Liceidade da resistência
Diante desta situação geral, é lícito não apenas ficar perplexo, mas até resistir, segundo o modelo ensinado por São Paulo (Gal 2, 11). Não se trata de pôr em discussão a autoridade pontifícia — perante a qual nosso amor e nossa veneração não devem senão crescer —, mas é o próprio amor ao Papado que deve nos levar à resistência a gestos, declarações e estratégias político-pastorais que contrastam com o depositum fidei e a Tradição da Igreja. Se é verdade que nenhuma heresia pode ser ensinada infalivelmente pelos Papas, também é verdade que um Papa pode errar se não fizer uso do carisma da infalibilidade ou abordar uma questão não coberta por esse último. E, nesse caso, por amor à verdade e à Igreja, os fiéis podem e devem resistir.
Todo fiel que ama verdadeiramente a Igreja é levado a ter grande respeito e afeição pelo Papado, pela Sagrada Hierarquia e pelo magistério eclesiástico. Essa ligação espiritual o leva a achar inimaginável ou, pelo menos, a admitir dificilmente que a Igreja possa alguma vez errar, mesmo em assuntos disciplinares. Essa atitude psicológica se viu reforçada pelo renovado prestígio que o Papado adquiriu com a proclamação dos dogmas da primazia de jurisdição do Sucessor de Pedro e da infalibilidade pontifícia, na Constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I, promulgada pelo Beato Pio IX.
Ao longo do século XX, porém, e de modo mais pronunciado na crise que se manifestou principalmente a partir do Concílio Vaticano II — cujos episódios mais notórios consistiram na revolta de prelados e teólogos progressistas contra documentos pontifícios de teor tradicional, como as encíclicas Humanae vitae e Veritatis Splendor —, uma posição errada começou a se esgueirar na atitude de alguns dos melhores católicos conservadores. Tal posição consistia em criticar os progressistas, não tanto por se afastarem do ensino tradicional, mas por atacarem o magistério do Papa reinante; de maneira que, no subconsciente dos que assim agiam, a regra da ortodoxia deixou de ser primordialmente a concordância com o ensino das Sagradas Escrituras e da Tradição, passando a ser a concordância com o magistério mais recente, como se este fosse a regra máxima da fé.
Esse desvio, chamado por alguns de “magisterialismo”1, desembocou inevitavelmente numa forma de positivismo magisterial muito parecida com o positivismo legal. Assim como este último sustenta que a lei é lei não por ser justa, mas por ter sido promulgada pela autoridade competente, o positivismo magisterial afirma que, por ser o magistério atual a regra suprema, tem de ser verdadeiro tudo quanto afirmem o Papa de turno e os bispos que o seguem2.
As novidades magisteriais implícitas na mudança de paradigma promovida pelo Papa Francisco deram origem a esta situação paradoxal: enquanto os conservadores afetados pelo “magisterialismo” ficaram paralisados ante a perspectiva de terem que discordar do Papa reinante, os antigos rebeldes se transformaram em corifeus do magistério papal.
De fato, segundo prelados, teólogos e intelectuais favoráveis ao ralliement da Igreja com Modernidade — ou seja, com a Revolução anticristã —, os fiéis católicos seriam obrigados em consciência a acompanhar o rumo que o Papa Francisco vem imprimindo à Igreja, e julgam que não seria lícito discordar de seus ensinamentos ou resistir às suas orientações e decisões nessa direção.
Sintomático disso é o fato — relativamente à controvérsia sobre a comunhão para os divorciados recasados — de figuras representativas da corrente progressista e de outras próximas do Papa Francisco terem alegado que sua clara mudança de orientação seria o resultado de uma ação direta do Espírito Santo, e que, portanto, recusá-la equivaleria a opor-se aos desígnios de Deus.
É mesmo preferível “enganar-se com o Papa a ter razão contra ele”?
O caso mais expressivo é o de Mons. Pio Vito Pinto, decano da Rota Romana, o qual, em entrevista para Religión Confidencial, declarou que as pessoas que exprimem dúvidas em relação à Amoris laetitia estão questionando “dois sínodos de bispos sobre o matrimônio e a família. Não um sínodo, mas dois! Um ordinário e outro extraordinário. Não se pode duvidar da ação do Espírito Santo”, concluiu ele3. Daí que, para essa corrente progressista, a oposição a tais reformas não pode provir senão do egocentrismo4, da defesa egoística de antigos privilégios5 ou simplesmente do medo de sair da rotina por temor da mudança6.
Isso leva os paladinos da corrente progressista a exigir uma adesão total ao novo magistério, sem fazer as devidas distinções entre os diferentes graus de solenidade dos ensinamentos pontifícios e do assentimento devido aos mesmos. Por exemplo, em uma entrevista para a revista jesuíta dos Estados Unidos, o cardeal Donald Wuerl, falando dos opositores da linha seguida pelo atual pontífice, afirmou: “A Igreja ‘com e sob Pedro’ vai adiante. Sempre há gente que está descontente com algo que acontece na Igreja, mas a pedra de toque do catolicismo autêntico é a adesão ao ensinamento do Papa. A roca é Pedro, a pedra de toque é Pedro e, como diz o Santo Padre, é a garantia da unidade. […] Eles [os Papas] são a pedra de toque da autenticidade da fé”7.
