A Tradição desprezada volta à luz, após as trevas do “espírito do Concílio”
Os homens trabalhavam apenas para realizar uma reforma corriqueira na Igreja de Nossa Senhora do Ó e Conceição, em Valença, Piauí. Mas algumas marteladas na parte inferior do altar, localizado na capela do Santíssimo Sacramento, surpreenderam os pedreiros com o encontro de duas imagens: uma de Santa Teresa d’Ávila; e outra de Santo Antônio de Pádua com o Menino Jesus nos braços. Belas e expressivas figuras escondidas, esquecidas, agora voltavam à luz [foto acima].
Segundo o pesquisador Antônio José Mambenga,1 há décadas corriam rumores — lendas urbanas, como se diz hoje no jargão jornalístico — entre os habitantes de Valença sobre supostas imagens de santos enterradas na igreja. Nada havia sido comprovado, até a descoberta feita pelos pedreiros em 21 de novembro do ano passado. O que terá ocorrido para que as imagens fossem colocadas lá?
Em entrevista,2 o atual pároco, Pe. Klebert Viana, explicou que algumas diretrizes vindas do Concílio Vaticano II (1962-1965) tinham determinado novas práticas na Igreja. Segundo ele, uma das novidades era enfatizar “a centralidade a Cristo”. Com base nessa “palavra de ordem”, propagou-se a ideia de que a devoção aos santos desviava de Cristo, atrapalhava o culto a Cristo. Eis a explicação do padre: “Essas igrejas mais antigas tinham muitos altares laterais, com muitas imagens. Houve a orientação [vinda do Concílio] de que as igrejas que fossem construídas a partir de então tivessem poucas imagens, dando a centralidade a Cristo”.
Bem entendido, não houve uma norma explícita nos documentos conciliares, no sentido de eliminar as imagens.3 Houve sim uma onda — o chamado “espírito do Concílio”, impulsionado pelo progressismo — que trouxe consequências não apenas para futuras construções, mas também provocou, naquela época, uma lamentável dilapidação das antigas igrejas. Inúmeras delas foram despojadas das imagens sacras e de outros ornamentos tradicionais.
Fumaça de Satanás
Desde o Concílio, os novos templos católicos, e também os que foram submetidos a reformas, passaram a exibir invariavelmente as paredes nuas, seguindo as tendências da arquitetura moderna. Disforme, insensata, inadequada à verdadeira religiosidade, a tal arquitetura moderna não escondia sua faceta revolucionária, e procurou andar bem longe dos tradicionais e veneráveis estilos barroco e gótico.
Essa negação do legado de dois mil anos de história do catolicismo confunde-se com o mesmo caudal que suscitou a constatação do Papa Paulo VI em 1972: a partir do Concílio, “a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”.
E a onda progressista — a fumaça, diríamos — chegou à pequena Valença, no Piauí. Supõe-se que o Pe. Raimundo Nonato Marques, então pároco, tenha recebido ordem para retirar as imagens da igreja. Mas não quis simplesmente jogá-las no lixo nem destruí-las. Decidiu colocá-las debaixo do altar do Santíssimo Sacramento, selando-as com uma parede de tijolos.
Não dispomos de informações seguras sobre a decisão. Mas, apenas como hipótese, talvez o sacerdote (hoje falecido) tivesse a esperança de um dia devolvê-las aos altares da igreja, de onde nunca deveriam ter saído. Mas por que dar-se ao trabalho de sepultá-las debaixo do altar do Santíssimo Sacramento? Por que não as colocar na sacristia, por exemplo? Recearia o Pe. Marques receber nova ordem superior, proibindo a ostentação das imagens mesmo em lugar secundário? Ao considerarmos a onda revolucionária de dilapidação das igrejas, tal receio do padre parece plausível.
