Núrsia em latim, ou Norcia em italiano, é uma pequena cidade na província de Perugia, na Úmbria.(*) Ela se imortalizou por ter sido o berço de São Bento e de sua irmã gêmea, Santa Escolástica, que lá nasceram no ano 480 de nossa era. São Bento faleceu no dia 21 de março de 547.
Com o aumento da devoção ao “Patrono dos monges do Ocidente”, foi construído no século VIII, no local de seu nascimento, um oratório para acolher os peregrinos. Dois séculos depois, os monges beneditinos lá se instalaram, mas seu mosteiro definitivo só foi edificado no século XIII. Na Idade Média, Núrsia pertencia aos Estados Pontifícios.
Em 1810, Napoleão, tornando-se senhor da Europa, suprimiu as ordens religiosas contemplativas. Por isso, esse mosteiro beneditino ficou abandonado por quase 200 anos.
Com efeito, somente no ano 2000, um abade beneditino norte-americano do estado de Indiana, Dom Cassiano Folson, foi convidado a fundar um mosteiro de sua Ordem em Roma. Como este não vingou, dois anos depois, por instâncias do bispo de Núrsia — que desejava que o antigo mosteiro da cidade natal de seu Fundador fosse novamente ocupado por monges beneditinos —, Dom Folson lá se estabeleceu com mais dois monges também americanos, dando assim vida ao velho mosteiro.
Apesar de não estar filiada a nenhuma das 20 congregações beneditinas existentes, a nova fundação prosperou, recebendo novos candidatos à vida religiosa. Atualmente ela conta com 16 monges, entre professos, noviços e postulantes.
Os beneditinos do ramo masculino são hoje pouco mais de sete mil em todo o mundo. Entretanto, com a decadência geral da fé e do espírito religioso, esse número vai caindo inexoravelmente com a morte dos monges antigos e a falta de novas vocações.
Isso, entretanto, não acontece em Núrsia, onde a média da idade dos monges é de apenas 34 anos, não faltando vocações, o que torna a comunidade desse mosteiro provavelmente a mais jovem do mundo.
A maioria de seus monges é de nacionalidade americana, como seu fundador. Mas há também dois indonésios, um alemão, um canadense e, para grata surpresa nossa, um brasileiro.
O esplendor da liturgia antiga
O que atrai tantos candidatos a esse mosteiro, quando em outros escasseiam as vocações?
Uma resposta pode estar no fato de que nele todas as orações e atos são realizados segundo a liturgia tradicional da Igreja, inclusive a Missa conventual, celebrada diariamente de acordo com o rito denominado de “São Pio V”. Dizem os monges que “esta forma é mais adequada ao estilo contemplativo de nossa oração. Não a conservamos como uma peça de museu, mas como uma tradição viva. É necessário que haja lugares, como o nosso, em que este patrimônio viva e se transmita”.
Essas orações seguem o ritual antigo, sendo todas elas cantadas em latim, segundo tradição da Igreja. A única oração que não é cantada é a “lectio divina”, que cada monge recita em sua cela.
Desse modo — incluindo as oito partes do Ofício Divino (Matinas, Laudes, Terça, Sexta, Noa, Vésperas e Completas) —, essas orações ocupam quatro a cinco horas do dia dos monges. “Quem ama, canta”, explica Dom Cassiano. “É a manifestação de nosso afeto pelo Senhor. E [isso] de uma maneira árdua, porque o repertório requer de dois a três anos de aprendizado”.
Como todas as orações na igreja do mosteiro são públicas, atraem muitas pessoas da cidade e visitantes, que se maravilham com a beleza do canto gregoriano em sua pureza.
A vida dos monges nesse mosteiro não é nada fácil, pois eles observam um silêncio quase perpétuo, só podendo conversar na meia hora de recreação diária. O silêncio é só interrompido pela oração nos horários prescritos.
Mesmo durante o trabalho — no mosteiro há uma fábrica de cerveja, alfaiataria, biblioteca, e uma incipiente empresa agrícola — a comunicação dos monges entre si realiza-se mediante gestos e sinais convencionados, segundo um código tradicional.
Também no refeitório o silêncio é observado, pois durante a refeição um leitor lê passagens da Sagrada Escritura. Até mesmo os hóspedes que visitam com frequência o mosteiro devem observar o silêncio.“O silêncio e a solidão são necessários para se aprender a habitar em si mesmo” — dizem os monges.“Se primeiro não aprendo a habitar em mim mesmo, se estou confundido e enfermo interiormente, não posso relacionar-me com os demais. O silêncio cura”.
