Não é de estranhar que, pela acentuada vocação marítima de Portugal, tenha sido a devoção dos marinheiros de Lisboa uma das mais populares no país, e, por essa razão, uma das primeiras a se implantar no Brasil.
Escada?
Que nome estranho para designar uma devoção a Nossa Senhora, poderão pensar alguns ao ouvi-lo.
Outros, mais eruditos, estabelecerão talvez um nexo com a escada de Jacó, narrada na Sagrada Escritura, pois o Patriarca sonhou com uma escada que levava ao Céu.
De modo análogo, Nossa Senhora leva ao Céu, logo… E ainda outros, quiçá, relacionarão o nome com imagens da Paixão de Cristo, dado que, muitas vezes, Nossa Senhora aparece ao lado da escada utilizada para descer o corpo de seu Divino Filho da cruz.
O que ninguém consegue imaginar é a razão verdadeira da invocação Nossa Senhora da Conceição da Escada.
Na origem do nome, singeleza de circunstâncias naturais
Qualquer pessoa dotada de cultura básica conhece a enorme importância que tiveram as navegações e descobrimentos portugueses nos séculos XV e XVI, bem como o fato de terem sido os navegantes lusos que uniram, por via marítima, diversos continentes.
E que tal epopeia ocorreu mediante viagens realizadas a bordo de navios que, se comparados aos de hoje, eram semelhantes a frágeis cascas de nozes.
Coragem não faltou aos navegantes daquela época. Também não faltou fé e fortaleza para correr todos os riscos. E tal fé dos marinheiros lusos encontrava uma expressão encantadora na devoção a Nossa Senhora da Conceição da Escada, na cidade de Lisboa.
A imagem original da Virgem Santíssima – que depois ficou conhecida sob essa invocação – é muito antiga, anterior à reconquista da cidade aos mouros, em 1147.
Ela se encontrava em uma capela situada à margem do rio Tejo. Ao partir, os marinheiros encomendavam-lhe seus trabalhos, e agradeciam sua proteção ao voltar. Como a margem do rio é elevada, precisavam subir ou descer os 31 degraus que separam a capela do rio.
Por isto, com a passar do tempo, a imagem de Nossa Senhora da Conceição começou a ser chamada de Conceição da Escada, para diferenciá-la de outras imagens de Nossa Senhora da Conceição.
Desse fato resultou que a imagem passou a ser conhecida como Nossa Senhora da Escada.
Dada a importância que a vida ligada ao mar tinha para o povo português naquela época, é compreensível que a referida imagem fosse das mais veneradas.
De onde se explica que, cada vez que se decidia a realização de procissões para celebrar tal ou qual vitória, ou pedir proteção contra este ou aquele flagelo, eram as procissões da capela de Nossa Senhora da Escada das mais concorridas.
Com o tempo, começaram a acorrer à capela pessoas em barcos de locais longínquos, a fim de cumprir promessas e votos, bem como agradecer favores recebidos. Numa determinada época, realizava-se uma procissão com tochas acesas, provavelmente à noite, que descia o rio até chegar à capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição da Escada.
Vitória de Aljubarrota fortalece devoção
A procissão mais importante, porém, era a que comemorava a vitória dos portugueses em Aljubarrota, no ano de 1385.
As tropas portuguesas, comandadas pelo Venerável Nun’Álvares Pereira, lutavam não só para defender a independência do país, mas sobretudo para este não cair no cisma que ameaçava dividir a Cristandade, já que o Rei de Castela na ocasião apoiava um antipapa.
Após travarem a luta em condições de inferioridade numérica, os portugueses obtiveram memorável vitória.
Ao ter notícia do triunfo, o povo acudiu em massa aos diversos santuários do país, e um dos mais concorridos foi o de Nossa Senhora da Escada, onde pessoas de todas as classes sociais se dirigiram para agradecer a Nossa Senhora a insigne proteção.
Que tenham sido de todas as classes sociais não é de estranhar, pois à Marinha dedicavam-se representantes de todos os segmentos sociais da época. Desde os nobres mais elevados que comandavam as armadas com destino à África ou à Ásia, até os mais humildes servidores.
