O traje, espelho de uma época

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    O traje, de um ponto de vista meramente material, isto é, quanto ao serviço que presta ao corpo, não é senão um agasalho. Quando muito se lhe pode reconhecer a função de proteger um certo pudor que brota das profundezas do instinto.

    Mas quem sabe que o homem não é só matéria, sabe também que o traje não é apenas um agasalho, que segundo a ordem natural das coisas ele deve também prestar serviço ao espírito.

    Que serviço? Por uma propriedade que não é apenas convencional ou imaginativa, mas que crava raízes no âmago da realidade, certas formas, certas cores, as qualidades de certos tecidos, produzem no homem determinadas impressões, que são mais ou menos as mesmas para todos os homens. Impressões e, pois, estados de espírito, atitudes mentais, em certos casos todo um pendor da personalidade. É este um dos fundamentos da arte. Assim pode o homem, por meio do traje, exprimir até certo ponto sua personalidade moral, o que facilmente se pode notar no vestuário feminino, tão apto a espelhar o feitio mental da mulher.

     

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    O traje profissional tende a exprimir mais do que o feitio mental de um indivíduo, o feitio mental próprio à profissão: será sóbrio como uma batina de Sacerdote, grave como uma beca de professor, imponente como um manto de Rei, etc.

    Quando uma época se preocupa em elevar o homem, é sedenta de dignidade, de grandeza, de seriedade, dispõe o vestuário – comum ou profissional – de maneira a acentuar em cada pessoa a impressão desses valores. Será ou tenderá a ser nobre, digno, varonil, o traje de todo homem, desde o Soberano até o último plebeu. É o que se nota nos trajes antigos. Publicamos nesta pagina a fotografia de um mero porteiro do Banco da Inglaterra, com suas vestes tradicionais. Seria impossível exprimir e valorizar melhor a modesta mas real parcela de responsabilidades que seu cargo, obscuro mas honesto possui.

     

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    Os outros clichês representam contemporâneos nossos vestidos como o são habitualmente, nas praias e nos campos de certos países, homens de categoria que se prezam de estar em dia com o “progresso”. Estes trajes, como se sabe, tendem a invadir toda a vida: já são francamente admitidos no uso corrente em algumas cidades, como Paris no verão.

    Que mentalidade revelam estes trajes? Tudo quanto se pode talvez tolerar num menino… mais nada.

    Que oportunidade dão eles a que se espelhe o que a alma de um homem bem formado deve espelhar, em qualquer classe social, isto é, gravidade, senso de responsabilidade, elevação de espírito?

    A resposta é óbvia.

    “Dize-me como te trajas, e eu te direi quem és”. Esta máxima, tantas vezes errada se a quisermos aplicar a cada pessoa individualmente considerada, é bem verdadeira para as várias épocas da Historia.

    Dois tipos de traje, duas mentalidades, dois estilos de vida.

    Que diferença! E quem ousará dizer que foi para melhor?

     

     Publicado originalmente em “Catolicismo” Nº 20 – Dezembro de 1952   na seção Ambiente, Costumes, Civilizações”

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