Criticando explicitamente um dos cardeais signatários dos dubia sobre a interpretação da Amoris laetitia, o cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa e secretário do Conselho dos Nove para a reforma da Cúria, no livro que lançou em 2017 na Itália, chegou a identificar a pessoa do Papa com o magistério da Igreja: “Ele [o cardeal Burke] não é o magistério: o Santo Padre é o magistério, e é este quem ensina a toda a Igreja. Esse outro exprime somente suas próprias ideias, que não merecem mais comentário. São apenas palavras de um pobre homem” [sic!]. E acrescentou, sem as devidas distinções, no parágrafo final: “Os cardeais ‘papáveis’ que [os conservadores] queriam ficaram ali mesmo, enquanto aquele que o Senhor quis é o que foi eleito8; logo, o dissenso é lógico e compreensível, [porque] não podemos todos pensar do mesmo jeito; todavia, é Pedro quem guia a Igreja e, portanto, se temos fé devemos respeitar as escolhas e os estilos do Papa vindo do ‘fim do mundo’. […] Se alegam encontrar uma ‘heresia’ nas palavras de Francisco, estão cometendo um grande erro, porque estão pensando somente como homens e não como o Senhor quer. […]”.
O cardeal Maradiaga conclui o prefácio de seu livro dizendo que é preciso uma lealdade incondicional ao ocupante da cátedra de Pedro: “Antes se chamava Bento, antes disso se chamava João Paulo II, e assim por diante. O que Jesus me pede é ser leal a Pedro. Quem não faz isso procura apenas popularidade”9.
O ex-presidente da diminuta Conferência Episcopal da Grécia — o capuchinho Dom Fragkiskos Papamanolis, bispo emérito di Syros, Santorini e Creta —, chegou a afirmar que os cardeais que apresentaram os dubia, além do pecado de escândalo, cometeram “o pecado de heresia (e de apostasia? Assim, de fato, começam os cismas na Igreja)”. E acrescentou: “Fica claro no vosso documento que na prática não acreditais na suprema autoridade magisterial do papa, reforçada por dois sínodos de bispos provenientes de todo o mundo. Vê-se que o Espírito Santo inspira somente vós, e não o Vigário de Cristo e nem sequer os bispos reunidos em Sínodo”10.
Até em uma matéria tão contingente como a da imigração não seria aparentemente lícito dissentir do Papa Francisco. O jornalista Laurent Dandrieu conta em seu já citado livro o expressivo caso do sacerdote e capelão militar Christian Venard, que após as surpreendentes declarações papais identificando a violência islâmica com a suposta violência católica, escreveu um primeiro artigo intitulado “O Papa Francisco e a ‘violência católica’: estupefação, reflexão e reverência”11, mas que, na semana seguinte, se viu obrigado a escrever um segundo artigo com o título “Prefiro enganar-me com o Papa a ter razão contra ele” e o subtítulo “Da necessidade de seguir o Santo Padre em qualquer circunstância” 12, excetuando depois, no corpo do artigo, apenas o pecado.
Outro exemplo de promoção de uma aceitação incondicional foi fornecido pelo teólogo Ashley Beck, professor de doutrina social da Igreja na Universidade St Mary’s, no sudeste de Londres, a respeito da Laudato Sì: “Enquanto a Igreja permite pontos de vista divergentes em alguns assuntos (Laudato Sì, 61), não somos livres de dissentir dos ensinamentos dessa encíclica, do mesmo modo como não somos livres de dissentir do ensinamento católico sobre outros assuntos morais”13.
O que pensar dessas avaliações? São elas doutrinariamente aceitáveis e factualmente objetivas e justas? É mesmo melhor, como disse o capelão militar francês, “enganar-se com o Papa a ter razão contra ele”? Pede porventura o Espírito Santo que renunciemos à nossa razão? Ou que, pelo contrário, permaneçamos fiéis às verdades perenes e imutáveis da fé católica, nutrindo-nos para isso com o sensus fidei para que possamos, se necessário, resistir às autoridades eclesiásticas?
O Espírito Santo não foi prometido para pregar uma nova doutrina
Não é preciso possuir um conhecimento especializado de eclesiologia para compreender que a autoridade e a infalibilidade papais têm limites e que o dever de obediência não é absoluto. Essa posição equilibrada pode ser sintetizada nas seguintes verdades, que fazem parte do patrimônio intelectual e espiritual de todo católico bem formado:
Pela fé sabemos que, por vontade expressa do mesmo Jesus Cristo, o Papa é a cabeça da Igreja visível enquanto sucessor de Pedro a quem foram dadas as chaves do Reino, o que explica não somente todo o nosso amor por ele (“o doce Cristo na terra”, como dizia Santa Catarina de Siena), mas também a obediência aos seus ensinamentos e decisões enquanto Doutor e Pastor universal do rebanho de Cristo. Mas, como lembrou oportuna e concisamente Dom Athanasius Schneider, bispo-auxiliar de Astana, em uma entrevista ao portal católico Rorate Coeli,“a Igreja não é propriedade privada do Papa. O Papa não pode dizer: ‘Eu sou a Igreja’, como fez o rei da França Luís XIV, que disse: ‘L’État, c’est moi !’ [O Estado sou eu!] O Papa é somente o Vigário, não o sucessor de Cristo”14.
De fato, o Papa — cujo ministério supremo é o de “confirmar seus irmãos” na fé (Lc 22, 32) — é o primeiro a dever custodiar, interpretar e anunciar ao mundo a Palavra de Cristo, sem nada ajuntar nem tirar (Dt 4, 2). Como disse o apóstolo São Paulo, “ainda que alguém — nós ou um anjo baixado do céu — vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema” (Gal 1, 8). Por isso, no próprio preâmbulo da constituição Pastor Aeternus, que define a infalibilidade pontifícia, o Concílio Vaticano I declara solenemente que “o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos”15.
