Na sequência do livro Revolução e Contra Revolução (R-CR) o Prof. Plinio trata do Renascimento e da Pseudo-Reforma Protestante.
B. Pseudo-Reforma e Renascença
“Este novo estado de alma continha um desejo possante, se bem que mais ou menos inconfessado, de uma ordem de coisas fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu nos séculos XII e XIII.
“A admiração exagerada, e não raro delirante, pelo mundo antigo, serviu como meio de expressão a esse desejo. Procurando muitas vezes não colidir de frente com a velha tradição medieval, o Humanismo e a Renascença tenderam a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores morais da Religião, a um segundo plano.
“O tipo humano, inspirado nos moralistas pagãos, que aqueles movimentos introduziram como ideal na Europa, bem como a cultura e a civilização coerentes com este tipo humano, já eram os legítimos precursores do homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da cultura e da civilização materialistas em que cada vez mais vamos imergindo.
“Os esforços por uma Renascença cristã não lograram esmagar em seu germe os fatores de que resultou o triunfo paulatino do neopaganismo.”
Comenta o Prof. Plinio: “Bem conhecemos o papel nefasto que teve a Renascença nesse plurissecular deperecimento da Civilização Cristã, que em nossos dias chegou à sua agonia.
“A Renascença foi um primeiro golpe desfechado contra a Cristandade, e, sob certo ângulo o poderíamos dizer, o mais carregado de malícia, pelo simples fato de ser o primeiro. Doença de sintomas aparentemente menos extremados que os das três revoluções que se lhe seguiram, primeira e profunda fenda, entretanto, no edifício arquitetônico da idade Média, por onde penetraram os germens de destruição que operaram todo o restante, desde o Protestantismo, até o Comunismo. Nela estava já, como numa semente, todo o horror que se lhe seguiu.
“Como se poderia esperar, a Renascença ocultou este veneno virulento que continha em seu bojo, e se apresentou com uma roupagem tentadora para os homens do ocaso da idade Média. Era preciso para as forças do Mal encontrar um pretexto tentador, a Renascença haveria de ser uma ampla Revolução feita em nome da arte e da cultura. Seus corifeus tinham, entretanto, uma concepção toda peculiar. Diziam eles que cultura havia uma só: a do classicismo greco-romano, a única a satisfazer plenamente os anelos da alma humana.
“Todas as outras que se pudessem imaginar, a egípcia, assíria, chinesa – que eles aliás conheciam muito vagamente – eram como que dialetos da cultura. Cultura por excelência, era a clássica. uma vez que havia ela desaparecido, fazê-la renascer era dar nova vida a alguma coisa que havia morrido e que era o classicismo. A Renascença era o renascer do mundo clássico; o renascer da weltenschaung dos clássicos, reputada verdadeira de modo absoluto para todos os tempos e para todos os lugares.”
Contradição entre Renascença e concepção católica
“Aqui já se estabelece entre a Renascença e a maneira cristã de ver as coisas, uma espécie de dissonância profunda. Para nós, cultura é a expressão da alma de um povo, é a expressão de suas convicções e das condições em que ele vive. Para nós, portanto, existem várias culturas.
“Pode-se falar numa cultura espanhola, como numa cultura japonesa, como numa cultura suíça. Existe, de fato, um ideal de perfeição humana. Mas esse ideal cada povo pode realizá-lo à sua maneira. E por isso mesmo afirmamos que, dentro de um só ideal genérico de cultura, cabem várias espécies diferentes. Essas culturas não podem ser fabricadas de um modo completamente teórico. Elas nascem de circunstâncias históricas.
“Dizer de uma cultura como a grega que em todos os tempos e em todos os lugares ela é a única verdadeira, constitui um absurdo que não podemos aceitar. Pois era sobre esse absurdo que estava construído o Renascentismo. Os renascentistas, entretanto, iam ainda mais além, não se contentando com essa visão exclusivista de cultura.
