Governo colombiano descumpriu sua palavra

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Revista Catolicismo, nº 794, fevereiro/2017

Apesar da recusa do povo colombiano ao “Acordo de Paz” do governo com as FARC, muitos prelados colaboraram para a desorientação dos católicos diante dessa estranha aproximação com o movimento guerrilheiro

“Houve discrepâncias na posição do Episcopado. O Presidente da Conferência Episcopal e o cardeal foram muito favoráveis ao acordo, mas houve outros setores que foram críticos”

O Dr. Alejandro Ordóñez Maldonado foi Presidente do Conselho de Estado e Procurador-Geral da Colômbia de 2009 a 2016. Católico fervoroso, sua integridade no combate legal e desassombrado à subversão e à corrupção transformou-o em uma das personalidades públicas de maior prestígio em seu país. Ele recentemente voltou a se destacar, ao lado de dois ex-presidentes da República e de alguns valorosos grupos de católicos conservadores, por ocasião da vitória do ‘não’ no plebiscito sobre os acordos de paz com a guerrilha comunista das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), celebrado no dia 2 de outubro de 2016. (A respeito, vide Catolicismo, nº 791, novembro/2016). Entretanto, o governo colombiano, ignorando o resultado do plebiscito, assinou com a narcoguerrilha o pseudo “Acordo de Paz” (vide Catolicismo, nº 793, janeiro/2017).

Anteriormente à referida assinatura dos acordos de paz, o Dr. Ordóñez concedeu a Valdis Grinsteins, colaborador de Catolicismo e de Polonia Christiana — prestigiosa revista católica sediada em Cracóvia —, a entrevista que reproduzimos abaixo, publicada por essa última na sua edição de janeiro.

O diário “El Pais”, da Espanha, noticia a derrota do “SIM” no plebiscito colombiano

Catolicismo — Como o senhor vê a posição do Episcopado colombiano no processo de paz?

Dr. Alejandro Ordóñez — Houve declarações do Presidente da Conferência Episcopal que desorientaram os católicos, porque pretenderam induzir a opinião pública católica a votar afirmativamente no acordo de paz com argumentos emotivos, de que a paz era melhor que a guerra. Com isto desarmavam psicologicamente os católicos. Essa estratégia não surtiu, graças a Deus, qualquer efeito. Análoga posição assumiu o Cardeal Rubén Salazar, que durante todo o processo de Havana avalizou os acordos. Mas é importante reconhecer que houve vários bispos que tiveram a independência e a clareza necessárias para advertir os católicos colombianos. Digamos que houve discrepâncias na posição do Episcopado. O Presidente da Conferência Episcopal e o cardeal foram muito favoráveis ao acordo, mas houve outros setores que foram críticos.

 

Catolicismo — O senhor diria que os bispos favoráveis ao acordo foram ingênuos?

“É incrível que bispos não tenham advertido os católicos sobre como se pretendia transformar em norma constitucional os princípios essenciais da Ideologia de Gênero”

Dr. Alejandro Ordóñez — Dando-lhes o benefício da dúvida, podemos dizer que foram ingênuos, embora seja difícil sê-lo. Não só conhecendo as FARC, mas conhecendo a magnitude das concessões feitas. É incrível que os referidos bispos não tenham advertido os católicos sobre como se pretendia transformar em norma constitucional os princípios essenciais da Ideologia de Gênero, como o reconheceram os negociadores de Havana. Grupos de leigos católicos foram os primeiros a advertir e conseguir que a opinião pública reagisse de maneira muito inesperada.

Creio que o acontecido na Colômbia foi um autêntico milagre, uma vez que não era previsível que o governo e todos os interesses que estavam implicados no acordo fossem derrotados no plebiscito.

 

Catolicismo — Era todo o poder do Estado…

“Dois dias antes do plebiscito, o Papa Francisco fez declarações que desalentaram muitos leigos que estávamos pedindo para votar ‘não’ no plebiscito por causa de temas de caráter moral”

Dr. Alejandro Ordóñez — Estávamos lutando contra o mundo! Contra 15 partidos políticos, contra um governo que abusou do poder, que abusou dos recursos públicos, que chantageou a opinião pública, que chantageou os governadores, que recorreu a estratégias de guerra psicológica para amedrontar a opinião pública, dizendo: “Se votarem contra o acordo haverá guerra terrorista, haverá novos impostos”. Lutávamos contra o setor privado, que preferiu defender seus interesses e sacrificar os princípios. Lutávamos contra as Nações Unidas, contra a União Europeia, contra os Estados Unidos… Inclusive contra o Papa! Dois dias antes do plebiscito, o Papa Francisco fez declarações que desalentaram muitos leigos que estávamos pedindo para votar ‘não’ no plebiscito por causa de temas de caráter moral, pois víamos que a família e a infância iam ser agredidas pela Ideologia de Gênero. Isso representou uma bofetada dos nossos pastores, aos quais estávamos objetando por razões morais e doutrinárias o acordo de Havana.

 

Catolicismo — A decisão do Presidente Juan Manuel Santos de não convocar outro plebiscito para a ratificação do novo acordo não parece ser muito correta. O voto no Parlamento pode ser legal, mas a autoridade não fica com isso em má posição?

Dr. Alejandro Ordóñez — O que o senhor diz é correto. Embora jurídica e institucionalmente se possa [ratificar pelo Parlamento], essa não é a discussão. Ela é moral e política. O Presidente se comprometeu com os colombianos que eles teriam a última palavra. E como o povo recusou o acordo, agora descumpre sua palavra. Ele usurpou do povo colombiano essa esperança, essa possibilidade que o mesmo [povo] lhe havia concedido, para que a última palavra fosse do Congresso. Um Congresso que foi derrotado no plebiscito, porque 90% dos senadores e 80% dos deputados foram derrotados. E eles, que foram derrotados, são os que vão aprovar o que o Presidente chama de novo acordo. Mas isso de novo não tem quase nada. No essencial, o acordo velho permanece.

Estamos em face de uma ameaça, porque a sociedade vai aprofundar sua fratura. Estamos ante o desconhecimento da ação majoritária dos colombianos. Para usar uma expressão colombiana, “nos están haciendo conejo” [estão nos enganando, roubando]. Isso deslegitima nosso sistema político, fazendo-o perder credibilidade e seriedade. Pretende-se reviver por essa via uma figura que exprime claramente que estamos em um governo autoritário, posto que, através da via de referendamento, o acordo pelo Congresso pretende reviver leis habilitantes que haviam sido outorgadas ao presidente pelo ato legislativo para a Paz. Este ato estava condicionado ao triunfo no plebiscito. Como no plebiscito ele foi derrotado, essas faculdades habilitantes não podem ser ativadas. Produzido o referendamento pelo Congresso, pretendem reviver essas faculdades, que são abertamente totalitárias. É como na Venezuela, onde o presidente assume funções legislativas privativas do Congresso.

 

 

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