Não há dúvida de que o sopro do Espírito Santo “renova a face da terra” (Sal 103, 30) e conduz a Igreja à plenitude da verdade (Jo 16, 13), servindo-se do seu magistério vivo — e especialmente do magistério pontifício — para mediar e atualizar o ensinamento divino imutável. Mas Ele o faz, não no sentido de ensinar verdades novas, mas no sentido de aprofundar melhor essas mesmas palavras reveladas que não passam (Mt 24, 35). O magistério, portanto, não contém e não propõe nenhuma novidade, mas reitera e aprofunda de uma maneira nova a mesma verdade contida nas Escrituras e na Tradição: non nova sed nove. Por isso, no exercício do magistério deve estar ausente a menor sombra de contradição entre verdades antigas e novas, uma vez que as verdades contidas no depósito da fé são imutáveis e o progresso na sua compreensão deve ser “no mesmo sentido, segundo uma mesma interpretação” (Comonitório de São Vicente de Lérins, 23)16. A verdade católica não subsistiria, não haveria verdadeira Tradição, se houvesse contradição entre um ensinamento ou disciplina nova e um ensinamento ou disciplina imemorial17.
Há ocasiões em que é legítimo suspender prudencialmente o assentimento
A infalibilidade do ensino — ou seja, a não contradição com o depósito da fé confiado à Igreja — foi garantida à Igreja unicamente em duas situações bem precisas: a) nas declarações solenes (ex cathedra)do Papa ou de um concílio reunido e aprovado pelo Papa; e b) no ensinamento ordinário universal dos bispos em união com o Papa18, ou seja, naquilo que foi ensinado “em todas as partes, sempre e por todos”19. Logo, os ensinamentos do magistério quotidiano ou autêntico que não gozam de nenhuma antiguidade e trazem novidades não estão revestidos do carisma da infalibilidade e, portanto, não constituem regra próxima da fé (a qual não admite nenhuma dúvida). A eles deve ser dado não um assentimento de fé, mas apenas um assentimento religioso da inteligência e da vontade20.
Ora, quando aparece claramente uma contradição entre uma novidade magisterial e o ensino tradicional – ou quando um ensinamento ou uma prescrição são claramente contrárias à razão (como na questão da imigração ou da agenda ecológica radical) – não é obrigatório “errar com o Papa”21, sendo perfeitamente legítimo suspender prudencialmente o assentimento22 e até mesmo fazer-lhe uma “correção fraterna”23. Vale para o magistério pontifício ou para os gestos ou atitudes do Papa aquilo que Mons. Brunero Gherardini, por muitos anos decano da faculdade de Teologia da Universidade Lateranense, afirmou, com sua profundidade habitual, a respeito do magistério da Igreja em geral: “O Magistério não é uma super-igreja que imporia seus juízos e comportamentos à própria Igreja, nem uma casta privilegiada acima do povo de Deus, uma espécie de poder forte ao qual se deveria obedecer e ponto final. (…) Muito frequentemente se faz do instrumento um valor em si [independente], e se recorre a ele para cortar toda discussão desde sua origem, como se ele estivesse acima da Igreja e como se não houvesse diante de si o peso enorme da Tradição a acolher, interpretar e retransmitir em sua integridade e fidelidade”24.
A resistência pública aos ensinamentos errados é legítima
Mais ainda, em casos graves é legítimo resistir publicamente aos pastores — e até mesmo ao Pastor Supremo —, quando a resistência privada ou o simples silêncio obsequioso não for suficiente para que os fiéis permaneçam fortes na fé (1 P 5, 9); para a salvaguarda da fé da Igreja, ou ainda para a defesa do pouco que resta de cristão nos países em que os fiéis são cidadãos.
São numerosos os tratadistas do melhor quilate que reconhecem explicitamente a legitimidade da resistência pública às decisões ou ensinamentos errados dos pastores, inclusive do Soberano Pontífice. Eles foram amplamente citados no estudo de Arnaldo Xavier da Silveira intitulado “Resistência pública a decisões da autoridade eclesiástica” e publicado pela revista Catolicismo em agosto de 196925. O primeiro desses grandes autores citados é o próprio Santo Tomás de Aquino26, seguido de São Roberto Bellarmino27, Suárez28, Vitória29, Cornélio A Lápide30, Werns-Vidal31 e Peinador32.
Analisando as passagens em que certos tratadistas parecem legitimar apenas o silêncio obsequioso, mas não a resistência pública, o estudo citado mostra que tais autores tratam de casos ordinários, mas não dos casos extraordinários nos quais há um “perigo próximo para a fé” do povo cristão (Santo Tomás), uma manifesta “agressão às almas” (São Roberto Bellarmino) ou um “escândalo público” (Cornélio A Lápide). “Sustentar o contrário seria desconhecer o papel fundamental da Fé na vida cristã”, conclui A. Xavier da Silveira, em cuja opinião isso é válido tanto para os ensinamentos doutrinários quanto para as decisões disciplinares.
O direito a seguir a via da fidelidade ao Evangelho em matéria de fé e de moral e, em matéria contingente, a liberdade de consciência de seguir as próprias convicções (baseadas nas análises da própria razão) são tanto mais impreteríveis quanto a mudança de paradigma da Igreja — promovida pelo Papa Francisco e descrita neste trabalho — abre as portas à penetração torrencial dos erros da Revolução anticristã na Igreja.