Devoção expande-se para Bahia e São Paulo
Com as descobertas marítimas que iam sendo feitas, a Fé católica ia se expandindo. Por isso, ao dominar novos territórios, uma das primeiras preocupações dos portugueses era ensinar as verdades da Fé aos habitantes do local.
E nada melhor para consolidar uma alma no caminho da verdadeira Religião do que ensiná-la a amar e confiar nAquela que é a Mãe de Deus, e por isso mesmo, nossa advogada.
Como dois dos primeiros locais a serem colonizados em nosso País foram a Bahia de Todos os Santos e zonas na região próximas ao litoral de São Paulo, é compreensível que aí se encontrem as duas capelas dedicadas a Nossa Senhora da Escada.
A existente na Bahia apresenta uma característica muito antiga, da época da escravidão: os escravos, quando ainda não batizados, não podiam ficar dentro da Igreja, permanecendo num alpendre junto à entrada. É por isso que o pequeno templo possui um amplo alpendre.
A outra capela situava-se numa vila chamada Escada, nome este proveniente da própria invocação mariana. Tal capela está situada cerca de Guararema, cidade a 80 quilômetros da capital paulista. Devido à sua proximidade do rio Paraíba, essa vila era frequentada tanto por pescadores como por viajantes que navegavam rumo ao Rio de Janeiro.
Quando passou por lá, em 1717, o Conde de Assumar, Governador de São Paulo, Escada era uma vila que já possuía sua própria Câmara Municipal. Mas o pequeno núcleo não prosperou, e com sua decadência também foi minguando a devoção mariana que lhe deu origem.
As devoções marianas não constituem, via de regra, um fruto artificial, ocasionado por algum interesse humano. Elas florescem naturalmente quando Nossa Senhora distribui suas graças, valendo-se, por exemplo, de uma imagem sob esta ou aquela invocação.
E se o povo é verdadeiramente piedoso, costuma corresponder a essas graças, propaga-se naturalmente a devoção Àquela que o sustenta nas duras lutas da vida.
Quando, porém, a população decai em fervor e não mais invoca a Virgem Santíssima, as devoções ligadas a alguma capela ou imagem também por vezes decaem.
As pessoas deixam de frequentar o local, e vão se esquecendo das graças recebidas.
Nessas condições, não raro Nossa Senhora opera novo prodígio, a fim de reerguer a antiga devoção. Mas, infelizmente, nem sempre os homens correspondem à nova manifestação da bondade materna.
Dois terremotos e decadência da devoção
Foi o que aconteceu com a imagem de Nossa Senhora da Escada em Portugal. Em 1531 um terremoto destruiu a capela, que foi reedificada. Mas como a devoção continuava decaindo aos poucos, permitiu Nossa Senhora que novo terremoto em Lisboa, mais terrível que o anterior, destruísse o pequeno templo em 1755.
Nos dois casos, os edifícios que abrigavam a imagem foram destruídos, salvando-se contudo, milagrosamente, entre as ruínas, tanto a efígie mariana como o altar em que ela se encontrava.
A decadência do culto a Nossa Senhora sob essa invocação havia chegado a tal ponto, que a capela da Escada não foi mais reconstruída.
Por isso, a primitiva imagem foi levada para o templo de Nossa Senhora das Mercês em Lisboa, onde se encontra até hoje. Pareceria um triste fim de uma invocação mariana antes tão difundida.
Renascimento promissor
Entretanto, a devoção não morreu. Ela deitou raízes em nosso País, surgindo várias capelas a ela dedicadas. É o caso da que foi edificada na vila da Escada, acima referida, no Estado de São Paulo, e anos atrás em Curitiba, no bairro Novo Mundo.
Peçamos à Mãe de Deus que este seja um sinal do revigoramento dessa bela devoção tão acendrada em nossos ancestrais lusos, especialmente os navegadores, que a trouxeram para a Terra de Santa Cruz.
Nossa Senhora da Conceição da Escada é a Padroeira da cidade de Barueri, cuja festa celebra-se em 21 de novembro.
Localização da Capela de Nossa Senhora da Escala em Barueri, no Google Maps. CLIQUE