LOURDES – Necessária, mais que nunca, neste ano pandêmico

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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 842, Fevereiro/2021

Muito lamentavelmente, o santuário de Nossa Senhora de Lourdes, nos Pirineus franceses, permaneceu fechado durante quase todos os meses do ano passado. Em muitos outros locais e ocasiões de devoção, também não foram devidamente celebradas as tradicionais festas religiosas nesse ano catastrófico da pandemia — Fátima, Aparecida, Círio de Nazaré, Corpus Christi, nem mesmo a Semana Santa e o Santo Natal.

No que se refere a Lourdes, os fiéis e peregrinos ficaram privados das graças e curas, dos milagres grandes e pequenos que desde 1858 se operam na gruta de Massabielle, naqueles abençoados lugares às margens do rio Gave. Não puderam beneficiar-se das águas da fonte milagrosa nem das piscinas, onde tantos peregrinos procuram cura espiritual e física, como registram milhares de documentos.

            O pretexto da pandemia para esse fechamento é injustificável, pois exatamente em ocasiões como essa as pessoas mais precisam pedir a cura e graças, concedidas abundantemente em Lourdes por Aquela que ali afirmou: “Eu sou a Imaculada Conceição”.

            Para a festividade litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, fixada no dia 11 de fevereiro, a equipe de Catolicismo pesquisou conferências, artigos e comentários do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre esta devoção mariana. Do amplo e rico material encontrado, selecionamos alguns trechos cuja transcrição oferecemos a seguir. [Este site, ao longo desta semana, reproduzirá em capítulos essas matérias concernentes a Lourdes].

            Ajudados por esses comentários, os leitores poderão se dirigir espiritualmente a Lourdes, para pedir à Imaculada Conceição a nossa cura, a de nossos parentes e conhecidos, e sobretudo a ‘cura’ da Santa Igreja, mergulhada na pior crise de sua história bimilenar.

Da redação de Catolicismo

Doentes diante da Gruta de Nossa Senhora de Lourdes

Em Lourdes, curas milagrosas e resignação no sofrimento

Nossa Senhora revela sua bondade, mostra que é nossa Mãe, que tem pena de nós e pratica maravilhas por seus devotos; mas tem também desígnios bondosos quando não atende nossos pedidos

Os acontecimentos de Lourdes são muito ricos em ensinamentos, um dos quais é sobre o sofrimento. Vemos naquela cidade, abençoada pelas aparições de Nossa Senhora a Santa Bernadette Soubirous, duas atitudes da Providência diante do sofrimento humano. Ambas têm sua razão de ser, dentro da perfeição dos planos divinos, apesar de parecerem até contraditórias.

De um lado, o que mais chama atenção em Lourdes é Nossa Senhora ter pena dos que sofrem, atender seus rogos e praticar milagres para livrá-los das dores que os atormentam. Pela bondade que Ela manifesta em Lourdes, mostra que é nossa Mãe, tem pena de nós, quer e pode praticar maravilhas por nós. Ela tem também pena das almas, e para provar que a Fé Católica é a única verdadeira, opera milagres para obter conversões.

Mas outro aspecto do sofrimento, que notamos em Lourdes, são os inúmeros doentes que peregrinam à abençoada cidade francesa e voltam sem obter a cura desejada. A maior parte dos peregrinos volta sem o milagre da recuperação na saúde. Por que Nossa Senhora opera a cura de alguns e não de todos? Facilmente compreendemos a bondade pela qual alguns são curados, mas qual a razão pela qual outros não o são? O motivo é que Nossa Senhora nos revela assim outro grande ensinamento.

Ação da Providência no milagre e na ausência do milagre

Eu creio que a razão mais profunda desse fato é um dos mais estupendos milagres de Lourdes. Para a grande maioria das almas, o sofrimento é necessário para acrisolamento das virtudes e para a santificação. Sofrimentos como as doenças são necessários para a salvação das almas. Por meio das enfermidades e das provações espirituais, aceitando o sacrifício, a pessoa se santifica. Não compreende o amor de Deus e a regeneração espiritual quem não compreende o papel do sofrimento para obter das almas o desapego. São Francisco de Sales chegou a afirmar que o sofrimento é de tal maneira indispensável, que pode ser considerado verdadeiramente um 8º sacramento.1

Cardeal Pedro Segura y Sáenz

O Cardeal Segura y Saenz,2 com quem eu estive numa viagem à Espanha, contou-me o diálogo que teve com Pio XI. Este Papa se gabava, diante do Cardeal, de nunca ter estado doente. O Cardeal Segura sorriu, e disse: “Então Vossa Santidade não tem o sinal de predestinado. Não há predestinado que não adoeça, e gravemente; que não sofra muito, pelo menos em determinado período de sua vida. Se Vossa Santidade nunca teve nada afetando a saúde, não tem o sinal da predestinação”.

Pio XI aceitou como verdadeira a categórica afirmação do Cardeal espanhol, e alguns dias depois teve um enfarte. Então escreveu um bilhetinho ao Cardeal: “Eminência, já tenho o sinal de predestinado”. Como outros tipos de sofrimento físico, moral etc., realmente a doença é sinal dos predestinados; ou seja, dos eleitos que Deus põe à prova para merecerem a bem-aventurança eterna no Céu.