O anteriormente visto importa em submeter a uma coação a consciência bem formada de milhões de católicos, os quais se veem impelidos pelas mais altas autoridades da Igreja Católica a aceitar:
- uma nova fé que não corresponde, em alguns pontos essenciais, aos ensinamentos perenes de Nosso Senhor Jesus Cristo;
- os erros da filosofia agnóstica e relativista da assim chamada Modernidade e da Revolução anticristã que constitui o seu cerne; e
- soluções políticas e socioeconômicas, ou hipóteses científicas que não correspondem às conclusões às quais se chega após estudo e uma reflexão madura e objetiva.
Essa coação sobre as almas é ainda redobrada pelo fato de o Papa Francisco procurar amiúde desqualificar a atitude de fidelidade aos ditames do Evangelho e da razão com imagens e epítetos ofensivos que encontram muita repercussão na grande imprensa e favorecem uma verdadeira “caça às bruxas” daqueles que dissentem da orientação do atual pontificado. “Fundamentalistas”, “rígidos”, “hipócritas”, “duros de coração”, “legalistas”, “restauracionistas”, “casuístas”, “contabilistas do Espírito”, “pelagianos”, “sombrios”, “pietistas”, “doutores da lei”, “reacionários” etc. são os epítetos que o Papa Francisco se compraz em empregar para estigmatizar, sem nomeá-los explicitamente, aqueles que criticam suas opções pastorais e as ideias que as fundamentam33.
Aplica-se ao caso o que o bispo Athanasius Schneider comentou a respeito das discussões nos dois sínodos sobre a família: “Na grande crise ariana do século IV, os defensores da divindade do Filho de Deus também foram apelidados de ‘intransigentes” e ‘tradicionalistas’. Santo Atanásio foi até excomungado pelo Papa Libério e o Papa justificou isso com o argumento de que Atanásio não estava em comunhão com os bispos orientais, a maioria dos quais eram hereges ou semi-heréticos. Nessa situação, São Basílio o Grande declarou o seguinte: ‘Somente um ‘pecado’ é hoje punido com severidade: a observância cuidadosa das tradições dos Padres da Igreja. Por esse motivo os bons são despojados de seus cargos e expulsos ao deserto’ (Ep. 243)”. Prossegue Dom Athanasius: “Na verdade, são os bispos os novos Fariseus e Escribas que apoiam a santa Comunhão para os ‘divorciados recasados’, já que eles desdenham o mandamento de Deus, contribuindo para que os adultérios continuem a provir do corpo e do coração dos ‘divorciados recasados’ (Mt 15, 19), e porque querem uma solução exteriormente ‘limpa’ e eles próprios aparecerem ‘limpos’ aos olhos dos poderosos (a mídia, a opinião pública)” 34.
O direito de resistência se transforma num dever quando está em jogo o bem comum
Nosso Senhor nos ensina no Evangelho a “oferecer a outra face” e a “orar pelos que nos maltratam” (Mt 5, 39, 44). Estamos certos de que, individualmente considerados, esses milhões de católicos perplexos aceitam com resignação a coação à qual suas convicções racionais e sua integridade moral são submetidas. Mas eles podem, e por vezes devem, falar quando esses ataques põem em risco não somente a sua própria fé, mas ainda a de milhões de outros mais fracos, e até a própria existência de suas nações. Postos diante da alternativa de cruzar resignadamente os braços para não discordar do Papa Francisco ou resistir às suas opções pastorais e sociopolíticas, eles podem, por uma questão de consciência, sentir-se obrigados a “resistir-lhe em face”, como São Paulo resistiu a São Pedro (Gal 2, 11-14).
O modelo de resistência — ao mesmo tempo firme e impregnado de veneração e respeito pelo Sumo Pontífice — no qual esses católicos podem pautar a sua própria reação, é a Declaração de Resistência à Ostpolitik do Papa Paulo VI, redigida pelo saudoso Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em abril de 1974 sob o título “A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas — Para a TFP: omitir-se? ou resistir?”. Em seu parágrafo crucial, ela dizia:
“O vínculo da obediência ao Sucessor de Pedro, que jamais romperemos, que amamos com o mais profundo de nossa alma, ao qual tributamos o melhor de nosso amor, esse vínculo nós o osculamos no momento mesmo em que, triturados pela dor, afirmamos a nossa posição. E de joelhos, fitando com veneração a figura de S.S. o Papa Paulo VI, nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade.
“Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe.”35
O livro pode ser lido na integra na pagina: https://ipco.org.br/a-mudanca-de-paradigma/
O livro A “mudança de paradigma” do Papa Francisco – Continuidade ou ruptura na missão da Igreja? pode ser comprado na livraria Petrus:
http://www.livrariapetrus.com.br/Produto.aspx?IdProduto=382&IdProdutoVersao=394&cod=73114
Referências:
1 Pe. Chad Ripperger, “Operative point of view”, Christian Order, março de 2001 (http://www.christianorder.com/features/features_2001/features_mar01.html).
2 Esse positivismo magisterial foi em parte favorecido pelo costume dos Papas do pós-Concílio Vaticano II de apoiar preferentemente seus ensinamentos, além das Sagradas Escrituras, nos textos desse Concílio e em documentos magisteriais pós-conciliares. O Papa Francisco levou ao extremo essa prática da auto-referenciamento citando de preferencia seu próprio magistério.
