O Movimento de Oxford consistiu numa notável ação da graça sobre alguns dos mais prestigiosos intelectuais da Igreja Anglicana, levando a maioria deles a procurar a verdadeira Religião. Calcula-se que mais de 300 pessoas — entre intelectuais, profissionais liberais, artistas e simples leigos — abjuraram o anglicanismo e entraram para a Igreja Católica sob o impulso dessa graça.
No início do século XIX, o catolicismo na Inglaterra estava em um estado lamentável, quase catacumbal. Seus fiéis não tinham direitos civis e eram considerados pelos anglicanos como párias da sociedade. Pior. “Tendo a mentalidade dos povos vencidos, [os católicos] dissimulavam sua fé, celebravam um culto sem brilho em capelas modestas; seus sacerdotes não tinham o espírito apostólico; desprovidos de formação intelectual séria, não podiam assim se impor à atenção de seus adversários”[i].
Entretanto, essa situação começou a mudar com a chegada de emigrados franceses — muitos deles padres e nobres, marcados pelo sofrimento e pela fidelidade à Religião e ao rei —, que fugiam da satânica Revolução em seu país.
Sua vida edificante e o bom exemplo que davam, começaram a dissipar muitos dos preconceitos contra a Igreja romana. Frequentando os grandes salões da aristocracia, com sua fé inabalável e sua conduta sem mancha, eles muito fizeram para que essa visão negativa diminuísse.
Emancipação e direito de voto O’Connell e o Pe. Wiseman
Para que se possa ter ideia de até que ponto a opressão aos católicos chegava, para a sua emancipação o governo lhes exigia um juramento de fidelidade, arrogava-se o direito de veto às nomeações feitas pela Santa Sé no país, e o placet, isto é, a necessidade prévia de autorização oficial para serem publicados na Inglaterra quaisquer documentos eclesiásticos.
Isso provocou uma heroica resistência, principalmente dos católicos irlandeses chefiados por Daniel O’Connell, diante da qual o governo teve que ceder. Renunciou ao placet e ao veto, exigiu dos católicos um mero juramento de obediência civil, e lhes concedia a igualdade de direitos políticos e a possibilidade de exercer todos os cargos públicos, salvo poucas exceções. Esse Catholic EmancipationBill foi aprovado em 1829, válido para todo o Reino Unido, e completado em 1832, ainda por pressão dos irlandeses, pelo Great Reform Bill, que ampliou todos os outros direitos.
Um dos grandes católicos ingleses que se aproveitariam muito dessas medidas foi o Pe. Nicolau Wiseman, doutor em teologia e mestre em estudos bíblicos e línguas orientais. Vice-reitor do Colégio Inglês de Roma, vendo a liberdade da religião restabelecida em sua pátria, a ela regressou em 1833, entregando-se ao apostolado.
Associando-se a Daniel O’Connell, grande líder do catolicismo irlandês, o Pe. Wiseman fundou a “Dublin Review”, a qual se tornaria um dos grandes sustentáculos do movimento católico anglo-irlandês; dirigida mais tarde por Ward (convertido do Movimento de Oxford, como veremos), seria um dos órgãos mais vibrantes e enérgicos na defesa da infalibilidade do Papa por ocasião do Primeiro Concílio Vaticano.
Nasce o Movimento de Oxford
Nessa época a Igreja Anglicana, apesar de todos os seus privilégios, perdera de modo geral qualquer preocupação religiosa, pela atitude displicente dos seus altos dignitários eclesiásticos, transformando-se em mero organismo do governo. Abandonara a teologia, e se restringia a uma liturgia rotineira, sem vida nem atrativo. Isso provocava descontentamento em amplas camadas mais conservadoras de seus fiéis.
A primeira reação contra esse estado de coisas surgiu em 1833, quando o governo britânico, por pressão de O’Connell e dos católicos irlandeses, aboliu parte dos bispados protestantes na Irlanda, que viviam abusivamente das doações obrigatórias dos católicos.
