Estratégia de Pio IX e a Imaculada Conceição (I)

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Em um tríduo preparatório para a grande Festa da Imaculada Conceição transcrevemos artigos sobre a importância decisiva da devoção a Nossa Senhora na lutra contra a Revolução.

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira

Muitos foram os comentários de caráter litúrgico e piedoso que se fizeram a respeito da data da Imaculada Conceição. Entretanto, uma das reflexões que o assunto suscita ficou completamente de lado. Cumpre recordá-la porque ela conserva, em nossos dias, uma atualidade palpitante.

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Não é fácil, para quem vive em nossos dias, ter uma idéia da devastação que o racionalismo e o modernismo fizeram na sociedade européia e americana, em todo o decurso do século XIX.

O espírito humano, profundamente trabalhado pelos materialistas, pelos revolucionários de todos os matizes, sentia dentro de si uma revolta ardente contra o sobrenatural que o levava a repelir tudo quanto não pudesse cair diretamente sob a ação e o controle dos sentidos. Por isto mesmo, todas a religiões, e principalmente a Católica, na qual o sobrenatural se patenteia de forma visível e autêntica, foram como que postas de quarentena pela opinião pública. E todos os espíritos procuravam, tanto quanto possível, libertar-se da crença em uma ordem de fenômenos que não se enquadrasse rigorosamente dentro das leis da natureza.

A bem dizer, talvez nove décimos da opinião européia estava eivada de racionalismo e de modernismo. Evidentemente, essa contaminação não era igualmente extensa nem igualmente profunda em todos os espíritos. No entanto, mais visível em uma, menos em outros, ela tinha se insinuado de tal maneira que, mesmo entre os católicos leigos os mais eminentes, se podia notar uma ou outra infiltração daquelas tremendas formas de heresia.

Quatro eram as posições principais tomadas pela opinião pública perante a grande crise religiosa da época:

1 – aqueles que, corroídos a fundo pelo vírus racionalista e modernista, tinham sido atirados aos extremos da irreligiosidade, isto é ao ateísmo radical seguido de um anti-clericalismo militante e não raras vezes sanguinário;

2 – aqueles que, sem ter a coragem de romper com toda e qualquer convicção religiosa, estavam explicitamente colocados fora da Igreja, admitindo tão somente um espiritualismo ou um cristianismo vago, largamente acomodado aos princípios modernistas e racionalistas;

3 – aqueles que, sem ter a coragem de romper com a Igreja nem com o espírito do século, proclamavam-se católicos, mas sustentavam seu direito de professar, em um ou outro ponto, doutrinas contrárias às da Igreja;

4 – aqueles que, sem ter a coragem de sustentar que divergiam da Igreja e muito menos de se separar dela, procuravam, entretanto, interpretar capciosamente a doutrina católica, de forma a lhe alterar em alguns pontos o conteúdo autêntico e tradicional, e acomodá-lo com os erros da época.

A dizer a verdade, os que estavam inteiramente fora dessa classificação, os que haviam rompido inteiramente com o espírito do século e que se conservavam sem nenhuma jaça de racionalismo ou de modernismo eram tão poucos que podiam ser contados pelos dedos, nas fileiras do laicato, especialmente nos círculos intelectuais e sociais elevados.

O aspecto que a Igreja apresentava era, então, a de um imenso edifício que se esboroa aos pedaços. De seus milhões de filhos, pouquíssimos conservavam seu autêntico espírito. Na sua quase totalidade, eles conservavam apenas réstias de Fé, como o horizonte do crepúsculo, que conserva réstias de luz, vestígio derradeiro de um dia que está chegando ao seu fim. E a noite completa não haveria de tardar.

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À vista disto, como deveria agir a Santa Igreja?

As opiniões estavam divididas e, efetivamente, o assunto era dos mais delicados.

Por um lado, uma reação clara e definida haveria de gerar uma imensa oposição, arrastando para a heresia explícita e categórica muitos espíritos que ainda se achavam ligados, mais ou menos, à Igreja Católica. Por outro lado, entretanto, se não se opusesse um dique formal e categórico à onda da heresia, que ia subindo, seria inevitável que, mais cedo ou mais tarde, os desastres assumissem proporções tais que a Igreja viesse a conhecer os mais tristes e mais angustiosos dias de sua existência.