3 http://www.religionconfidencial.com/vaticano/Decano-Rota-Romana-Papa-cardenalato_0_2828717124.html
4 O cardeal Donald Wuerl, arcebispo de Washington, escreveu no seu blog pessoal o que segue: “Uma das coisas que aprendi em todos esses anos, a partir daqueles primeiros ingênuos dias de 1961 [seus anos de seminário], é que, avaliando mais atentamente, encontra-se um fio comum que atravessa todos esses dissidentes. Eles estão em desacordo com o Papa porque ele não está de acordo com eles e não segue as suas posições. O dissenso talvez seja algo que teremos sempre, deplorável enquanto tal, mas teremos também sempre Pedro e seu sucessor como uma rocha e pedra de toque da nossa fé e da nossa unidade”. (http://cardinalsblog.adw.org/2015/02/pope-touchstone-faith-unity/)
5 O cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, coordenador do Conselho que orienta o Papa na reforma da Cúria, referindo-se nominalmente ao cardeal Burke, escreveu no prefácio de um recente livro-entrevista: “O cardeal que sustenta isso é um homem decepcionado, que queria o poder e o perdeu. Ele achava que era a autoridade máxima nos Estados Unidos.”
6 O cardeal Donald Wuerl, questionado pela revista dos jesuítas dos Estados Unidos sobre qual seria o motivo da oposição ao Papa Francisco, respondeu: “Penso que ela surge em vários níveis. Surge quando o Santo Padre considera uma estrutura que inclui todas as instituições que fazem parte da Santa Sé, como a Secretaria de Estado, dicastérios, congregações, e pergunta se isso não deveria ser analisado para ver se está realmente funcionando como deveria. Assim que se toca num desses, se mexe em interesses pessoais, então haverá sempre alguma oposição, por causa do instinto natural de dizer ‘sempre foi feito assim, para que precisa mudar?’ […] Há também alguns que, acho eu, se sentem muito desconfortáveis; tudo era garantido e seguro e agora está sendo questionado. Pede-se a eles para olhar a maneira como estão fazendo as coisas rotineiras e Francisco lhes pede para verificar se essa é realmente a melhor maneira de fazer”.
7 https://www.americamagazine.org/content/dispatches/cardinal-wuerl-calls-out-popes-opponents
8 Em 1997, perguntado pela televisão bávara se é o Espírito Santo que elege o Papa, o então cardeal Ratzinger respondeu: “Eu não diria isso, no sentido de que é o Espírito Santo que escolhe o Papa. […] Eu diria que o Espírito Santo não toma exatamente controle do assunto, mas como um bom educador, por assim dizer, nos deixa muito espaço, muita liberdade, sem nos abandonar inteiramente. Logo, o papel do Espírito Santo deveria ser entendido em um sentido muito mais elástico, não que Ele dite o candidato pelo qual se deve votar. Provavelmente a única segurança que Ele oferece é de que a coisa não pode ser inteiramente desastrosa”. (http://ideas.time.com/2013/03/11/does-the-holy-spirit-choose-the-pope/). No caso específico da eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio, as revelações de Jürgen Mettepenningen e Karim Schelkens na sua biografia sobre o cardeal Godfried Daneels tornaram manifesta a existência de uma autodenominada “máfia de Sankt Gallen” no conclave de 2013, e de que houve forte interferência de fatores muito humanos e dificilmente associáveis ao Espírito Santo. Eis o que esse respeito disse Karim Schelkens em uma entrevista de imprensa: “A eleição de Bergoglio foi preparada em Sankt-Gallen, sem nenhuma dúvida. E as principais linhas do programa que o Papa está levando adiante são as que Daneels e Cia. começaram a discutir mais de dez anos atrás” (http://www.knack.be/nieuws/mensen/godfried-danneels-was-al-jaren-in-de-weer-als-king-maker-van-paus-franciscus/article-longread-607599.html). Posteriormente, os jornalistas esclareceram que tinham dito apenas que “a eleição de Bergoglio correspondia aos objetivos de Sank-Gallen”
(http://www.ncregister.com/blog/edward-pentin/st.-gallen-group-not-a-lobby-group-say-authors).
9 Oscar A. Rodriguez Maradiaga e Antonio Carriero, Solo il Vangelo è rivoluzionario: La Chiesa di oggi e quella di domani nelle riforme di Francesco, http://www.ilsussidiario.net/News/Cronaca/2017/5/19/SCONTRO-SU-PAPA-FRANCESCO-Card-Maradiaga-Burke-pover-uomo-in-conclave-lobby-anti-Bergoglio-/765004/
10 http://www.settimananews.it/vescovi/lettera-aperta-ai-4-cardinali/
11 https://fr.aleteia.org/2016/08/02/le-pape-francois-et-la-violence-catholique-stupefaction-reflexion-et-reverence/
12 https://fr.aleteia.org/2016/08/12/je-prefere-me-tromper-en-suivant-le-pape-que-davoir-raison-contre-lui/
Levando essa posição até o seu extremo, o sociólogo Massimo Introvigne, em um dossiê sobre “A realidade do fundamentalismo católico”, condenou o fato de o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira ter publicado uma análise crítica da Amoris laetitia na qual reconhece que a exortação é parte do magistério autêntico não infalível, mas lhe recusa o assentimento naquelas afirmações dissonantes da doutrina católica, o que, segundo o sociólogo, jogaria a entidade no campo do “fundamentalismo”. E qual seria o erro principal desse suposto fundamentalismo? É que “Jesus não escreveu livros, não deixou nada escrito, à diferença de outros fundadores de religiões. […] Maomé deixou o Livro a ser seguido, Jesus deixou a Igreja: ‘Quem a vós escuta, a Mim escuta’ (Luc 10, 13). Ele deixou pessoas. Que se podiam e podem encontrar. Por isso, fico sabendo se sou católico caso eu siga a pessoa do Papa, não um texto hipotético mais ou menos fossilizado”, identificado com a Tradição (La realtà del fondamentalismo cattolico, in http://www.lanuovaeuropa.org/articoli/dossier/la-realt%C3%A0-del-fondamentalismo-cattolico).
