Fonte: Revista Catolicismo, Nº 837, Setembro/2020
O Parlamento italiano está discutindo o projeto de lei Zan (do deputado Alessandro Zan), também conhecido como projeto de lei Zan-Scalfarotto (o deputado Ivan Scalfarotto foi o autor do primeiro rascunho), ambos do Partido Democrático, herdeiro do Partido Comunista. A intenção do projeto de lei é “opor-se à homofobia e transfobia”, modificando o Código Penal com artigos sobre “violência ou discriminação devido a preferências sexuais ou identidade de gênero”. O projeto de lei pretende tratar de uma “emergência de gênero” na Itália, como se a violência contra homossexuais e transgêneros fosse desenfreada.
Tudo no projeto é errado e perigoso.
Para começar, não existe uma “emergência de gênero” na Itália. Muito pelo contrário, pois infelizmente a Itália é considerada um dos países europeus mais “amigos dos homossexuais”, logo abaixo da ultra-permissiva Grã-Bretanha. Mais de 70% dos italianos apoiam direitos iguais para os homossexuais. Um número impressionante de 27% aprovaria a formação de um partido homossexual, e 6,7% votariam a favor. O serviço de estatísticas da União Europeia mostra que a Itália tem uma das menores taxas de violência relacionada ao gênero: apenas 29 casos por ano.
Tivemos dois presidentes regionais abertamente homossexuais: Nichi Vendola, da Puglia, e Rosario Crocetta, da Sicília. Há um deputado transgênero: Vladimir Lussuria. Um comentarista conhecido da TV é travesti: Mauro Coruzzi, também conhecido como Platinette. Números em mãos, podemos concluir firmemente que não há na Itália “emergência de gênero” que exija uma legislação especial.
Em segundo lugar, a legislação atual na Itália já protege a integridade física e a dignidade moral de todos os cidadãos. O Código Penal pune severamente qualquer ofensa — seja física, verbal ou por imagens — motivada por ódio ou desdém (Art. 604 bis). Além disso, penaliza “qualquer propaganda ou instigação à ofensa com base em discriminação racial, étnica ou religiosa”. A pena é agravada se a ofensa for motivada por “motivos fúteis ou desprezíveis” (Art. 61), como orientação sexual. Em outras palavras, homossexuais e transgêneros já estão suficientemente protegidos. Vereditos regionais e federais recentes mostram que, com base no atual Código Penal, os tribunais italianos já usam o conceito de homofobia. Não há absolutamente nenhuma necessidade de nova legislação.
Em terceiro lugar, a teoria jurídica estabelece que não pode haver punição sem uma definição clara do que constitui um ato criminoso. Em outras palavras, os cidadãos não podem ser condenados por crimes que não são definidos como tais. “Homofobia” e “transfobia” não estão definidas em nenhum código legal, seja italiano ou europeu. Nem são definidos em nenhum texto científico, como o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) ou o CID (Código Internacional de Doenças). Quem decidirá o que constitui um crime de “homofobia” ou de “transfobia”? Uma possibilidade é que os próprios juízes decidam, caso a caso, se um ato constitui ou não um crime de homofobia ou transfobia. Isso levaria diretamente à arbitrariedade judicial.
Se considerarmos que a grande maioria dos juízes italianos está à esquerda no espectro político, podemos imaginar que tipo de decisão seria proferida. Outra maneira de definir esses crimes, ainda mais perigosa, seria pelo conceito de “violência percebida”, que vai ganhando terreno lentamente na teoria jurídica. O crime existiria caso a vítima se julgasse ofendida. Portanto, constituiria crime qualquer ato ou palavra entendidos pela própria vítima como ofensivos.
Ensino do Catecismo poderá ser penalizado
Mas aprofundemo-nos no projeto de lei Zan-Scalfarotto. Sem dúvida, é a legislação mais ditatorial, absolutista e fascista já produzida na Itália. Já foi aprovado na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, e deverá ser apresentado em breve. Apoiado por todos os partidos de esquerda, o projeto foi contestado apenas por Fratelli d’ItaliaLega. O Forza Italia de Silvio Berlusconi se absteve, confirmando sua tendência para a esquerda.
Se for aprovado, o projeto punirá qualquer “discriminação baseada em gênero, orientação sexual ou identidade de gênero”. Eis as penalidades:
— de 18 meses a seis anos de prisão, se o agressor pertencer a uma organização que rejeita a homossexualidade do transgenerismo;
— revogação da carteira de identidade nacional;
— revogação do passaporte;
— revogação da carteira de motorista;
— toque de recolher depois das 18 horas;
— perda de direitos políticos por três anos.
