Hoje postamos a primeira parte da referida entrevista, publicada na Revista Catolicismo (acima, foto da capa, nº 778, outubro/2015) e posteriormente publicaremos a parte II
Presidente do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, Adolpho Lindenberg [foto] é considerado, a justo título,um dos mais renomados arquitetos do Brasil. Nascido em São Paulo em 1924, ele se licenciou em Engenharia Civil e Arquitetura pela Universidade Mackenzie em 1949. Três anos depois fundou sua própria empresa, a Construtora Adolpho Lindenberg (CAL), que se tornou em pouco tempo uma das mais conceituadas empresas de construção civil do País. A CAL tem seu nome associado à reintrodução do estilo colonial na arquitetura moderna brasileira. O estilo de seus edifícios marcou profundamente a capital paulista.
Além de engenheiro e empresário, Adolpho Lindenberg dedica seus dias ao apostolado católico contrarrevolucionário iniciado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, com quem conviveu e do qual guarda imorredouras lembranças, desde a infância na casa da avó comum, Da. Gabriela Ribeiro dos Santos. Depois, na juventude, participou do chamado Grupo do Legionário e do Grupo de Catolicismo, ambos formados e liderados pelo Prof. Plinio, bem como da fundação e das atividades da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP).
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Catolicismo — Enquanto homem público, Plinio Corrêa de Oliveira é conhecido de nossos leitores. Mas gostaríamos de saber como ele era na intimidade da vida familiar.
Dr. Adolpho — Apesar de ter convivido com ele durante toda a minha vida, creio, no entanto, que são as lembranças que guardei dos bons tempos em que vivemos na casa de nossa avó, Gabriela Ribeiro dos Santos [foto ao lado], lá pelos anos 30, quando Plinio tinha 20 e poucos anos e eu seis ou oito, que podem fornecer os elementos para uma boa compreensão de quem ele era na intimidade. Mesmo na vida particular, ele sempre se manifestava idealista. Ainda bem jovem, quando não imaginava as grandes batalhas que teria de enfrentar, já despontava nele o grande polemista que foi.
Catolicismo — Sabemos pouco a respeito de Da. Gabriela Ribeiro dos Santos, avó materna do senhor e de Dr. Plinio. Poderia nos dizer algo sobre ela?
Dr. Adolpho — Nossa avó Gabriela foi uma senhora que marcou época na sociedade paulista do início do século passado. Muito cônscia de sua influência social e política, aristocrática enquanto ordenativa da cultura, dos costumes e do savoir-faire dos paulistanos.
Um quadro dela, que pertenceu a Plinio e que foi pintado por um conhecido retratista francês, apresenta vovó como tendo sido uma bela senhora, com um olhar decidido, vivo, inteligente e maternal. Era monarquista e, no meio republicano em que vivia, nunca escondeu de ninguém suas relações com a Princesa Isabel. Podia-se mesmo dizer que vovó foi uma expressão do Brasil antigo, tinha hábitos em que se sentia o Império e o Brasil do interior.
Tendo ficado viúva ainda moça, sempre se preocupou em manter a família unida, a ponto de fazer questão que seus cinco filhos — Gabriel, Lucilia (mãe de Plinio), Antônio, Iaiá (minha mãe) e Zili — fossem, com seus consortes, visitá-la quase todos os dias em sua residência nos Campos Elíseos. O ambiente, a partir das cinco horas da tarde, ia se transformando como que numa festa, com tantos parentes e amigos enchendo a imensa casa situada na Rua Barão de Limeira, que, como tantas outras do bairro, possuía traços marcantes da São Paulo de antigamente — patriarcal, interiorano, mas com certo ar senhorial.
Catolicismo — O que o senhor disse é tão interessante que desejaríamos conhecer um pouco mais desse ambiente familiar.
