Corria o ano de 1918. A jovem chilena Joana Fernández Solar, dedicada estudante de História, apresenta três composições literárias ao Concurso Geral da Vicária, que a levaram a obter o primeiro prêmio, outorgado pela Academia.
É esta a mesma jovem que ingressará poucos meses depois no convento das Carmelitas de Los Andes (Chile), chamando-se a partir daí Teresa de Jesus, que veneramos com o nome de Santa Teresa de Los Andes.
Transcrevemos trechos da primeira das composições mencionadas, intitulada expressivamente “Demolidores e Criadores”. O conteúdo desta composição revela traços admiráveis e pouco conhecidos de seu pensamento e de sua personalidade. Sua visão de conjunto sobre decisivos acontecimentos históricos dos últimos séculos, a convicção com que esta jovem de 18 anos passeia pelos campos da teologia e da filosofia da História, e, sobretudo, sua fé na Igreja militante, constituem um reconfortante exemplo, uma admirável lição para todos aqueles que lutam em defesa dos valores da civilização cristã.
O fato de hoje as pessoas ficarem presas apenas a seus pequenos interesses e não levarem em consideração visões de conjunto como esta da jovem Joana, é que provoca a decadência intelectual e moral de nossos dias.
DEMOLIDORES E CRIADORES
“Há um poder sempre reinante, uma dinastia que não conhece ocaso, uma luz que jamais se extingue, e este poder tem sido sempre combatido, esta dinastia sem cessar perseguida, esta luz está continuamente circundada de trevas. Eis aqui a eterna história do poder da Igreja; da dinastia do Papado; da luz, da verdade. Enquanto tudo passa e perece a seus pés, a Igreja mantém-se erguida, porque está sustentada pelo poder do alto. Abramos a cortina do cenário dos povos modernos, e veremos que, em cada século, os filhos da Igreja têm que levar a seus lábios a trombeta guerreira. Esta luta não terminará porque eterno é o antagonismo entre a sombra e a luz. Enquanto os filhos da sombra demolem, os filhos da luz regeneram. Daí o título que adotamos: ‘Demolidores e Criadores’.
“O que se passou no século XVI? Os países da Europa se incendiaram no fogo de guerra fratricida. Na Alemanha, um astro sinistro se interpõe entre as almas e o sol da verdade. Lutero e seus sequazes dão o grito de guerra, o alvo de seus ataques é a autoridade da Igreja. Crede no que queirais! Qual é o fruto desta rebelião? A destruição da comunhão de ideias. As nações se veem inundadas em sangue, as almas envoltas nas trevas do erro, e a heresia, como rio desbordado, arrasta as massas populares, a nobreza, os tronos até os ministros do altar. Os canais por onde Deus derrama as graças sobre as almas estão, pois, envenenados.
“Mas, será possível que o mundo pereça? Não, eis que um novo astro surge no horizonte; é o ferido de Pamplona, Inácio de Loyola, que cai como soldado de um rei terreno e se levanta como guerreiro do Rei do Céu. Veio alistar uma companhia que não manejará a arma nem empunhará a espada. Quereis conhecer suas armas? O Crucifixo! Seu lema? Tudo para a maior glória de Deus! Seus soldados se derramaram por toda parte, e, portadores da luz da verdade, vão deixando atrás de si um sinal luminoso; luz derramam na Europa, na controvérsia, na pregação, no ensinamento; luz derramam nas Índias com Francisco Xavier que regenera nas águas do batismo milhões de almas; luz derramam os soldados da nova milícia por onde quer que dirigem seus passos.
“Viremos a página do século XVI e veremos no século seguinte o mesmo espetáculo de sombra e de luz, de demolidores e criadores. No século XVII vemos destacar-se entre as sombras uma figura de aspecto rígido e severo: Jansênio, que lança a frieza e a sombra por onde passa. A chama de amor vacila e acaba por extinguir-se com seu grito ímpio: ‘Cristo não morreu por todos! Fugi do Deus do Sacramento, posto que podeis perder sua boa vontade pela vossa indignidade. Fugi, Fugi!’, clamam os demolidores do século XVII, e as almas aterradas fogem… se enregelam e se perdem!…
“Deus estava ferido no mais delicado de seu amor… o Verbo pronuncia uma vez mais a palavra criadora que vai fazer brilhar a luz no meio das trevas: em Paray-Le-Monial se levanta um sol esplendoroso e vivificante. Jesus Cristo mostra a uma humilde visitandina seu Coração aberto, abrasado em chamas de amor, queixa-se do esquecimento dos homens e os chama a todos com insistência. A legião jansenista grita: Fugi, fugi!… A voz de Paray-Le-Monial chama em contrário: Venham, venham! A negra bandeira do terror cederá ante o formoso estandarte do amor, é isto tudo? Não, ali está o grande apóstolo da caridade, São Vicente de Paulo, que à imitação do Divino Mestre, chama o pobre, o enfermo, o menino; para todos há lugar em seu coração.
“A luta não terminou; o inimigo espreita sempre a Igreja. A tempestade é mais terrível do que nunca no século XVIII. Os corifeus da maldade, Voltaire e Rousseau, aparecem, o primeiro com o sorriso jocoso nos lábios e a blasfêmia na pluma, o segundo com o sofisma e a confusão nas ideias, e ambos com a corrupção no coração. Os pretendidos filósofos querem explicar tudo racionalmente, e proclamam à face do mundo que não há Deus, e arrancam Cristo do coração de nobres e plebeus, e ainda se atrevem a arrancá-lo do coração da criança.
“Parem, infames! Está ultrapassada vossa medida, esse santuário de inocência não pode ser traspassado, essas crianças pertencem a Jesus Cristo! Um apóstolo se levanta em nome do Deus da infância. João Batista La Salle funda as escolas cristãs, encerrando no coração dos pequeninos desvalidos a faísca da fé que se extingue por todas as partes […]”.
“Ó Igreja, teu poder jamais será destruído! As trevas cobriram a face do universo na aurora do Tempo e ao ‘Fiat lux’ fugiram vencidas. Mais tarde as sombras da idolatria cobriram o mundo antigo, veio o Verbo e dissipou as trevas, porque o Verbo era a Luz. Hoje as sombras cobrem de novo o orbe cristão; mas ali está a palavra de Cristo, Verdade eterna: ‘Aquele que me segue e cumpre minha palavra não anda nas trevas’.
“Ó palavra de vida! A Ti amor eterno, a Ti eterna felicidade!”.
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(Cfr. Un lirio del Carmelo: Sor Teresa de Jesús- Juanita Fernández S., 1900 – 1920″, pp. 555 a 559; Imprenta de San José, Santiago, 1929).
Esse exemplo de Santa Joana Fernandes Solar mostra bem como a vida comtemplativa das Ordens Religiosas não se eximem de ver a História, tal como Deus, Nosso Senhor a vê, isso é na sua totalidade, e na sua complexidade. Olha de frente os problemas, analisa-os, os caracteriza, e lhes dá a solução.
Essa é a postura de um católico, que a Santa Igreja nos ensina através de seus Santos.
A nossa atitude deve ser de reverência e admiração.
É importantíssimo sabermos dessas histórias da Igreja, principalmente relatadas por nossa Santa Teresa de Los Andes. Guardemos em nossas memórias o que é mais belo de nossa Igreja.
Puxa! Dir-se-ia que ela se inspirou no livro Revolução e Contra-Revolução de Plinio Corrêa de Oliveira, se ela não fosse anterior. Uma jovem inspirada!