“Como veremos (…) teórica ou praticamente, os renascentistas agiam como se a cultura fosse o valor supremo.” (Reunião 1966)
Continua a R-CR: o Protestantismo
“Em algumas partes da Europa, este (neopaganismo) se desenvolveu sem levar à apostasia formal. Importantes resistências se lhe opuseram. E mesmo quando ele se instalava nas almas, não lhes ousava pedir – de início pelo menos – uma formal ruptura com a Fé. Mas em outros países ele investiu às escâncaras contra a Igreja. O orgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vida pagã, suscitaram o protestantismo. O orgulho deu origem ao espírito de dúvida, ao livre exame, à interpretação naturalista da Escritura. Produziu ele a insurreição contra a autoridade eclesiástica, expressa em todas as seitas pela negação do caráter monárquico da Igreja Universal, isto é, pela revolta contra o Papado. Algumas, mais radicais, negaram também o que se poderia chamar a alta aristocracia da Igreja, ou seja, os Bispos, seus Príncipes. Outras ainda negaram o próprio sacerdócio hierárquico, reduzindo-o a mera delegação do povo, único detentor verdadeiro do poder sacerdotal. No plano moral, o triunfo da sensualidade no protestantismo se afirmou pela supressão do celibato eclesiástico e pela introdução do divórcio.”
Comenta o Prof. Plinio: “Bem, diante desse edifício hierárquico, o protestantismo, revolução religiosa, orgulhosa por excelência, começou por negar o Papado. Todas as seitas protestantes negam o Papa como Rei da Igreja Católica. Apenas os anglicanos reconhecem ao Papa um vago primado de honra, mas não um primado de jurisdição. Ele seria uma espécie de Rainha Elisabeth da Igreja Católica, e até menos do que isto.
“Certas seitas protestantes negaram também não só evidentemente os cardeais, porque os cardeais são corolário do Papa, mas a seita anglicana e a seita luterana conservaram os arcebispos e bispos, mas algumas seitas, levando a sua inconformidade contra a hierarquia na Igreja mais longe, negaram também os arcebispos e bispos. Foram os presbiterianos.”
“Então ficaram apenas os párocos. Presbítero é padre. Presbiteriana é a seita que admite a existência só de padres. Mas houve uma seita, precisamente a seita de Cromwell, que negou também a existência de padres, niveladores, cada um é padre de si mesmo, para efeitos espirituais não existe hierarquia, a igreja de Jesus Cristo é uma igreja inteiramente de iguais.”
“Dentro do próprio protestantismo foi se esboçando um movimento por onde nas seitas, onde aparentemente continuava a haver arcebispos e bispos, nestas seitas, entretanto, os arcebispos e bispos foram mandando cada vez menos. De maneira que a autoridade de um arcebispo anglicano, de um bispo anglicano não tem comparação com a autoridade de um bispo católico na Igreja.
“No protestantismo ficaram uma vagas estruturas eclesiásticas em algumas seitas, mas no fundo todos são iguais em virtude do princípio mesmo do livre exame, porque se cada um tem o direito de examinar a bíblia como quer, eu posso chegar e dizer para meu arcebispo: olha, eu estive abrindo a bíblia e encontrei que você tem sobre mim o direito apenas de dizer bom dia. O quê o bispo pode fazer? É livre exame. O outro pode dizer isto para o padre.”
“Quer dizer, cada um interpreta como quiser. A partir do momento em que se tira a infalibilidade todos os outros poderes ruem. De maneira que o protestantismo no fundo proclamou a completa igualdade dentro da Igreja.”
O progressismo é o triunfo do protestantismo na Igreja
“Esse movimento não só ficou dentro do protestantismo, mas ele tentou penetrar várias vezes na Igreja Católica e acabou penetrando por meio do progressismo, acabou triunfando por assim dizer, por meio do progressismo. Os senhores viram várias vezes aqui que o progressismo quer reduzir a Igreja a uma república, em que o povo fiel tem o direito soberano de mandar o Papa e bispos fazerem o que o povo quer, e portanto é o contrário da organização hierárquica que nós vimos. O protestantismo acabou com as ordens religiosas, o clero secular tudo isso o protestantismo acabou. Por quê? Igualdade completa.” (Reunião, 1969 sobre as Três Revoluções)