Jeremias Statton
A capacidade da propriedade familiar de gerar novas fontes de emprego é muito limitada
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Com relação à segunda premissa, é equivocado afirmar que a pequena propriedade familiar produz a maioria dos alimentos consumidos pela população e emprega boa parte da mão-de-obra agrícola.
Consoante dados obtidos em recentíssimos estudos9, tem-se que cerca de 70% dos estabelecimentos familiares obtêm uma renda total mensal inferior a 2 (dois) salários mínimos, i.e., o valor da linha de pobreza, sendo que 80% de tais estabelecimentos encontra-se no Nordeste.
Portanto, a estratégia de diminuir a pobreza mediante criação de novas unidades familiares agrícolas configura-se, de si, muito ineficaz, vez que a maioria de tais estabelecimentos, artificialmente criados, geraria, provavelmente, renda familiar total inferior à linha de pobreza.
Tais dados revelam que a capacidade da propriedade familiar de gerar novas fontes de emprego é muito limitada. Ou seja, ainda que os pequenos estabelecimentos familiares empreguem mais gente por hectare, tal não significa que, aumentando-se o seu número, esse efeito, necessariamente, continue. Dito efeito dependerá da renda dos novos estabelecimentos.
Se estes últimos, em sua maioria, não alcançarem a gerar renda compatível com as necessidades básicas do novo empregado, dificilmente este se manterá na nova atividade criada, ou, caso nela permaneça, será apenas para receber benesses governamentais, tais como os empréstimos a fundo perdido, a cesta básica, o bolsa família etc. Em última análise, será ele um novo empregado público a sugar os recursos do Estado, a exemplo dos assentados pela Reforma Agrária.
De outra banda, como era de se esperar, a maioria das propriedades familiares – representada pelos 70% que não atinge dois salários mínimos mensais de renda – tem uma participação muito baixa na produção de alimentos.
Em nível de Brasil, elas ocupam 14% da área agrícola total e produzem 4,3% da pecuária de corte, 10,7% da pecuária leiteira, 11,2% de suínos, 8,8% de aves/ovos, 9,1% do arroz, 13,7% do milho, 27,5% do feijão e 20,6% da mandioca10.
Aparte do feijão e da mandioca, a participação deste grupo majoritário dos pequenos agricultores familiares na produção de alimentos é proporcionalmente inferior àquela referente à área agrícola ocupada.
O contrário ocorre com o restante 30%. Esse grupo minoritário dos pequenos produtores familiares, que ocupa 15,4% da área agrícola total, produz 19,4% da pecuária de corte, 41,3% da pecuária de leite, 47,2% dos suínos, 31,1% das aves/ovos, 39,7% do feijão, 63,2% da mandioca e 35% do arroz11.
Ocorre que este grupo – os 30% – obtém uma renda por hectare quatro vezes superior à dos outros 70%, aplica tecnologia em seus empreendimentos e, na maioria dos casos, faz parte de uma cadeia de produção integrada ao agronegócio de grande porte.
De tais considerações, depreendem-se, pelo menos, três teses importantes, com relação à pequena propriedade familiar e à sua importância na produção de alimentos:
(i) Não é a maioria dos pequenos produtores familiares que contribui relevantemente para a produção de alimentos. Nesse sentido, só 30% participa ativamente. O restante, ou seja, a maioria, tem uma participação marginal;
(ii) portanto, a mera criação de mais pequenos produtores familiares não garante, de per si, um aumento significativo na oferta de alimentos, o que, aliás, resta comprovado pelos resultados alcançados até agora pela Reforma Agrária;
(iii) uma condição necessária, porém não suficiente, para que o pequeno produtor familiar possa conseguir progredir como produtor rural, é ter um nível de conhecimento e uma aptidão psicológica que o leve a trabalhar como empreendedor. Sem essas condições, a assistência técnica e financeira do Estado de pouco adianta. Nem mesmo reservas de mercado e outras vantagens governamentais terão efeito duradouro.
Em síntese, a pequena propriedade familiar – tal como ela se encontra hoje no Brasil – é mais um problema do que uma solução.
Conclusão : mais conveniente para a sociedade como um todo, é a coexistência de grandes, médias e pequenas propriedades
A distribuição da propriedade da terra existente, bem como o uso dos recursos produtivos em geral, são, em grande medida, uma resultante das mais variadas combinações e situações em que eles são usados, como conseqüência da heterogeneidade que os caracteriza dentro do setor agrícola e pecuário.
Por exemplo, a terra como fator de produção possui grande heterogeneidade, já seja por suas diferentes qualidades, já seja pela sua localização face aos mercados consumidores e de insumos, ou pela qualidade da infra-estrutura em que ela está inserida.
De outro lado, existem as mais variadas relações entre ela e os outros fatores de produção, tais como a capacidade empresarial, a qualidade dos recursos humanos, o acesso a novas tecnologias e os recursos financeiros, todos também altamente heterogêneos, fazendo com que se combinem nas mais diversas formas e quantidades. Todas essas combinações podem ser igualmente eficientes.
Forçoso concluir, portanto, que o grau de eficiência no uso dos recursos agropecuários não está relacionado com o tamanho da propriedade. Destarte, mais conveniente para a sociedade com um todo, é a coexistência de grandes, médias e pequenas propriedades, fruto da combinação de inúmeras situações que dependem da realidade local e regional. É isso o que revelam os dados sobre a distribuição da propriedade da terra e da produção agropecuária no Brasil.
Impor um tamanho máximo às propriedades agrícolas com fito de distribuir as áreas “excedentes” entre pequenos produtores, só servirá para agravar o processo de favelização do campo, fenômeno este que se evidencia nas áreas atingidas pela malfadada Reforma Agrária.
Assim, a insistência em sua implantação só se explica por razões ideológicas. É a Teologia da Libertação posta em prática, como pretende Frei Betto. “Dize-me com quem andas e te direi quem és”.
[9] “Novo Retrato da Agricultura Familiar, o Brasil Redescoberto”. FAO/INCRA. 2000;
[10] “Novo Retrato da Agricultura Familiar”, opus. cit. pag 62, Tab. 32.
[11] Opus.cit. pag. 62, Tab. 32.
“Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão! Assim também vós: por fora, pareceis justos diante dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e injustiça. Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós construís sepulcros para os profetas e enfeitais os túmulos dos justos, e dizeis: ‘Se tivéssemos vivido no tempo de nossos pais, não teríamos sido cúmplices da morte dos profetas’. Com isso, confessais que sois filhos daqueles que mataram os profetas. Completai, pois, a medida de vossos pais!” (Mt 23,27-32)
O Estado deve, portanto, agir para atenuar as imperfeições do sistema agrário existente no Brasil.
Este último artigo da série conclui o que já afirmei antes: uma boa política agrária deve contemplar a existências de propriedades segundo o cultivo e as aptidões dos cultivadores ou produtores.