O CAMINHO SINODAL, UMA CAIXA DE PANDORA

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Sessão plenária do sínodo com a presença do Papa

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 874, Outubro/2023

Já nos primeiros dias após o seu lançamento, o livro com o título em epígrafe suscitou grande polêmica e repercutiu em diversos países. A obra é de autoria de nossos colaboradores Julio Loredo e José Antonio Ureta [vide artigo que reproduzimos ontem, 27-10-23].

Para falar desse oportuno livro entrevistamos Julio Loredo, jornalista, escritor e conferencista residente em Milão, presidente da TFP italiana. Ele é autor de outra obra, também de grande repercussão, Teologia da Libertação – Um salva-vidas de chumbo para os pobres.

Julio Loredo: “Na realidade, as propostas sinodais foram preparadas por organismos burocráticos largamente dominados pelas facções progressistas. São sempre os velhos progressistas manipulando o Sínodo”

Poderia explicar em duas palavras a importância deste livro recém-lançado?

Com muito gosto. O Papa Francisco convocou para outubro um Sínodo Geral, que se repetirá em outubro de 2024. Em princípio, trata-se da 16ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos. Vários fatores, porém, apontam para o fato de que poderá ser um evento histórico na vida da Igreja. Os promotores mais autênticos do chamado “caminho sinodal” ou “processo sinodal”, a começar por muitos bispos alemães, querem nada menos que mudar radicalmente a estrutura da Igreja, transformando-a numa “pirâmide invertida”. Para tal, desejam mudar pontos centrais do Magistério, como por exemplo a autoridade eclesiástica e a disciplina dos Sacramentos. Não falta quem denomine esse Sínodo de “Concílio Vaticano III”.

         Na intenção de seus promotores, o processo sinodal teria que envolver todo o “Povo de Deus”. Seria, pois, segundo eles, uma expressão de todos os fiéis inspirados pelo Espírito Santo. Na realidade, as propostas sinodais foram preparadas por organismos burocráticos largamente dominados pelas facções progressistas. Em outras palavras, são sempre os velhos progressistas que, manipulando o Sínodo, querem impor a sua agenda. E para isso invocam nesse momento o Espírito Santo…

 Apesar da importância dos temas e do seu interesse para todos os católicos, o debate sobre esse Sínodo permaneceu em grande parte restrito aos “iniciados”. O público em geral pouco sabe a respeito. Este livro tem o objetivo de preencher essa lacuna, explicando em termos simples o que está em jogo.

O que é um Sínodo e o que o Papa Francisco teria inovado?

O Sínodo dos Bispos é um órgão permanente da Igreja Católica, externo à Cúria Romana, que representa o episcopado. Ele foi criado pelo Papa Paulo VI em 15 de setembro de 1965, com o Motu Proprio Apostolica sollicitudo. Até 2015 — quando o Papa Francisco introduziu nele mudanças radicais — o Sínodo tinha apenas um papel consultivo, limitando-se a discutir os temas indicados pelo Sumo Pontífice. Passou então a incluir todos os fiéis, ter poder decisório e caráter permanente. Ou seja, transformou-se numa espécie de Parlamento. O objetivo é modelar uma nova “Igreja sinodal”, ou seja, uma Igreja democratizada, governada por um processo sinodal permanente no qual todos os fiéis teriam voz e vez. Os promotores deste processo afirmam que não devemos ter medo de tocar nas próprias raízes da Igreja e de mudá-las segundo uma concepção democrática.

Um dos principais chavões do Sínodo é a palavra “escuta”. Os Pastores devem “escutar o povo para discernir o que o Espírito Santo diz às igrejas”. De mestres passam a ser também discípulos. Assim, os bispos, e até o Bispo de Roma, começariam a perder a tríplice autoridade — ensinar, governar e santificar —, a qual passaria a “vir de baixo para cima”. Essa escuta de toda a comunidade implica uma reformulação da autoridade na Igreja. De acordo com o Papa Francisco, é preciso inverter a estrutura hierárquica da Igreja: “Nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base”. É exatamente o que propunha o então Frei Leonardo Boff no livro Igreja. Carisma e Poder, condenado pelo Vaticano. Neste sentido, a nova “Igreja sinodal” se parece muito com a “Igreja do povo” propugnada pela velha Teologia da Libertação.

Deveria então ser escutado todo o “Povo de Deus”?

Em princípio, sim. Na realidade, faz-se uma opção preferencial (eu diria quase exclusiva) pelas chamadas “minorias marginalizadas”. Os documentos sinodais mencionam as mulheres, as minorias raciais, os divorciados recasados, as famílias monoparentais, as pessoas que vivem em casamento polígamo, as pessoas LGBTQ+, as pessoas sem fé etc. Na realidade, qualquer pessoa que se sinta “excluída”. Tratar-se-ia de “escutar” essas minorias marginalizadas para “incluí-las radicalmente” (outro chavão do Sínodo).

A Igreja sempre acolheu a todos com amor e misericórdia, pedindo uma sincera conversão e o propósito de caminhar nas vias do bem. Ela acolhe o pecador, não o pecado. Mas “incluir” é muito diferente: acolhe-se o pecador e o pecado, pois não podemos discriminar ninguém. Repete-se que “devemos caminhar juntos, sem excluir ninguém”. No modo como é feito, isso é muito perigoso.

O senhor poderia exemplificar?