Dr. Adolpho — Como a família Ribeiro dos Santos sempre se destacou pela sua loquacidade, com ditos de espírito e gosto pelas discussões, as reuniões naquele ambiente eram animadíssimas e interessantes, mas a nota dominante era a obediência à hierarquia e às boas regras que devem reger as conversas. Desencantado com a falta de graça e de vitalidade das conversas dos dias de hoje, eu me recriminaria se não dissesse que guardo uma saudade imensa dessas reuniões, a que eu assistia de um canto, silencioso e maravilhado. Falava-se e discutia-se de tudo: monarquia versus república, a péssima política de Getúlio Vargas, divórcio, fatos do dia-a-dia, parentes etc.
Catolicismo — Essas recordações caseiras nos remetem muito aos tranquilos tempos da pequena São Paulo do início do século passado.
Dr. Adolpho — Talleyrand, apesar de suas faltas, grande diplomata e exímio homem de sociedade, comentou certa vez que de fato não conhecia bem a doçura de viver quem não tivesse vivido antes de 1789.
Penso que quem não conheceu as delícias do bem-viver de uma família patriarcal daquele tempo na “São Paulinho”, tem dificuldade de compreender como um ambiente familiar pode ser tão benquerente, agradável, harmônico e cheio de vida. Plinio viveu nesse meio, fez parte dele, analisou-o, explicitou impressões. Foi nesse microcosmo que pôde observar como tendências e mentalidades podem predispor as pessoas a aderir a esta ou àquela ideologia. Ele também guardava recordações vivas daquele tempo. Três meses antes de sua morte — talvez já a pressentisse —, doente e enfraquecido, tive a última conversa a sós com ele. No fim do encontro, começou a lembrar aqueles antigos tempos e a discorrer sobre eles, de seu convívio com sua irmã Rosée, com seus primos e amigos, do ambiente tão vivo, por um lado, e tão sério, por outro, que reinava na casa de vovó. Fiquei quieto e não o interrompi. Compreendi como ele, ainda muito mais do que eu, sentia saudades da boa ordem, da seriedade, do bem-estar desse pequeno microcosmo, tão agradavelmente patriarcal aos nossos olhos. No fim da conversa, ele agradeceu minha atenção em ouvi-lo discorrer tão longamente sobre velhas lembranças e se retirou. Três meses depois, há exatos 20 anos, em outubro de 1995, já não estava entre nós.
Foi naquele ambiente familiar de nossa avó materna que ele começou a ordenar seu modo de pensar, a formar seu caráter e foi o fator que lhe possibilitou depois dedicar sua vida à Igreja e se tornar o “Cruzado do século XX” — como tão bem o denominou o Prof. Roberto de Mattei ao escrever sua biografia e, antes dele, o Prof. Lizâneas de Souza Lima, na sua Dissertação de Mestrado junto ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP. Foi também naquele ambiente familiar que eu, como criança dos 6 aos 12 anos de idade, comecei a tomar conhecimento, a me aproximar e dedicar-me de corpo e alma àquela figura de um lado tão próxima, mas, de outro lado, tão rica, diferenciada e superior, que foi meu primo.
Catolicismo — Qual foi o papel de sua tia, Da. Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira [foto acima], mãe de Dr. Plinio, na formação dos senhores?