13 http://www.catholicherald.co.uk/commentandblogs/2015/06/19/no-catholic-is-free-to-dissent-from-the-teaching-of-laudato-si/
14 http://adelantelafe.com/exclusiva-rorate-caeli-entrevista-al-obispo-athanasius-schneider-fsspx-la-mujer-y-el-lavado-de-pies-consagracion-de-rusia-obispos-antipastorales-y-mucho-mas/
15 http://www.veritatis.com.br/constituicao-dogmatica-pastor-aeternus-18-07-1870/
16 “Talvez alguém diga: então nenhum progresso da religião é possível na Igreja de Cristo? Certamente que deve haver progresso, e grandíssimo! Quem poderá ser tão hostil aos homens e tão contrário a Deus para tentar impedi-lo? Mas sob a condição de que se trate verdadeiramente de progresso pela fé, não de modificação. É característica de toda forma de progresso a inteligência, o conhecimento, a sabedoria — tanto da coletividade como do indivíduo — de toda a Igreja, segundo as idades e os séculos; com tal que isso suceda exatamente segundo a sua natureza peculiar, no mesmo dogma, no mesmo sentido, segundo uma mesma interpretação” (https://fr.scribd.com/document/42014484/Commonitorium-Sao-Vicente-de-Lerins).
17 Por isso é absurda a alegação do atual Prepósito Geral da Companhia de Jesus, Pe. Sosa Abascal, de que é preciso “contextualizar” as palavras de Jesus a respeito da indissolubilidade do casamento, uma vez que “naquele tempo ninguém tinha um gravador para registrar as palavras”, porque desde os primórdios da Igreja tais palavras de Nosso Senhor foram aceitas “no mesmo sentido, segundo uma mesma interpretação”.
18 Constituição Dei Filius do Concílio Vaticano I: “Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus” (http://www.veritatis.com.br/constituicao-dogmatica-dei-filius-24-04-1870/).
19 Comonitório de São Vicente de Lérins: “É, pois, sumamente necessário, ante as múltiplas e arrevesadas tortuosidades do erro, que a interpretação dos Profetas e dos Apóstolos se faça seguindo a pauta do sentir católico. Na Igreja Católica deve-se ter maior cuidado para manter aquilo em que se crê em todos os lugares, sempre e por todos. Isto é o verdadeiro e propriamente católico, segundo a ideia de universalidade que se encerra na mesma etimologia da palavra. Mas isto se conseguirá se nós seguirmos a universalidade, a antiguidade e o consenso geral. Seguiremos a universalidade se confessarmos como verdadeira e única fé a que a Igreja inteira professa em todo o mundo; a antiguidade, se não nos separarmos de nenhuma forma dos sentimentos que notoriamente proclamaram nossos santos predecessores e pais; o consenso geral, por fim, se, nesta mesma antiguidade, abraçarmos as definições e as doutrinas de todos, ou de quase todos, os Bispos e Mestres” (ibid).
20 Ao magistério ordinário do Romano Pontífice — diz o conceituado teólogo jesuíta Domenico Palmieri (1829-1909) — “é devido, em segundo lugar, também certo assentimento religioso, quando não há nada que leve (suadeat) prudentemente a uma suspensão do assentimento. Explico os termos. Não dizemos que é devido um assentimento de fé católica, pois uma doutrina a ser professada (tenenda) não é proposta aqui pela Igreja. Não dizemos que é devido o assentimento formal de fé divina, pois esse assentimento é devido à proposição infalível que consta ser tal e, na nossa hipótese, tal proposição não existe. Não dizemos que se trata de assentimento metafisicamente certo, pois não existindo a certeza da infalibilidade, não aparece, por isso mesmo, como impossível o erro e, assim, vê-se que o oposto pode ser verdadeiro. Existindo tal conhecimento, não pode haver lugar para a certeza metafísica. Dizemos, então, que o assentimento é moralmente certo e se, consequentemente, aparecem motivos — sejam verdadeiros, sejam falsos, mas oriundos de um erro inculpável — que levem a concluir de outro modo (quanto à matéria ensinada), dizemos que não é devido o assentimento, dado que, nessas circunstâncias, a vontade não age imprudentemente ao suspender o assentimento (https://scutumfidei.org/2013/02/20/assentimento-ao-magisterio-parte-final-doutrina-comum-dos-teologos-e-bibliografia/)
21 No artigo “Pode haver erro em documento do Magistério pontifício ou conciliar?” (Catolicismo, julho de 1969), Arnaldo V. Xavier da Silveira, baseado nos melhores teólogos, demonstra a tese de que “num documento papal pode haver erro pelo fato de não preencher as quatro condições da infalibilidade”, e acrescenta que “o simples fato de se dividirem os documentos do Magistério em infalíveis e não infalíveis, deixa aberta, em tese, a possibilidade de erro em algum dos não infalíveis”.
