar àquilo que ama. À título de exemplo, imaginemos um peregrino que viaja e que se encanta com uma capela encantadora, mas em estado de ruínas. Enlevado por ela, ele sente um movimento natural de alma de dar algo para que ela não desapareça. O enlevo que ele tem assim, o leva a dar por puro amor.

            À medida em que esse enlevo cresce, sobe um segundo grau: não é apenas a necessidade de dar, mas de dar de si. No caso da capela, a pessoa sente necessidade de querer vê-la em ordem e, por exemplo, paga alguém para limpá-la, adorná-la. Se seu enlevo é ainda maior, ele quer ele mesmo fazer a limpeza e a decoração da mesma.

            Esse grau de dar de si, é mais do que o de simplesmente dar. A pessoa visa sacrificar-se pela coisa amada, e a dar algo de si mesmo por amor de Deus naquela coisa criada.

            Se esse enlevo for ainda maior e mais determinante, leva a pessoa a um terceiro grau de amor, que o leva a dar-se inteiramente àquilo que ama enlevadamente. É uma necessidade espiritual de dar e de não reter nada para si em detrimento do que ama, de um não reservar nada para si, de um como que remorso de guardar algo para si, para dar tudo àquilo que amorosamente ama.

            Naturalmente não é em relação a qualquer coisa pela qual se tem enlevo que se toma essa atitude extremada, a não ser num caso excepcional. Mas essa atitude normalmente é encontrada em relação à religião, a instituições, organizações que defendem ideais e princípios com os quais a pessoa se identifica, e com as pessoas que simbolizam esses princípios. Daí a consagração a uma Ordem religiosa, a uma instituição de benemerência etc.

            Aplicando-se ao exemplo da capela, a alma que chegou a este grau de enlevo, não quer saber de mais nada, senão viver em função dela. Vende tudo o que tem, e emprega o produto em sua manutenção. Para dedicar-se inteiramente a ela, muda-se para perto dela, e fica seu guardião, vivendo apenas em função dela até o fim de seus dias.

            Esses são os graus de admiração amorosa e de enlevo sacral que o mundo de hoje já não conhece mais, e que são cada vez mais necessários para o reerguimento da religião e da sociedade civil.

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