Em recente viagem de automóvel através da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, pude observar um curioso fenômeno ótico. Ao contemplar aquelas vastidões do cerrado, com rochas e panoramas muito amplos, percebi que quanto mais distantes da vista estavam os morros e as montanhas, mais eles pareciam azulados, a ponto de os mais longínquos picos quase se confundirem com o azul do céu [foto].
Talvez o efeito seja corriqueiro e tenha lá suas explicações físicas bem definidas. Em todo caso, aquela cena deslumbrava pela beleza. Contudo, o mais intrigante e paradoxal era que, quanto mais distante, melhor se via a realidade: quanto mais longe, mais azul! Quase à maneira dos nevoeiros, ao olhá-los de longe pode ocorrer de os vermos melhor do que se dentro deles estivéssemos.
O fenômeno aplicado a fatos históricos
O belo efeito de cores azuladas me serve como excelente trampolim para o exame de determinados fatos históricos. Muitas vezes, quanto mais distantes no tempo vão se tornando certos eventos da História, mais acuradamente pode-se fazer a análise deles.
Ocorre-me agora o exemplo emblemático da Revolução Francesa. Grande parte dos melhores estudos sobre ela veio à tona décadas após o desfecho dos acontecimentos. Pierre Gaxotte publicou seu livro célebre, sério e detalhado sobre a Revolução em 19281, 140 anos após a queda da Bastilha.
Ainda hoje, em pleno século XXI, vez ou outra, surgem obras de bom quilate sobre o tema. O Livro Negro da Revolução Francesa2, escrito por um grupo de historiadores e jornalistas, publicado em 2008, é leitura indispensável para se entender o ódio implacável e sanguinário dos revolucionários contra as mais veneráveis instituições cristãs.
No caso da Revolução Francesa, para recorrer ao efeito ótico descrito acima, em vez do azul, quanto mais distantes cronologicamente dela, mais brutalmente tingidos de vermelho se nos apresentam os horizontes daquela época de revoltas.
Há outros acontecimentos sobre os quais podemos fazer a mesma constatação. No final do século XIX, o Papa Leão XIII promoveu a desastrosa política de Ralliement (reconciliação) dos católicos franceses com a república, intimamente ligada aos erros da Revolução Francesa.
O desacerto dessa manobra não foi vislumbrado por muitos espíritos retos nos anos imediatos que se lhe seguiram, e ela continuou estendendo seus males até nossos dias. Apenas de passagem, lembramos que o comunismo, o nazismo e o fascismo, em boa medida se propagaram em razão da infeliz política do Ralliement promovida por Leão XIII.
Com o recuo do tempo, melhor se esclarecem fatos
Mas aquilo que era um tanto obscuro até para observadores argutos da época –– ou seja, as falhas dessa política ––, atualmente se afigura cada vez evidente. Basta ver o recente livro Le Ralliement de Léon XIII – L’échec d’un projet pastoral (A Reconciliação de Leão XIII – o fracasso de um projeto pastoral, em tradução livre), de autoria de Roberto de Mattei3.
De acordo com a inteligente obra do historiador italiano, aquela política papal não era explícita no sentido de adequar os católicos ao mundo moderno. Mas ela foi interpretada de modo a fazer com que os católicos passassem a aceitar, entre outros fatores, a democracia revolucionária e arraigada de ilegitimidade que avançava na Europa desde a Revolução Francesa, e que é a mesma, em termos gerais, que domina a maioria dos Estados modernos.
Mais de 100 anos se passaram… as coisas parecem mais claras hoje do que naquela época. O efeito das cores azuis no panorama se repete!
Exemplo na história nacional: Constituição de 1988
Vamos além. Da mesma forma que enxergamos hoje mais claramente o passado, podemos entender os fatos atuais se analisamos bem a história do último século. Trata-se do mesmo efeito ótico, considerado desta vez ao contrário.
Hoje se fala de todos os lados a respeito do fracasso da democracia no Brasil. Será que isso tem por causa simplesmente a corrupção generalizada em todos os níveis do governo? Não haverá algo de mais profundo nas razões desse fracasso?
Plinio Corrêa de Oliveira demonstrou, há 30 anos, no livro Projeto de Constituinte angustia o País, que o modelo de democracia da Constituição de 1988 não poderia prosperar. Com uma argumentação sólida e irretorquível, ele prova a falta de representatividade e, em consequência, a ilegitimidade da Assembleia Constituinte que elaborou a nova Carta Magna brasileira.
O Prof. Plinio tomou por base em sua análise os efeitos da Revolução Francesa, a desastrosa política de Leão XIII, e, portanto, a falaciosa noção de democracia daqueles tempos. O estudo concluía prevendo que as instituições pseudodemocráticas planejadas na Constituição de 1988 tornar-se-iam impraticáveis. Podemos dizer que o autor viu a realidade inteira na “cor azul” longínqua, mas esclarecedora, dos eventos históricos.
Assim, para compreender o fundo da presente crise política e das instituições do País, convido o leitor a verificar por si mesmo o acerto das previsões de Plinio Corrêa de Oliveira em sua obra, disponível no site ipco.orb.br4.
Quem o fizer estará agindo como um perspicaz observador que enxerga os acontecimentos atuais à luz dos horizontes azuis ou vermelhos… da História, e não apenas em função da mídia massificada, estreita e distorcida de nossos dias.
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Notas
[*] Fonte: Revista Catolicismo, Nº 802, outubro/2017.
1. Gaxotte, Pierre; A Revolução Francesa, ed. Tavares Martins, Porto, 1962.
2. Fr. Renaud Escande, o.p. (direção), O Livro Negro da Revolução Francesa, Aletheia Editores, Lisboa, 2010.
3. Cfr. Artigo em: https://ipco.org.br/ipco/livro-denuncia-o-desastre-pastoral-do-ralliement-de-leao-xiii/
4. Projeto de Constituição angustia o País, disponível em: https://ipco.org.br/ipco/loja/produto/projeto-de-constituicao-angustia-o-pais-pdf/#.WYTP4FF96M8