22 Ver texto de Domenico Palmieri, na nota n° 20 logo acima.
23 Em entrevista ao National Catholic Register, já citada, o cardeal Raymond Burke declarou: “Há, na Tradição da Igreja, a prática da correção do Romano Pontífice. É algo que é claramente incomum. Mas, se não há resposta a essas questões [os dubia], então eu diria que se trataria de fazer um ato formal de correção por um grave erro. […] É a obrigação nesses casos, e historicamente tem acontecido, que cardeais e bispos tornem claro que o Papa está ensinando um erro e lhe peçam para corrigi-lo” (http://www.ncregister.com/daily-news/cardinal-burke-on-amoris-laetitia-dubia-tremendous-division-warrants-action). O Prof. Roberto de Mattei relembra em um artigo que, além das honras e dos privilégios, os cardeais têm obrigações precisas, e que “entre esses deveres figura o de corrigir fraternalmente o Papa quando ele comete erros no governo da Igreja, como aconteceu em 1813, quando Pio VII firmou com Napoleão o Tratado de Fontainebleau, ou em 1934, quando o cardeal-decano Gennaro Granito di Belmonte admoestou Pio XI, em nome do Sacro Colégio, pelo uso desconsiderado que fazia das finanças da Santa Sé” (I doveri irrinunciabili dei cardinali di Santa Romana Chiesa, https://www.corrispondenzaromana.it/i-doveri-irrinunciabili-dei-cardinali-di-santa-romana-chiesa/).
24 http://disputationes-theologicae.blogspot.fr/2011/12/mons-gherardini-sullimportanza-e-i.html. O perigo dessa “instrumentalização” do magistério para fazer passar as novidades foi previsto de antemão por outro expoente da “escola romana”, Mons. Pietro Parente, depois cardeal, em artigo de 10 de fevereiro de 1942, publicado pelo Osservatore Romano, no qual denunciava “a estranha identificação da Tradição (fonte de Revelação) com o Magistério vivo da Igreja (guardião e intérprete da Divina Palavra)”. De fato, se a Tradição e o Magistério são a mesma coisa, a Tradição deixa de ser um depósito imutável da fé e passa a variar conforme o ensinamento do Papa reinante.
(https://www.radiospada.org/2013/10/allorigine-di-un-equivoco-scrittura-tradizione-chiesa-magistero/)
25 http://permanencia.org.br/drupal/node/994#footnoteref34_1b0sm88
26
“Havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser
arguidos, até mesmo publicamente, pelos súditos. Assim, São
Paulo, que era súdito de São Pedro, arguiu-o publicamente, em
razão de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé. E,
como diz a Glosa de Santo Agostinho, “o próprio São Pedro deu
o exemplo aos que governam, a fim de que estes, afastando-se alguma
vez do bom caminho, não recusassem como indigna uma correção
vinda mesmo de seus súditos” (ad Gal 2, 14)” (Summa
II-II, q. 33, a. 4, s. 2).
Ao estudar o episódio em que
São Paulo resistiu em face a São Pedro, assim escreve Santo Tomás:
“A repreensão foi justa e útil, e o seu motivo não foi leve:
tratava-se de um perigo para a preservação da verdade evangélica
[…]. O modo como se deu a repreensão foi conveniente, pois foi
público e manifesto. Por isso, São Paulo escreve:
‘Falei a Cefas’, isto é, a Pedro, ‘diante de todos’, pois a
simulação praticada por São Pedro acarretava perigo para todos.
— Em 1 Tm 5, 20, lemos: ‘Aos que pecarem, repreende-os diante de
todos’. Isso se há de entender dos pecados manifestos, e não dos
ocultos, pois nestes últimos deve-se proceder segundo a ordem
própria da correção fraterna” (ad Gal., 2, 11-14, lect.
III. nn. 83-84). “Aos prelados (foi dado exemplo) de humildade,
para que não se recusem a aceitar repreensões da parte de seus
inferiores e súditos; e aos súditos (foi dado) exemplo de zelo e
liberdade, para que não receiem corrigir seus prelados, sobretudo
quando o crime for publico e redundar em perigo para muitos” (ad
Gal, 2, 11-14, lect. III, n.77).
27 “Assim como é lícito resistir ao Pontífice que agride o corpo, assim também é lícito resistir ao que agride as almas, ou que perturba a ordem civil, ou sobretudo, àquele que tentasse destruir a Igreja. Digo que é lícito resistir-lhe não fazendo o que ordena e impedindo a execução de sua vontade; não é lícito, contudo, julgá-lo, puni-lo ou depô-lo, pois estes atos são próprios a um superior” (De Rom. Pont., lib. II, c. 29).
28 “Se (o Papa) baixar uma ordem contrária aos bons costumes, não se há de obedecer-lhe; se tentar fazer algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum, será lícito resistir-lhe; se atacar pela força, pela força poderá ser repelido, com a moderação própria à defesa justa (cum moderamine inculpatae tutelae)” (De Fide, disp. I, sect. VI, n. 16).
29 “Caietano, na mesma obra em que defende a superioridade do Papa sobre o Concílio, diz no cap. 27: ‘Logo, deve-se resistir em face ao Papa que publicamente destrói a Igreja, por exemplo, não querendo dar benefícios eclesiásticos senão por dinheiro ou em troca de serviços; e se há de negar, com toda a obediência e respeito, a posse de tais benefícios àqueles que os compraram’.
“E Silvestre (Prierias), na palavra Papa, § 4, pergunta: ‘Que se há de fazer quando o Papa, por seus maus costumes, destrói a Igreja?’ E no § 15: ‘Que fazer se o Papa quisesse, sem razão, ab-rogar o Direito positivo?’ A isso responde: ‘Pecaria certamente; não se deveria permitir-lhe agir assim, nem se deveria obedecer-lhe no que fosse mau; mas dever-se-ia resistir-lhe por uma repreensão cortês’.
“Em consequência, se desejasse entregar todo o tesouro da Igreja ou o patrimônio de São Pedro a seus parentes, se desejasse destruir a Igreja, ou outras coisas semelhantes, não se lhe deveria permitir que agisse de tal forma, mas ter-se-ia a obrigação de opor-lhe resistência. A razão disso está em que ele não tem poder para destruir; logo, constando que o faz, é lícito resistir-lhe.