Dr. Adolpho — Para uma melhor compreensão da personalidade de Dr. Plinio, nada melhor do que conhecer mais de perto a figura muito especial, muito próxima a mim, muito querida, que foi tia Lucilia. Se quiséssemos destacar a nota característica de sua personalidade, eu diria que tia Lucilia encarnava o ideal perfeito da mãe católica em toda a extensão do termo. Não só de mãe, mas também de esposa, filha e tia. Sendo ela a mais velha das irmãs, como era o costume daqueles tempos, cuidou de vovó durante o longo período de sua doença. “Lucilia se anulou, se afastou de tudo, para cuidar de sua mãe, dia e noite, como se fosse uma enfermeira” — esse era o comentário mais frequente feito sobre ela pela parentela. Com o correr do tempo pude constatar quão penosa deve ter sido essa missão, pois vovó foi uma pessoa com inúmeras qualidades, mas entre elas, certamente, não figurava a paciência e nem o espírito de sacrifício. A razão desse “anulamento” de tia Lucilia, no entanto, conforme pude observar ao longo dos anos, se deve ao fato de ela, sendo católica “à outrance”, monarquista e tradicionalista, não pactuar de modo algum com o relaxamento dos costumes, com as modas extravagantes, e nem com a glorificação não equilibrada do progresso, enfim com aquilo que passou a se denominar “modernismo”. Vemos, nesta postura, como ela foi a fonte da aversão de Plinio a tudo quanto era “modernizante”, sem-cerimônia e igualitário. Quem não conheceu tia Lucilia — ou, pelo menos, não conhece sua vida por meio de narrações daqueles que conviveram com ela — terá mais dificuldade de entender o filho. Foram muito próximos a vida inteira, temperamentos e gostos em perfeita sintonia. Ele fazia de tudo para agradá-la, e ela, por sua vez, tinha a atenção totalmente posta no filho.
Lembro-me muito bem de tia Lucilia vindo visitar-me quando eu ficava doente, acometido pelas clássicas doenças de infância. Ela me lia Os três mosqueteiros e tantos outros livros que exaltavam o heroísmo, a fidelidade e a mais absoluta solidariedade entre os amigos. Inútil dizer que a leitura era entremeada de conselhos e advertências sobre os perigos que iria encontrar ao longo de minha vida.
Catolicismo — Teria ela tido consciência que assim agindo estava preparando o sobrinho para se tornar um discípulo de seu filho?
Dr. Adolpho — Não posso afirmá-lo com certeza, mas, de fato, me preparou. Tia Lucilia nunca tingiu e nem cortou curtos os cabelos, não se pintava, usava vestidos discretíssimos; em outras palavras, tinha-se a impressão de que era uma senhora de uma geração anterior, cerimoniosa, mas acolhedora. Seu maior atributo era o olhar. Tenho certeza que nunca vi — e creio que poucas pessoas viram — um olhar tão doce, expressivo, aveludado, acolhedor e profundo. Triste, poder-se-ia dizer? Às vezes sim; melancólico, não. Seu modo de olhar era um incentivo para se enfrentar as dificuldades com coragem. Para ela, a resignação, a conaturalidade com o sofrimento, a noção de que os valores fundamentais da vida são de ordem moral, faziam parte de seu modo de viver e de ver as coisas. Segundo ela, existe uma oposição radical, infensa a concessões ou a meios termos, entre o bem e o mal. Deus existe, Nosso Senhor fundou a Igreja, que é infalível e deve nos guiar. Suas devoções foram ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora. O resto lhe era totalmente secundário e só valia na medida em que fosse virtuoso, belo e consoante com a doutrina católica. O pecado, a feiura, o sujo, a anormalidade, se equivalem e devem ser rejeitados com toda a força da alma.
Catolicismo — Isso do ponto de vista religioso. Qual foi a influência de Da. Lucilia na mentalidade dos filhos do ponto de vista temporal?
Dr. Adolpho — Já bem antes da eclosão da Primeira Grande Guerra, a rivalidade entre a França e a Alemanha era forte e crescente. Aqui no Brasil, a opinião pública ficou dividida entre francófilos e germanófilos. Tia Lucilia, que nunca ocultou suas simpatias pelos franceses, assumiu na família, por direito, a liderança daqueles que amavam a França e consideravam-na sua segunda pátria. Papai, que chefiava valentemente a ala germanófila, queixava-se da “falta de objetividade” de sua cunhada… As discussões na sociedade cresciam a cada dia e o mundo se preparava psicologicamente para a guerra.