A sentença de prisão poderá ser comutada mediante “serviços civis” realizados em centros LGBTQ, onde o infrator será devidamente “reeducado”. Sim, RE-EDUCADO!
Se essa lei for aprovada, um sacerdote que pregar do púlpito o Catecismo da Igreja Católica, no que se refere aos mandamentos sexto e nono, estará sujeito à penalidade máxima. E o autor deste artigo poderá tornar-se presidiário em um cárcere de segurança máxima quando escrever o próximo…
Tal ataque à liberdade religiosa não ocorreu sem oposição.
É crime expressar a própria opinião católica?
A pandemia do covid desestruturou o país até as suas raízes, interrompendo a vida política e cultural especialmente no campo conservador. As reuniões públicas, embora não totalmente impossíveis, tornaram-se muito difíceis de organizar, devido às restrições sanitárias. No entanto, à medida que o projeto de lei tramitava no Parlamento, grupos pró-vida e pró-família começaram a se reunir, formando a coalizão Restiamo Liberi (Permanecemos livres). O objetivo da coalizão é muito simples: interromper o projeto de lei Zan fazendo ouvir a voz do povo.
Em um comunicado à imprensa, Restiamo Liberi definiu o seu objetivo: “Dizemos NÃO à instituição de um novo crime, o da ‘homotransfobia’, não definido pelo legislador, deixando assim enormes espaços para interpretações e desvios liberticidas, que atingirão todos aqueles que se expressarem de maneiras não alinhadas com o pensamento politicamente correto. Numa época em que o poder está cada vez mais concentrado nas mãos de poucos, a instituição do crime de opinião é mais um passo rumo à repressão da divergência, de qualquer dissidência. Este é um fato que deve preocupar a todos”.
No sábado, 11 de julho de 2020, o Restiamo Liberi organizou 100 manifestações públicas em diversas cidades italianas. Em Monza participaram mais de 150 pessoas, enquanto em Roma foram quase mil, evidenciando a penetração popular que o movimento pró-família alcançou. Os membros da Associazione Tradizione Famiglia Proprietà, da qual sou presidente, participaram de várias dessas manifestações.
Massimo Gandolfini, líder do Dia da Família, declarou: “A liberdade de expressão e a liberdade de professar a religião estão em risco. Quem se preocupa com a liberdade e a democracia, independentemente de suas crenças religiosas ou políticas, é chamado a apoiar a campanha”. E Antonio Brandi, de Pro Vita & Famiglia, confirmou: “A homofobia não é uma emergência e o projeto de lei Zan representa a ditadura do LGBTQ, uma lei que reduz a liberdade de opinião garantida constitucionalmente”.
O eloquente silêncio do Vaticano
As manifestações foram um sucesso? Irão influenciar o Parlamento? Em um mundo sempre em movimento, como o nosso, é difícil responder. Dadas as atuais circunstâncias, obviamente elas foram um sucesso, pelo menos em termos relativos. Mas é um fato infeliz que a barreira do horror à homossexualidade e ao transgenerismo esteja diminuindo, assim como ocorreu em relação ao controle da natalidade, divórcio e aborto. A opinião pública italiana está se deteriorando gradualmente, tornando cada vez mais difícil reunir apoio a causas pró-vida e pró-família. A menos que algo muito profundo aconteça no campo espiritual — isto é, uma conversão —, esse curso dos acontecimentos não mudará.
Temos uma dificuldade imediata, que é a liderança. Os católicos italianos não receberam nenhuma orientação do Vaticano em relação a esse projeto de lei. O Papa Francisco não pronunciou uma só palavra. Pelo contrário, apoiou publicamente algumas das políticas adotadas pelo governo de esquerda. Num país profundamente católico, onde a voz da Igreja poderia ter um efeito retumbante, esse silêncio é extremamente prejudicial.
A Conferência Episcopal Italiana (CEI) emitiu um comunicado criticando o Projeto de Lei Zan-Scalfarotto, mas em termos tão moderados que o tornam praticamente ineficaz. Ademais, ele não foi seguido por nenhuma ação concreta. Nas manifestações do Restiamo Liberi não havia bispos, mas apenas um punhado de sacerdotes. As paróquias e associações católicas os evitaram, de acordo com o tratamento “prudente” adotado pela CEI em relação ao governo. Isso se traduz em uma atitude de não resistência a qualquer mal resultante dele. Apenas dois bispos alertaram os católicos sobre as consequências sinistras que esse projeto de lei teria.
Nem sequer no âmbito político existe uma figura nacional capaz de coordenar esses grupos de base e transformá-los em um movimento politicamente eficaz. O ponto importante, porém, é que na base as pessoas estão dispostas a lutar em defesa da liberdade de expressão e religião. Enquanto elas não recuarem, tudo é possível.