Então, lá permaneceram esquecidas as belas imagens de Santo Antônio de Pádua e Santa Teresa d’Ávila, por quase 60 anos! Detalhe repleto de simbolismo: debaixo do altar, elas pareciam como que guardadas pelo Santíssimo Sacramento, pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo. Podemos imaginar Jesus sacramentado exclamando: “Deixem, que Eu mesmo cuidarei das imagens dos meus santos. Se os homens as desprezam, Eu as conservarei como um tesouro meu!”.
Três passos do progressismo
A onda de destruição e modificação das igrejas, a partir dos novos ventos nefastos do Concílio, causa ainda mais horror ao observarmos as suas consequências. Antes de tudo, a desculpa de uma “centralidade a Cristo”, para justificar a retirada das imagens, se mostrou de uma hipocrisia completa. Nas próprias igrejas modernizadas, hoje os sacrários são normalmente dispostos em capelas laterais; ou, quando muito, ao lado do altar em forma de mesa na nave central! Muito ao contrário do que prometia o “espírito do Concílio”, Cristo nem sequer está no centro das igrejas “atualizadas”. Daí constatarmos três passos dos reformadores, passos sucessivos da “fumaça de Satanás”: primeiro retiraram as imagens dos santos, “para colocar Cristo no centro”; depois colocaram Cristo de lado; e agora chegamos ao terceiro passo. Qual é esse passo?
Como se não bastassem os inaceitáveis dois passos anteriores, o mundo católico assistiu estarrecido à recente introdução e celebração, na Basílica de São Pedro, feita por numerosos personagens do alto clero, e na presença do Papa Francisco, em louvor a um ídolo indígena pagão, a Pachamama. A imagem pagã foi também colocada num altar lateral da Igreja de Santa Maria em Traspontina, para ser cultuada pelos fiéis. Dentro dessa lógica absurda, uma pergunta é inevitável: se as imagens dos santos prejudicam a centralidade de Cristo, o que faz esse ídolo nas igrejas? Esse, sem a menor dúvida, é o terceiro passo desejado pelo progressismo que circunda o Papa Francisco: substituir Cristo pela Pachamama e outros ídolos equivalentes.
A veneração das imagens, uma tradição milenar da Santa Igreja, muito longe está de afastar Jesus Cristo do centro. Pelo contrário, essa veneração dos santos do Senhor nos aproxima d’Ele. O que inegavelmente afasta Jesus Cristo do centro é o abandono das tradições católicas, entre as quais está a veneração (não adoração) das imagens dos santos, especialmente de Nossa Senhora.
Quanto simbolismo podemos extrair, não só da descoberta em si, mas de toda a história que envolve as imagens, e de seus desdobramentos até os dias atuais! Enfim, vemos aí mais motivos para as lágrimas de Nossa Senhora.
Um raio de luz e esperança
Todo esse panorama se apresenta carregado de trevas. Mas a descoberta das imagens em Valença parece simbolizar uma tênue luz a estimular nossa esperança. Representam também um sinal da intervenção iminente de Nossa Senhora as estupendas reações que presenciamos, entre os católicos, contra o progressismo infiltrado na Igreja. Se as santas imagens escondidas, depois de longo tempo voltaram à luz, a Santa Igreja Católica, imortal como o próprio Jesus Cristo, também voltará à luz em todo seu esplendor.
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 829, Janeiro/2020.
Notas
- https://cidadeverde.com/noticias/312748/imagens-enterradas-ha-60-anos-sao-achadas-embaixo-de-altar-da-igreja-de-valenca
- https://vozdopiaui.com/imagens-enterradas-ha-quase-60-anos-foram-encontradas-no-piaui/
- A Constituição Conciliar Sacrossantum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, no nº 125, recomenda o uso das imagens, mas determina que este seja “comedido e na ordem devida, para não causar estranheza aos fiéis nem contemporizar com uma devoção menos ortodoxa”.
Autodemolição da Igreja, Concílio Vaticano II, Esperança, Piauí, Valença