Isso foi visto pelos anglicanos ingleses inconformados como mais um sintoma da decadência de sua igreja. Aproveitando o pretexto dessa medida, levantou-se o pastor João Keble, muito conceituado nos meios anglicanos e tido como um dos mais brilhantes intelectuais do país. Num sermão contra o que chamava de “apostasia nacional”, ele criticava a igreja oficial da Inglaterra num todo, e conclamava os anglicanos a se unirem contra a inércia de seu alto clero.
Seu sermão foi impresso e largamente divulgado, e considerado por Newman como o início do Movimento de Oxford, que visava reformar o anglicanismo e torná-lo capaz de deter os progressos do “papismo” no país.
Outros homens de projeção uniram sua voz à de Keble. E a Universidade de Oxford, que se gloriava de ser como que a cidadela da High Church — a parcela mais conservadora do anglicanismo e o baluarte do protestantismo britânico — se colocou então à frente dos descontentes, procurando restaurar pelo menos os estudos de Teologia, completamente abandonados.
Mas foram sobretudo seus professores mais jovens, mais abertos em relação ao passado e às origens do Cristianismo, que aderiram com fervor à conclamação de Keble, fazendo suas as aspirações dos estudantes que desejavam uma renovação da vida religiosa na Inglaterra.
Nessa ocasião, aquele que seria depois o líder de maior projeção desse movimento, e acabaria entrando para a Igreja Católica — o futuro cardeal João Henry Newman —, estava fora do país. Mas se solidarizou com Keble e quis atender de algum modo seu apelo de reforma.
Os “Tracts for the Times”
Newman iniciou então a publicação de uma série de folhetos (tracts, o que levou os membros do movimento a serem conhecidos como “tractarianos”) inicialmente anônimos, nos quais, sob o título geral de “Tracts for the times”, expunha as ideias renovadoras que circulavam em Oxford.
Desde 1828 Newman era pastor da capela do colégio Saint-Mary, onde começou a reunir vários discípulos e amigos, que se entregaram com entusiasmo à difusão dos tracts e das ideias reformistas de Oxford.
Nos primeiros panfletos (1833-1835), que atingirão depois o impressionante número de 90, ele afirmava que “era necessário dissipar a ignorância, causa de uma grande parte do mal do qual sofria a Igreja [Anglicana]”. E completava: “Era preciso instruir não somente os fiéis, mas os próprios clérigos, sem excetuar os bispos”.
Os tracts foram pouco a pouco perdendo seu caráter de propaganda e se transformando em verdadeiros tratados. Difundidos em todo o país, a eles se deve a formação do ambiente que favoreceu as inúmeras conversões à Fé verdadeira que assinalaram a história religiosa da Inglaterra no século XIX.
William George Ward
Um dos novos discípulos de Newman foi um fogoso professor de Balliol, William George Ward. Mais coerente que seu mestre, “depois de convertidos, Newman e Ward colocar‑se‑ão em campos opostos. O segundo será um dos campeões do ultramontanismo, no que não será acompanhado pelo seu antigo chefe. […] Newman não suportava a lógica implacável do fellow de Balliol, cujos repetidos apartes o obrigavam a ir mais longe do que desejava”. […] Enquanto permaneceram protestantes, trabalharam juntos, e foi a união entre eles que permitiu o êxito incomparável desse Movimento de Oxford”[ii].
Pelas atitudes de Ward e de vários outros membros do movimento, podia-se sentir que eles se aproximavam cada vez mais da Igreja Católica. E não era difícil prever a conversão dos jovens discípulos de Newman, que estavam de boa fé, à verdadeira religião, “o que Newman tentava desesperadamente evitar. Ele queria uma reforma da igreja anglicana, e não uma conversão ao catolicismo”[iii].