Ordenação de mulheres: não é o que quer o comum dos católicos no mundo

Tomemos o caso dos homossexuais praticantes, e até militantes. Visto que não podemos discriminá-los, devemos acolhê-los como eles são, não podendo fechar-lhes nenhuma porta, nem sequer a do sacerdócio. “Temos que incluir radicalmente as pessoas LGBT”, diz o Cardeal McElroy. Ora, isso não é possível sem mudar a doutrina e a disciplina da Igreja. Eis a proposta de mudar o Magistério, pois “a base sociológico-científica desse ensinamento não é mais correta”, segundo o Cardeal Hollerich, Secretário do Sínodo.

De outro lado, “incluir” os homossexuais na Igreja significa incluí-los em todos os sacramentos, entre eles o casamento. Eis a proposta de aprovar o “matrimônio” entre pessoas do mesmo sexo. Na impossibilidade de aprová-lo, os promotores do Sínodo propõem uma cerimônia de “Bênção aos casais que se amam” (sic).

Tomemos o caso das mulheres. Aqui também não poderíamos fechar nenhuma porta, nem mesmo a da ordenação sacerdotal. Seria, portanto, uma proposta para franquear-lhes o sacerdócio, ou ao menos o diaconato. É muito significativo que, pela primeira vez na história, o Papa Francisco concedeu às mulheres o direito a voto no Sínodo dos Bispos.

Como o senhor vê, é uma verdadeira “Caixa de Pandora” que se abre: uma vez que se começa a caminhar por esse processo sinodal, escorregadio e perigoso, nenhum freio é possível às mudanças que se podem operar na Igreja. Levado às últimas consequências, esse processo — ao menos na sua versão alemã, que já está influenciando o processo universal — acarretaria uma profunda subversão na Santa Igreja Católica. O Cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, afirma: “Eles sonham com outra Igreja que nada tem a ver com a fé católica. […] e procuram abusar desse processo para levar a Igreja Católica, não apenas em outra direção, mas à destruição da Igreja Católica”.

Por que o purpurado fala de “abusar desse processo”?

Como falei no início, para ser verdadeiramente democrático, o processo sinodal teria que consultar todos os fiéis. Ora, no testemunho dos próprios promotores, esse processo não envolveu quase ninguém. Aliás, 95% dos fiéis nem sequer sabiam desse Sínodo… Eis alguns números: na França foram consultados apenas 0,35% dos fiéis; na Espanha, 0,77%; na Bélgica, 0,54%, e assim por diante. Na América Latina foram consultados apenas 0,21%. Ridículo!

Não sei com que coragem os promotores do Sínodo pretendem falar em nome do “Povo de Deus”… Seja como for, a pífia resposta dos fiéis às pesquisas do Sínodo levanta uma questão crucial que poderia invalidá-lo em sua raiz: pode-se falar de consulta ao “Povo de Deus” com base em tão pequenas minorias? Quem são essas minorias? Quem as move?

É muito oportuno lembrar a suspeita que está emergindo em muitos especialistas em assuntos do Vaticano: estaríamos diante de um Sínodo fraudulento?

Que tipo de repercussões tem suscitado o livro?

A reação tem sido impressionante. Duas semanas após a publicação do livro, temos já centenas de notícias publicadas em todo o mundo, no New York Times, no Washington Post e em grandes jornais europeus. Até o Papa Francisco falou dele durante o voo de volta da Mongólia, respondendo à pergunta de um repórter espanhol. Acho que é uma grande honra para o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira estar no centro desta campanha de alcance mundial.

Poucos assistentes em uma das sessões de escuta sinodal na cidade de Cleveland, em Ohio, EUA. O mesmo resultado não tem sido muito diferente no resto do orbe católico

Que fatores poderiam estar ajudando a explicar este êxito?

 Acho que um crescente número de católicos se sente ludibriado pelos promotores do Sínodo. Quando falo disto nas paróquias ou em ambientes católicos, sempre peço que levantem a mão os que foram consultados. Ninguém! Isto está provocando uma crescente indignação. Estão usando o nosso nome para fazer na Igreja uma revolução que nós não queremos.

Usando linguagem difícil nos documentos e ocultando os verdadeiros objetivos da manobra, os promotores do Sínodo pensavam que podiam avançar sem serem descobertos. Este livro os pega “com a mão na cumbuca”, para usar uma expressão coloquial, e dá um grito de alarme de alcance mundial.

Outro fator muito comentado é o tom: mesmo afirmando teses muito claras e contundentes, o livro mantém sempre um tom sereno, elevado e respeitoso com as legítimas autoridades.

O senhor desejaria dizer algo mais aos leitores de Catolicismo?

Sim. Talvez não seja mera coincidência que este livro esteja sendo lançado no 80º aniversário do que alguns estudiosos acreditam ter sido um dos primeiros brados de alarme sobre a crise iminente na Igreja, que agora atinge o seu paroxismo. Falamos do livro Em Defesa da Ação Católica, escrito em 1943 por Plinio Corrêa de Oliveira, então presidente da Junta Arquidiocesano da Ação Católica de São Paulo [matéria de capa da edição de junho em Catolicismo].

Nessa obra, o grande pensador e líder católico brasileiro denunciou a infiltração, agora generalizada, de erros neomodernistas e esquerdistas na Igreja. É impressionante a afinidade entre aquelas antigas propostas, então incipientes, com as apresentadas hoje pelos promotores do caminho sinodal. Mais uma vez, os fatos demonstram a incrível visão profética do autor de Em Defesa da Ação Católica.

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