Nossa Senhora agiria contra o interesse da salvação das almas, se eliminasse todas as doenças que grassam pelo mundo. Para certas almas, para certos efeitos, de algum modo convém retirar o sofrimento, mas normalmente não convém. Por essa razão, muitas pessoas vão a Lourdes e voltam sem terem sido curadas. Isto comprova quanto a Virgem Santíssima, tão misericordiosa, julga indispensável o sofrimento para a salvação de seus filhos.

O maior milagre de Lourdes é a resignação e a aceitação do sofrimento

Em Lourdes, quando não se opera a cura, Nossa Senhora dá aos enfermos tal conformidade com a doença, que eles não se revoltam. Pelo contrário, voltam para suas casas resignados, satisfeitos de terem visitado e rezado na gruta. Viram pessoas serem curadas, mas eles próprios não o foram. Há casos de pessoas que chegam de longe — da Índia, da América etc. — e vendo ao seu lado outros enfermos em estado mais grave que o delas, mudam o seu pedido a Nossa Senhora: que eu não seja curado, conquanto que esse ou aquele doente mais necessitado obtenha a sua cura.

Assim o peregrino enfermo aceita o sofrimento em benefício do outro. Essa nobre atitude é um verdadeiro milagre de amor ao próximo por amor de Deus; um milagre moral arrancado ao egoísmo humano, e isso representa um milagre mais estupendo do que uma cura propriamente dita.

Havia em Lourdes algo talvez ainda mais bonito: um convento de Carmelitas contemplativas com o propósito de expiar e sofrer qualquer doença a fim de obter graças para os corpos e as almas das pessoas que vão à bendita gruta pedir benefícios. Elas nunca pediam suas próprias curas, aceitavam todas as doenças em benefício das almas dos que pedem o milagre da cura. Como vítimas expiatórias, sofriam horrores, levando às vezes uma vida inteira de sofrimentos; e às vezes morriam oferecendo a vida em holocausto, com o objetivo especial de fazer bem às outras almas.

Sofrimentos como as doenças são necessários para a salvação das almas. Por meio das enfermidades e das provações espirituais, aceitando o sacrifício, a pessoa se santifica.

Milagres de caráter espiritual que levam almas para o Céu

Prestando-se atenção na natureza humana decaída pelo pecado original, e sabendo que atos de abnegação não são comuns entre os homens e causam ao egoísmo humano tão grande horror, compreende-se que os peregrinos, aceitando resignadamente quando não são curados, isto pode ser considerado milagre maior do que todas as outras curas que ocorrem em Lourdes.

Tudo isso mostra bem que a intenção de Nossa Senhora, nas curas de Lourdes, é produzir esses milagres de caráter espiritual e moral que salvam as almas para o Céu. O amor d’Ela a seus filhos tem como principal objetivo levá-los ao amor de Deus e à glória celestial. Nada de melhor se pode desejar para eles. O que se diria se Ela tivesse aparecido em Lourdes para fazer bem aos corpos perecíveis, e não para as almas que não perecem?

Devemos amar mais a Deus do que aos homens, e assim compreendemos bem o grande ensinamento de Lourdes. Não é o ensinamento apologético, tão grande e tão importante, mas sim o ensinamento da aceitação da dor, do sofrimento, da derrota, do fracasso se preciso for.

Poder-se-ia objetar: ‘É muito difícil aceitar a dor e carregá-la resignadamente’. A resposta, nós a temos ao contemplar a agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras. Posto diante de todo o sofrimento, Ele disse: “Pater, si possibile est, transeat a me calix iste” (Meu Pai, se é possível, afastai de mim este cálice – Mt 26,39). Mas depois acrescentou: “Faça-se a vossa vontade, e não a minha”.

         Esta exemplar posição do Divino Mestre é a que devemos tomar diante de nossos sofrimentos particulares. Nesses momentos de dor, poderemos repetir: Meu Pai, se é possível, afastai de mim este cálice; porém cumpra-se a vossa vontade, e não a minha.

Naquele momento de agonia no Horto, um Anjo veio consolar Nosso Senhor. A graça nos consolará a nós também, nos sofrimentos que padecemos. Portanto, tenhamos coragem, resolução, energia. Assim compreenderemos o significado do sofrimento, e teremos alegria em sofrer por amor de Deus. Compreenderemos que sofrer é a dádiva dos predestinados; e não sofrer é a parte dos réprobos.

(Excertos da conferência de Plinio Corrêa de Oliveira em 6-2-1965).

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Notas:

  1. Os sete sacramentos são: Batismo, Confirmação (ou crisma), Eucaristia, Reconciliação (ou penitência), Unção dos Enfermos (ou extrema-unção), Ordem (sacerdotal) e Matrimônio.
  2. Dom Pedro Segura y Sáenz. Nascido em Carazo (Burgos, Espanha), em 4 de dezembro de 1880. Ordenado sacerdote em 1906 e sagrado Bispo em 1920. Seis anos mais tarde, Arcebispo de Toledo. Elevado à púrpura cardinalícia no Consistório de 18 de dezembro de 1927. Em 1937 foi designado Cardeal-Arcebispo de Sevilha, cuja sede ocupou até sua morte, em 8 de abril de 1957.

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