Pe. José Eduardo de Oliveira e Silva
Um dos conceitos centrais na retórica dos ideólogos de gênero é o de vulnerabilidade.
Recentemente, assistindo o vídeo de uma importante pesquisadora dessa temática, deparei-me com uma argumentação muito interessante e bastante convincente, à primeira vista.
Segundo ela, a ideia de que a identidade pode ser biologicamente definida é apenas um discurso e não pode ser cientificamente provada. Ela argumenta dizendo que pessoas trans têm a mesma identidade cromossômica que pessoas cis.
Faço aqui uma pausa semântica. No vocabulário dos ideólogos de gênero, pessoas cisgênero são aquelas que se autocompreendem segundo a identidade de gênero em geral atribuída ao sexo com o qual foram assinaladas pela sociedade (por exemplo, um homem que se autodefine como tal por ter nascido com um corpo masculino); pessoas transgênero são aquelas que se autocompreendem segundo a identidade de gênero oposta àquelas com que foram designadas pela sociedade (por exemplo, alguém que se autodefine mulher apesar de ter nascido num corpo masculino). Assim, uma mulher cis é aquela que tem um corpo feminino, aquela que é carioticamente XX; e uma mulher trans é aquela que tem um corpo masculino, que é carioticamente XY.
Pois bem, o argumento da pesquisadora é que ser XX ou XY não define identidade de ninguém, pois o dado corpóreo não comporta significado algum. A ciência apenas provaria que você é XX ou XY, mas extrapolaria sua competência se dissesse que, por causa disso, você é homem ou mulher. Demonstra-o a existência de pessoas trans.
Ora, o sistema de determinação da identidade que segue a diferenciação corpóreo-sexual necessariamente invisibilizaria essas pessoas, elas não teriam um lugar para existir no mundo, não teriam como expressar-se.
A consequência disso seria, primariamente, um nível de violência e silenciamento absurdo. Esses indivíduos seriam condenados eternamente à clandestinidade e jamais poderiam ocupar espaços de interação plena no corpo da sociedade.
Uma segunda consequência, necessariamente ligada à primeira, seria o fato de que essas pessoas sempre seriam subalternizadas econômica e profissionalmente. No caso das mulheres trans, por exemplo, elas ocupam majoritariamente as posições de cabeleireiras e trabalhadoras do sexo (vulgo, prostitutas). Apesar de terem, muitas vezes, formação universitária e capacitação elevada — várias são poliglotas e intelectualmente muito preparadas –, não conseguem superar este teto.
Exatamente isso os coloca na posição de vulneráveis: a invisibilidade de suas identidades e a consequente subalternização econômico-profissional.
Ora, como a escola é o lugar, segundo eles, de formação profissional, é justamente aí que se precisam discutir as questões de gênero e identidade, com vistas à inclusão destes indivíduos no mercado de trabalho.
Curiosamente, a pesquisadora continuava seu discurso mostrando os paralelos entre a violência contra mulheres trans e mulheres cis. Partindo de um marcador de violência observado num país latino-americano, apontava como, embora o padrão de violência contra mulheres cis e trans seja bastante diferente (a saber, mulheres cis são agredidas por conhecidos e familiares e mulheres trans por estranhos e policiais), em certas situações, mulheres cis começam a ser agredidas também por estranhos e policiais.
Daí, ela conclui que o verdadeiro objeto de vulnerabilidade na sociedade patriarcalista são “os femininos”. A feminilidade, em si, seria objeto.
O interlocutor pergunta se as mulheres que transicionam para o masculino (os homens trans) também sofreriam desta vulnerabilidade. Ela responde que sim, porque, embora tenham assumido a identidade masculina, carregam em seu corpo as marcas do feminino.
Por isso, as leis contra o feminicídio precisariam proteger: as mulheres cis, as mulheres trans, os homens trans e os homens cis que têm práticas sexuais não pratriarcalmente aceitas (os homossexuais, por exemplo).
Neste sentido, percebemos já claramente qual é a única identidade aqui culpabilizada e virtualmente criminalizada: a do homem cis heterossexual, o homem “normal”, que precisa ser coibido, recriminado, “castrado”, por ser um “estuprador potencial”, um macho predador.
Trata-se verdadeiramente de uma cruzada contra a virilidade, de uma engenharia feminino-normativa. Não se trata da proteção da vulnerabilidade, mas da criação da vulnerabilidade com a alegação de que se a quer proteger.
Historicamente, os homens sempre foram responsáveis por proteger mulheres e crianças. Os exércitos sempre foram constituídos por homens. E, como notava Camille Paglia, num mundo tecnológico construído por machos, é muito cômodo destruí-los e impôr a ditadura do feminino. Contudo, num estado histórico de crise, em que o planeta sofresse, por exemplo, uma hecatombe, mulheres e crianças teriam de voltar à casa, enquanto os homens voltariam à floresta para caçar e lutar, para construir e demolir.
É interessante que, no mundo do gênero, estigmatizam-se tanto os esteriótipos de identidade, enquanto os transgêneros reduzem a feminilidade a esteriótipos, por exemplo, ao comportamento das “peruas” de televisão. Todas querem ser top models e divas, mas nenhuma quer ser uma mãe de família, “com o avental todo sujo de ovo”.
Inclusive, na própria linha retórica de raciocínio, a educação deveria elevar os vulneráveis ao máximo nível de executivos de empresas e operadores no mundo do trabalho. Por que não reinvindicam os altos cumes da sabedoria? Para serem filósofos, Platão, Aristoteles e Tomás de Aquino não precisaram de mais nada que do estudo. A porta da sabedoria está aberta a quem a queira. Por que o teto para essas pessoas é o mundo do trabalho?
Os pressupostos de sua cosmologia são essencialmente ancorados no entendimento da educação como instância formadora da rede na qual os indivíduos são essencialmente agentes produtivos. Desprovidos até da própria identidade e do significado do seu corpo, a sua vida se resume à performance profissional.
Os defensores do gênero não se dão conta de que estão exilando todos de seus corpos, que estão criando uma sociedade totalmente vulnerável, que promovem a total invisilibização de todos e que entapetam a estrada para a instauração do onipotente poder globalista, desta ditadura também invisível, dirigida por machos pedradores, por famílias dinásticas, por poderes que se servem da dialética materialista apenas como elemento diluente de todas as estruturas intermediárias da sociedade.
A retórica de gênero é a própria demonstração flagrante do seu contrário. A gêneronormatividade é uma superestrutura de poder que se quer impôr como critério interpretativo da realidade. É ela que não se pode provar e que é tão somente um discurso, mas um discurso vazio, que conduz do nada ao lugar nenhum.