Pio IX optou por um gesto de energia, e resolveu convocar o Concílio do Vaticano, a fim de estudar e de decidir sobre a infalibilidade papal e o dogma da Imaculada Conceição. Um grande e largo gesto de audácia da Igreja enfrentava, pois, o espírito do século, em um desafio que parecia louco. Realmente, falar em dogmas naquela época já era uma temeridade. Definir dogmas novos, temeridade maior. E definir como dogmas exatamente a Imaculada Conceição e a Infalibilidade papal, em uma época tremendamente racionalista e democrática, parecia uma verdadeira loucura.

Por isto mesmo, uma imensa celeuma se levantou nos próprios arraiais católicos quando a deliberação do Pontífice foi conhecida. Discutiu-se amplamente. E, para ser objetivo, manda a verdade que se diga que a oposição foi tão forte que a quase totalidade dos Bispos franceses se opôs claramente à definição daquelas duas verdades de Fé.

Por que isto? Porque discordassem delas? Não. Mas porque achavam que o espírito transviado do século XIX só poderia ser atraído ao redil por um largo sorriso de concessão e de tolerância; que não é com golpes de audácia mas com uma invariável brandura, que se consegue a conversão das massas; que seria loucura das mais declaradas, procurar desafiar o espírito público. Realmente, com esta atitude ousada, todos se irritariam e se confirmariam no erro. Seria necessário contemporizar e conquistar pela persuasão e pela doçura. Só esta tática é que seria viável.

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No Concílio do Vaticano, reuniu-se a Santa Igreja através de seus Bispos, iluminados pelo Espírito Santo, e além da questão doutrinária, este grande problema de estratégia foi discutido. A bem dizer, era talvez a primeira ocasião em que este problema estratégico se apresentava ao exame do Episcopado com tanto vigor, depois do Concílio Tridentino.

Os fatos pareciam dar inteira razão aos Bispos de opinião diversa da do Papa. Uma celeuma imensa se levantava pela Europa. As apostasias se multiplicavam. As discussões no Concílio eram longas e apaixonadas. Em última análise, ao lado da questão doutrinária se discutia o seguinte problema:

1 – um gesto de vigor tendente a preservar as massas do erro, conseguirá realmente imunizar os elementos não contagiados?

2 – esse gesto não terá como conseqüência exacerbar os espíritos que vacilam e levá-los à heresia?

3 – sobretudo, não produzirá ele o efeito de enraigar no erro indivíduos que poderiam talvez, pela persuasão, ser conduzidos à Verdade?

À primeira questão, o Concílio respondeu, “sim”. Às outras duas, “não”.

Foi este o significado da promulgação solene daqueles dois grandes dogmas.

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Aparentemente, o Concílio errara. Continuava a irritação da incredulidade. O Arcebispo de Paris foi assassinado em plena Catedral por um indivíduo irritado pelo dogma da Imaculada Conceição. Rios e rios de tinta se gastaram para provar que o Concílio era retrógrado e obscurantista. Rui Barbosa escreveu seu famoso “O Papa e o Concílio”. A revolta contra a Igreja era franca e declarada…

Entretanto, os resultados esperados pelo Concílio não se fizeram esperar muito.

Em primeiro lugar, todos os católicos militantes deram sua adesão incondicional. No seio do povo, as verdades definidas pela Igreja foram aceitas graças ao vigor com que a Igreja as promulgara. Até nos círculos intelectuais, o vigor com que agira o Papa lhe atraiu o respeito geral, e todo o mundo começou a respeitar e se interessar por uma Igreja dotada de tal vitalidade. O racionalismo e o modernismo foram decaindo gradualmente. E, hoje em dia, a Igreja esmagou com sua vigorosa autoridade o dragão que ameaçou devorá-la no século XIX.

Evidentemente, ninguém pode negar o alcance deste acontecimento histórico. Erram os que condenam as manifestações vigorosas da Fé, e que julgam imprudente e contraproducente qualquer gesto de energia e de vigor combativo dos filhos da Luz contra os filhos das Trevas.

Aí está o triunfo formidável e definitivo de Pio IX a prová-lo. Ao que ficou dito acima, só uma ressalva temos que acrescentar. É que se o modernismo e o racionalismo foram enfrentados e esmagados na sua forma aguda, eles ainda se dissimulam sob a forma de mil erros diversos e precisam ainda ser vigorosamente combatidos. Foi para a extirpação destes e outros erros que Pio XI constituiu a Ação Católica. E a nós só nos cabe apoiá-la e prestigiá-la com todas as nossas forças, para que ela realize hoje o que já no século XIX realizou o magnífico golpe de Fé do Papa Pio IX.

https://www.pliniocorreadeoliveira.info/LEG_381211_AestrategiaapostolicadePioIX.htm#.Ya1vmdDMKMo

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