A modernidade, dos meninos aos homens feitos

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Alfred Binet

Alfred Binet, célebre psicólogo,(1) legou-nos um estudo em que assentou balizas para o entendimento das diferenças intelectuais existentes entre o adulto e a criança.

Binet toma como base quatro funções intelectivas: direção, compreensão, invenção e censura. Pois bem: aplicando ao nosso tempo os critérios de Binet pode-se concluir que houve uma infantilização do homem no século XX, sobretudo depois das Grandes Guerras mundiais.

Vejamos quais são essas quatro funções intelectivas. Iniciamos com uma característica evidente, que é a falta de direção da criança.

“A criança, em tudo o que empreende, mostra uma fraqueza de direção. É estouvada e inconstante; esquece logo o que está fazendo, ou se aborrece com o que faz, ou se deixa levar por uma fantasia, um capricho, uma ideia que passa. Em uma conversa, em uma descrição, salta de um assunto para outro, ao acaso das associações de ideias; faz despropósitos”.

Quantos conspícuos adultos de hoje não possuem a mesmíssima lacuna?

Outra característica deveria ser a compreensão.

“Sua compreensão [dos meninos] é superficial. Se a percepção deve passar da sensação simples para uma verdadeira compreensão, ela dá sinais de fraqueza.

Diante de uma cena de miséria, por exemplo, que representa mendigos jogados sobre um banco, a criança de cinco a seis anos dirá: ‘É um homem, … uma mulher … uma árvore’; uma criança de oito a dez anos tentará descrever o que ela vê: ‘O homem está sentado sobre um banco, há uma mulher junto dele’. É preciso uma inteligência adulta para ver além da gravura, compreender seu sentido e dizer, enfim: ‘São pessoas sem abrigo, na miséria, sofredoras’”.

Terá alguma coisa a ver com isso o “déficit de atenção”, que hoje se discute no ENEM?

E o adulto de hoje como está em matéria de compreensão? Tomemos o avanço da esquerda, e vemos uma espécie de bobeira, pelo qual tende a tudo aceitar, tudo engolir. A mídia esquerdista não encontra dificuldades para fazer passar as mais incríveis colocações, as mais incríveis contradições.

Continua Binet:

“A capacidade de censura é, nela, tão limitada quanto o resto. Mal se dá conta do que diz e do que faz; é tão desajeitada de espírito como de suas mãos; é notável sua facilidade em contentar-se com palavras sem perceber que não as compreende. Os ‘porquês’ com que sua curiosidade nos importuna não são nada embaraçantes, porque se contenta ingenuamente com as respostas mais absurdas”.

Pois bem, o que ontem eram limitações de uma criança em desenvolvimento, hoje tende a ser e é muitas vezes característica de um adulto “plenamente” desenvolvido.

A pessoa lê esse texto e se pilha pensando: Fulano tem um pouco disso. Beltrano tem algo daquilo. Ora, Fulano e Beltrano são homens adultos!

Não é inteiramente exato dizer que Fulano ou Beltrano têm espírito infantil, no sentido próprio. Mas em determinados pontos concretos, variáveis conforme o caso, dir-se-ia que neles a distância existente entre a idade adulta e a infantil diminuiu sensivelmente.

Trata-se de fragilidades que provocaram estranheza nas gerações anteriores. Escreve Carlos Alberto M. Pereira:

“Já desde os anos 50, era bastante visível na sociedade americana a familiaridade crescente que a noção de anti-intelectualismo vinha ganhando. Um exemplo desse fato é o surgimento de toda uma tradição boêmia — aquela dos beatniks — de verdadeiros representantes de um anarquismo romântico, cujo estilo, contestação e agitação, novo e radical quando comparado à luta da esquerda tradicional, estava apoiado sobre noções e crenças tais como a da necessidade do ‘desengajamento em massa’, ou da ‘inércia grupal’ ”.(2)

Só na sociedade americana? Nos anos 60 apareceram os hippies, “devotando-se a uma vida marcadamente sensorial e deixando-se arrastar por sua ludicidade e desprezo pelas satisfações de uma carreira e de um rendimento regular”.(3) E daí em diante prosseguiu o processo, até hoje. A humanidade está passando por uma verdadeira catástrofe antropológica, cuja vítima é o próprio homem.

Que é isso? Antropos é o homem e portanto catátrofe antropológica é a catátrofe do homem enquanto tal. Poucas coisas poderiam ser piores.

Ensina Plinio Corrêa de Oliveira “As muitas crises que abalam o mundo hodierno — do Estado, da família, da economia, da cultura, etc. — não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio homem. Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos problemas de alma mais profundos, de onde se estendem para todos os aspectos da personalidade do homem contemporâneo e todas as suas atividades”.

Como diz a Sagrada Escritura: “Os pais comeram uvas verdes, e foram os dentes dos filhos que ficaram ásperos”… (Jer. 31, 29).

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Notas
1 – Esse famoso psicólogo e fisiologista francês (1857-1911) consagrou-se sobretudo ao emprego de testes para avaliação psicológica e mental. Estabeleceu também vários parâmetros úteis para o estudo da psicologia infantil, examinados por Dr. Plinio no anos 60. Publicou várias obras notáveis, entre as quais A Alma e o Corpo (1905) e As Idéias Modernas sobre as Crianças (Flamarion, 1911).

2 – Carlos Alberto Messeder Pereira, O que é Contracultura (Ed. Brasiliense, São Paulo, 1988, 6ª ed., p. 33).

3- ibid. p. 34.

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