A par do silêncio rigoroso, outro ponto importante na vida dos monges é o jejum quase contínuo. Desde meados de setembro até o domingo de Páscoa, só há uma refeição diária, além do café da manhã. No resto do ano há duas refeições, excetuando-se as quartas e sextas feiras, quando volta a haver uma só, pois são dias de jejum.
Além disso, aceita-se com júbilo essa austeridade. Ela se torna ainda maior pelo regime estritamente vegetariano. Não se deve ver nisto nada do ecologismo moderno, mas o espírito de penitência dos antigos monges.
Muitos dos candidatos à vida monástica são atraídos a Núrsia pelo site do mosteiro na Internet, pois esses monges tradicionais utilizam também a técnica a serviço da Religião. “As pessoas nos descobrem através de nossa página de internet, põem-se em contato conosco, e alguns vêm para um período de prova. Uns voltam a seus países, outros ficam”.
É o caso de Dom Inácio, responsável pela hospedaria. Ele conheceu o mosteiro pela Internet em sua longínqua ilha de Java, na Indonésia: “Minha mãe me dizia: ‘Por que tens que ir à Itália? Se queres ser monge, podes sê-lo aqui’. Eu lhe respondia: ‘A oração e o jejum segundo a regra de São Bento estão ali, e é isso que desejo’”.
O Pe. Martim, de 32 anos, era vice-pároco no Texas. “Diziam-me: por que queres conduzir mal tua vida assim? O que podes fazer pela Igreja se te encerras num mosteiro?”. Ao que ele respondia: “Ao contrário, a verdade é que, como monge, sirvo a Igreja com mais força. Esta obediência a Deus é mais radical do que a que vivia como sacerdote diocesano. Para nós, vale o que valia para Santa Teresa de Lisieux: converteu-se em patrona das missões sem nunca sair do convento, porque a graça não permanece encerrada dentro dos muros do mosteiro”.
“Nada antepor ao amor de Cristo”
Falando sobre a situação atual, sobretudo a da Europa, mas que se aplica a todo o mundo, diz Dom Cassiano: “Quando os políticos europeus falam de São Bento, referem-se a ele como patrimônio cultural, como legado medieval. Mas a contribuição do Santo e do que dele nasceu é outra: é a conversão, é o ‘nihil amori Christi praeponere’, não antepor nada ao amor de Cristo. São Bento é Cristocêntrico: para ele o mais importante é colocar a própria vida em Deus, pôr a Deus em primeiro lugar. Isto, a Europa não quer ouvir. Ela está chamada à fé e à conversão, mas não está interessada nisso. Esta é a causa de sua desagregação. A economia não basta para determinar uma integração. Carlos Magno utilizou politicamente a fé comum e a liturgia comum da rede dos mosteiros da Europa de seu tempo para dar unidade a seu Império. A união política e a união econômica vêm depois da unidade na fé.”
Diz a Sagrada Escritura que a vida do homem sobre a Terra é uma luta. Não podia ser diferente para quem resolveu servir tão radicalmente a Deus: “Combatemos contra nós mesmos, contra o homem velho. Combatemos contra os vícios […]. Quem não entende o carisma monástico nos acusa de sermos uns egoístas, que se separam do mundo para encontrar o próprio equilíbrio psicológico na solidão. Para o monge é necessário retirar-se do mundo e, no entanto, o mundo o segue e chama à sua porta. Somos assediados com pedidos de ajuda, de assistência e de guia espiritual superiores às nossas forças. Mas as pessoas agradecem o que damos. O paradoxo da vida monástica é este: precisamente o fato de estarmos separados do mundo, torna possível amar o mundo de um modo justo, dando uma contribuição que responde à necessidade de quem vive no mundo. Hoje conseguimos fazer o bem às pessoas de um modo que não teríamos conseguido se tivéssemos permanecido no mundo”.
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(*) Baseamo-nos sobretudo no artigo “Monjes de combate”, de Rodolfo Casadei, publicado no sitehttp://www.religionenlibertad.com/donde-nacio-san-benito-hoy-cantan-celebran-misa-latin-51066.htm
Agradeço a Deus, por ter “conhecido” a São Bento e a Santa Escolástica!
E já se vão 17 anos!
Muito bom, este Texto!
Voltarei a lê-lo, logo mais.
Amém!