Capítulo VII – A Essência da Revolução
Descrita assim rapidamente a crise do Ocidente cristão, é oportuno analisá-la.
A REVOLUÇÃO POR EXCELÊNCIA
Esse processo crítico de que nos vimos ocupando é, já o dissemos, uma Revolução.
A. Sentido da palavra “Revolução”
Damos a este vocábulo o sentido de um movimento que visa destruir um poder ou uma ordem legítima e pôr em seu lugar um estado de coisas (intencionalmente não queremos dizer ordem de coisas) ou um poder ilegítimo.
B. Revolução cruenta e incruenta
Nesse sentido, a rigor, uma Revolução pode ser incruenta. Esta de que nos ocupamos se desenvolveu e continua a se desenvolver por toda sorte de meios, alguns dos quais cruentos, e outros não. As duas guerras mundiais deste século, por exemplo, consideradas em suas conseqüências mais profundas, são capítulos dela, e dos mais sanguinolentos. Ao passo que a legislação cada vez mais socialista de todos ou quase todos os povos hodiernos constitui um progresso importantíssimo e incruento da Revolução.
C. A amplitude desta Revolução
A Revolução tem derrubado muitas vezes autoridades legítimas, substituindo-as por outras sem qualquer título de legitimidade. Mas haveria engano em pensar que ela consiste apenas nisto. Seu objetivo principal não é a destruição destes ou daqueles direitos de pessoas ou famílias. Mais do que isto, ela quer destruir toda uma ordem de coisas legítima, e substituí-la por uma situação ilegítima. E “ordem de coisas” ainda não diz tudo. É uma visão do universo e um modo de ser do homem, que a Revolução pretende abolir, com o intuito de substituí-los por outros radicalmente contrários.
D. A Revolução por excelência
Neste sentido se compreende que esta Revolução não é apenas uma revolução, mas é a Revolução.
E. A destruição da ordem por excelência
Com efeito, a ordem de coisas que vem sendo destruída é a Cristandade medieval. Ora, essa Cristandade não foi uma ordem qualquer, possível como seriam possíveis muitas outras ordens. Foi a realização, nas circunstâncias inerentes aos tempos e aos lugares, da única ordem verdadeira entre os homens, ou seja, a civilização cristã. Na Encíclica Immortale Dei, Leão XIII descreveu nestes termos a Cristandade medieval:
“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda a expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer” (19).
Assim, o que tem sido destruído, do século XV para cá, aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se quer implantar é, per diametrum, o contrário disto. Portanto, a Revolução por excelência.
Sem dúvida, a presente Revolução teve precursores, e também prefiguras. Ario, Maomé, foram prefiguras de Lutero, por exemplo. Houve também utopistas em diferentes épocas, que conceberam, em sonhos, dias muito parecidos com os da Revolução. Houve por fim, em diversas ocasiões, povos ou grupos humanos que tentaram realizar um estado de coisas análogo às quimeras da Revolução.
Mas todos estes sonhos, todas essas prefiguras pouco ou nada são em confronto da Revolução em cujo processo vivemos. Esta, por seu radicalismo, por sua universalidade, por sua pujança, foi tão fundo e está chegando tão longe, que constitui algo de ímpar na História, e faz perguntar a muitos espíritos ponderados se realmente não chegamos aos tempos do Anticristo. De fato, parece que não estamos distantes, a julgar pelas palavras do Santo Padre João XXIII, gloriosamente reinante: “Nós vos dizemos, ademais, que, nesta hora terrível em que o espírito do mal busca todos os meios para destruir o Reino de Deus, devemos pôr em ação todas as energias para defendê-lo, se quereis evitar para vossa cidade ruínas imensamente maiores do que as acumuladas pelo terremoto de cinqüenta anos atrás. Quanto mais difícil seria então o reerguimento das almas, uma vez que tivessem sido separadas da Igreja ou submetidas como escravas às falsas ideologias do nosso tempo!” (20).
19 Encíclica “Immortale Dei”, de 1º-XI-1885, Bonne Presse, Paris, vol. II, p. 39.
20 Radiomensagem de 28-XII-1958, à População de Messina, no 50º aniversário do terremoto que destruiu essa cidade – in “L’Osservatore Romano”, edição hebdomadária em língua francesa, de 23-I-1959.
https://www.pliniocorreadeoliveira.info/RCR01.pdf
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Comentários do Prof. Plinio ao texto acima:
“A respeito da essência da Revolução está dito o seguinte: Primeiro fala do sentido da palavra Revolução. Diz: “Damos a esse vocábulo o sentido de um movimento que visa destruir um poder ou uma ordem legítima e pôr em seu lugar um estado de coisas – intencionalmente não queremos dizer uma ordem de coisas – quer dizer então pôr um estado de coisas, um poder ilegítimo. Quer dizer, o que está no âmago da idéia de Revolução é a idéia de ilegitimidade. O destruir uma ordem de coisas legítima e substituí-la por uma situação ilegítima; o destruir, o eliminar uma autoridade legítima e colocar no seu lugar uma autoridade ilegítima. Esta é a substância da Revolução.
Então nós compreendemos que falar, por exemplo, não sei, da revolução que derrubou o Getúlio, não é absolutamente uma Revolução, porque o Getúlio era, por causa da tarefa que ele assumiu no Brasil, — de espalhar sistematicamente desordem como um outro governo pode fazer a ordem, — o Getúlio era a Revolução, e a derrubada do Getúlio representou um ato pelo qual a sociedade se defendia de um homem que era um intruso porque tinha uma ilegitimidade fundamental que é que ele não queria executar a obra própria ao governo […]
No que diz a linguagem comum, não é qualquer derrubada violenta de qualquer governo que é uma Revolução; pelo contrário, pode ser uma Contra-revolução. A Revolução é a derrubada de um governo legítimo ou a derrubada da uma ordem de coisas legítimas.
Pode também haver uma derrubada de coisas que não seja a derrubada de um governo, por exemplo, se uma pessoa impõe a um Rei que aceite o socialismo, isto é um ato revolucionário.” (reunião dos anos 70)
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