“A verdade não podia estar em Roma”
É preciso dizer que muitos dos tractorianos, como bons protestantes que eram, “não admitiam a autoridade do Papa nem a devoção à Santíssima Virgem e aos Santos, nem o sacrifício da Missa, apesar de crerem na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia”; e de modo geral acreditavam que a verdade “não podia estar em Roma, que, segundo eles, a havia ampliado, e nem no protestantismo, que a havia reduzido; nem tampouco no anglicanismo, que havia abusado da mesma. Assim Newman considerou sempre o anti-romanismo como o terceiro princípio do movimento”[iv]. Ele afirmava que a Igreja Católica era apenas um ramo da verdadeira Igreja, sendo os outros dois a Igreja Ortodoxa e a Igreja Anglicana.
O Pe. Wiseman entrou na discussão e, com argumentos extraídos das obras dos Padres e da história dos primeiros séculos do cristianismo, combateu as várias teorias de Newman, tornando insustentável a posição do Movimento de Oxford.
Divisão e fim do Movimento
À medida que iam sendo publicados, os tracts se aproximavam cada vez mais de Roma. Quando saiu seu número 90 [foto ao lado], que já representava praticamente o repúdio do protestantismo, o Conselho de Oxford, seguido por vários bispos anglicanos, o condenou.
Essa atitude hostil e a posição singularmente avançada dos ardorosos entre os tractarianos dividiram definitivamente o movimento: muitos, continuando sua evolução, irão para a Igreja romana; outros, seguindo Pusey, permanecerão fiéis ao anglicanismo e tentarão a obra de sua reforma. De maneira que a História considera o ano de fevereiro de 1845 como a data do desaparecimento do Movimento de Oxford.
Conversões de Ward e de Newman
Para abreviar, diremos que, tomando a dianteira, em setembro de 1845 Ward deu o passo decisivo e se converteu ao catolicismo. Em 3 de outubro de 1845 Newman se demitiu da Universidade de Oxford, e cinco dias depois abjurou o protestantismo perante o hoje venerável Pe. Domingos da Mãe de Deus, Superior dos Passionistas na Inglaterra.
Cumpre lembrar que São Paulo da Cruz [imagem ao lado], ao fundar a Congregação dos Passionistas, colocou como uma de suas finalidades rezar pela volta dos países que tinham se afastado da ortodoxia, principalmente a Inglaterra. Num êxtase, ele viu seus filhos trabalhando nesse país.
Em resumo, aquilo que havia começado como um movimento anglicano e anticatólico, terminou fornecendo à Igreja Católica inglesa nascente — a hierarquia foi restaurada em 1850 — um grupo de intelectuais dos mais prestigiosos do país.
Com o fim do Movimento de Oxford os progressistas da igreja anglicana infelizmente tomaram a dianteira, produzindo sob a influência de Arnold um novo gênero de liberalismo, “mais duro e mais independente que as formas antigas, mais cortante em suas críticas, concedendo cada vez menos importância à tradição, não tendo, como os tractorianos, o respeito pelo passado. […] Ele derrubará as autoridades vitoriosas dos tractorianos, e transtornará de alto a baixo as instituições universitárias”[v]. Essa revolução degenerativa vigora até os nossos dias.
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[i] L. Marshall, Oxford Mouvement, Dictionnaire de Théologie Catholique, Librarie Letouzey et Ané, Paris, 1932, tomo XI, col, 1675.
[ii] Fernando Furquim de Almeida, Os católicos ingleses no século XIX, “Credo in Newmanum!”, Catolicismo n. 91, julho de 1958.
[iii] Id.ib.
[iv] Peter Bristow, Movimiento de Oxford, Gran Enciclopedia Rialp, Ediciones Rialp, Madri, 1973, tomo XVII, p. 541.
[v] L. Marshall, op.cit. col. 1702.
Yus! São João Fischer e São Thomas (a lot) More estão comemorando. Eles não perderam a cabeça à toa. Quem está em busca da verdade e lê sobre a instituição do anglicanismo por aquele balofo do rei Henrique VIII – papai do anglicanismo, que se casou seis vezes, evidentemente se converte à única Religião verdadeira.