Nessa ocasião, tia Lucilia, dando provas de equilíbrio e isenção de ânimo, resolveu contratar uma governanta para aprimorar a educação dos filhos. A quem ela escolheu? UmaFräulein alemã, uma bávara autêntica! Confortado pelo reconhecimento de que as governantas alemãs são as melhores do mundo, papai aplaudiu a escolha com entusiasmo.
Fräulein Mathilde Heldmann [foto acima] era o nome dessa governanta bávara. Ela exerceu um papel importante na formação da personalidade de Plinio e ele sempre reconheceu esse fato. Católica, monarquista, culta, europeia a mais não poder, Fräulein Mathilde, além de ensinar o senso da ordem e da disciplina, abriu os olhos de meus primos, Rosée e Plinio, para os esplendores da Europa cristã, levou-os a admirar as grandes figuras do passado, discorreu sobre os fins trágicos da maioria das famílias reinantes na Europa.
Essa abertura de horizontes ajudou Plinio discorrer, com frequência e gosto, sobre as qualidades e limitações de cada povo europeu. As comparações que ele fazia sobre as personalidades dos franceses, alemães, ingleses, italianos, espanhóis, russos etc. Tia Lucilia — por meio da Fräulein — ensinou-lhes também a distinguir tudo aquilo que é bom, nobre, verdadeiro, com classe, das coisas ordinárias, falsas, pretensiosas e demagógicas. Numa sociedade materialista voltada para o American Way of Life, fez com que eles compreendessem o primado da cultura, da finura e do espírito aristocrático.
Catolicismo — E que influência Da. Lucilia exerceu sobre seus filhos no tocante à “visão do mundo” que se deve ter?
Dr. Adolpho — Nos dias de hoje, a imaginação das crianças é povoada por monstros ou por figuras de reinos imaginários e pagãos. Na imaginação de meus primos Rosée e Plinio, porém, habitavam príncipes, cruzados, grandes santos, reis, rainhas, heróis e personagens de realce do Ancien Régime. Figuras como Carlos Magno, Roland, Santa Joana d’Arc, Felipe II, Luís XIV, personagens das memórias de Saint-Simon e tantas outras, ficaram tão próximas de Plinio, a ponto de ele se referir a elas com a mesma naturalidade com que seus primos se referiam aos artistas de cinema ou aos jogadores de futebol. Diga-se de passagem, que esses temas alternavam-se muito harmonicamente com “la Grande Mademoiselle”, Maria Antonieta, Chateaubriand etc.
Creio que essa Weltanschauung (visão de mundo), da qual participam e na qual interagem santos, Papas, reis, figuras da sociedade, escritores e pensadores, constitui uma das notas mais características da cultura e da personalidade de Plinio. Digo mesmo que certamente essa visão foi um fator importante que o influenciou na confecção de suas obras, como Revolução e Contra-Revolução, assim como de seu último livro Nobreza e Elites Tradicionais Análogas.
Catolicismo — O que o senhor conta é tão interessante, que lhe pedimos continuar a discorrer sobre a formação da personalidade de Dr. Plinio.
Dr. Adolpho — Também tiveram papel importante na formação da personalidade de Plinio os seus mestres escolares, os padres jesuítas do Colégio São Luís. Lembro-me de ele elogiar inúmeras vezes o rigor da lógica inaciana, a construção perfeita do raciocínio, sóbrio, preciso, esquemático, mas poderoso, decisivo em qualquer polêmica. E os elogios não se circunscreviam apenas à dialética, mas se estendiam à diplomacia, à discrição e ao empenho com que os filhos de Santo Inácio tratavam de seus interesses. Nos dias de glória da Companhia de Jesus, esses atributos permitiram que ela se transformasse na mais importante e eficiente ordem religiosa no combate às heresias, principalmente ao protestantismo. A par disso, a ascese e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio exerceram grande influência na personalidade e vida espiritual de Plinio.
Hoje postamos a primeira parte da referida entrevista, publicada na Revista Catolicismo (acima, foto da capa, nº 778, outubro/2015) e posteriormente publicaremos a parte II
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