“De tudo isto resulta que, se o Papa, com suas ordens e atos, destrói a Igreja, pode-se resistir-lhe e impedir a execução de seus mandatos […]
“Segunda prova da tese. Por direito natural é lícito repelir a violência pela violência. Ora, com tais ordens e dispensas, o Papa exerce violência, porque age contra o Direito, conforme ficou acima provado. Logo, é lícito resistir-lhe. Como observa Caietano, não afirmamos tudo isto no sentido de que a alguém caiba ser juiz do Papa ou ter autoridade sobre ele, mas no sentido de que é lícito defender-se. A qualquer um, com efeito, assiste o direito de resistir a um ato injusto, de procurar impedi-lo e de defender-se” (Obras de Francisco de Vitoria, pp. 486-487).
30 “Que os superiores podem ser repreendidos, com humildade e caridade, pelos inferiores, a fim de que a verdade seja defendida, é o que declaram, com base nesta passagem (Gal 2, 11), Santo Agostinho (Epist. 19), São Cipriano, São Gregório, São Tomás e outros acima citados. Eles claramente ensinam que São Pedro, sendo superior, foi repreendido por São Paulo […]. Com razão, pois, disse São Gregório (Homil. 18 in Ezech.): ‘Pedro calou-se a fim de que, sendo o primeiro na hierarquia apostólica, fosse também o primeiro em humildade’. E Santo Agostinho escreveu (Epist. 19 ad Hieronymum): ‘Ensinando que os superiores não recusem deixar-se repreender pelos inferiores, São Pedro deu à posteridade um exemplo mais incomum e mais santo do que deu São Paulo ao ensinar que, na defesa da verdade, e com caridade, aos menores é dado ter a audácia de resistir sem temor aos maiores’ ” (ad Gal., 2, 11).
31 “Os meios justos a serem empregados contra um mau Papa são, segundo Suárez (Defensio Fidei Catholicae, lib. IV, cap. 6, nn. 17-18), o auxílio mais abundante da graça de Deus, a especial proteção do Anjo da guarda, a oração da Igreja Universal, a advertência ou correção fraterna em segredo ou mesmo em público, bem como a legítima defesa contra uma agressão quer física quer moral” (Ius can., vol. II, p. 436).
32 “‘Também o súdito pode estar obrigado à correção fraterna de seu superior’ (S. T. II-II, 33, 4). Pois também o superior pode ser espiritualmente indigente, e nada impede que de tal indigência seja libertado pelo súdito. Todavia, ‘na correção pela qual os súditos repreendem a seus prelados, cumpre agir de modo conveniente, isto é, não com insolência e aspereza, mas com mansidão e reverência’ (S. T., ibidem). Por isso, em geral, o superior deve ser sempre advertido privadamente. ‘Tenha-se entretanto presente que, havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser argüidos, até mesmo publicamente, pelos súditos’ ” (S. T., II-II, 33, 4, 2)” (Cursus Brevior Theol. Mor.”, tomus II, vol. I, p. 287).
33 Um católico recentemente convertido que vive em Brighton (Reino Unido) e anima um blog sobre atualidades da Igreja Católica decidiu fazer uma compilação desses epítetos e a publicou sob o título de O pequeno livro de insultos do Papa Francisco. Foi tal o sucesso da compilação, que ele a destacou de seu blog e a colocou numa página especializada que é regularmente atualizada com novas entradas: http://popefrancisbookofinsults.blogspot.fr/
34 http://www.pch24.pl/against-pharisees,31907,i.html
35 http://www.pliniocorreadeoliveira.info/MAN%20-%201974-04-08_Resistencia.htm
[…] desvio, chamado por alguns de “magisterialismo”1, desembocou inevitavelmente numa forma de positivismo magisterial muito parecida com o positivismo […]
[…] 2 Este positivismo magisterial fue favorecido en parte por la costumbre de los papas del Concilio Vaticano posterior al Segundo de apoyar preferentemente sus enseñanzas, además de las Sagradas Escrituras, en los textos de este concilio y en documentos magisteriales postconciliares. El Papa Francisco llevó esta práctica de autorreferencia al extremo, citando preferentemente su propia enseñanza. […]
[…] O IPCO não recebe qualquer ajuda pública e depende dos donativos de seus simpatizantes. Veja os benefícios de ser um doador do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira: https://ipco.org.br/faca-ja-sua-doacao/ Qual Postura um Católico deve ter diante do Sínodo da Amazônia: o Direito de Resistir às Inovaçõe: https://www.youtube.com/watch?v=5WQcH… Acompanhe noticias sobre o Sínodo da Amazônia Observatório do Sínodo Pan-amazônico: https://panamazonsynodwatch.info/pt-br/ Artigos sobre o Sínodo da Amazônia: https://ipco.org.br/sinodo-da-amazonia/ Liceidade da resistência a “mudança de paradigma” do Papa Francisco: https://ipco.org.br/liceidade-da-resistencia-as-mudancas-de-paradigma-do-papa-francisco/ […]
[…] Acompanhe noticias sobre o Sínodo da AmazôniaObservatório do Sínodo Pan-amazônico: https://panamazonsynodwatch.info/pt-br/Artigos sobre o Sínodo da Amazônia: https://ipco.org.br/sinodo-da-amazonia/Liceidade da resistência a “mudança de paradigma” do Papa Francisco: https://ipco.org.br/liceidade-da-resistencia-as-mudancas-de-paradigma-do-papa-francisco/ […]
Maravilha!pena que poucos entendem e assimilem essas verdades.