“Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra; escolhestes a vergonha e tereis a guerra”. Com essa frase, Churchill advertiu Chamberlain, então Primeiro Ministro da Inglaterra, após este celebrar o “acordo de Munique” e permitir à Alemanha nazista invadir a região dos sudetos, em território tcheco.
A Tchecoslováquia era aliada da Inglaterra, mas o comodismo da paz falava mais alto a muitos dos contemporâneos de Churchill, ébrios de não ver o perigo crescente de um Estado totalitário e expansionista. Meses depois, a Alemanha invadia a Polônia. A II Guerra Mundial começava…
Em 1971, comentando a frase de Churchill e o acordo de Munique, afirmou Plinio Corrêa de Oliveira em artigo para a imprensa diária: “Munique não foi apenas um grande episódio da História deste século. É um acontecimento-símbolo na História de todos os tempos. Sempre que haja, em qualquer tempo e em qualquer lugar, um confronto diplomático entre belicistas delirantes e pacifistas delirantes, a vantagem ficará com os primeiros e a frustração com os segundos.”(1)
Os atentados na capital francesa
A França, Filha Primogênita da Igreja, sofreu uma série de atentados empreendidos por terroristas islâmicos no dia 13 de novembro último. As vítimas não podiam estar mais despreocupadas e despreparadas. Assistiam a uma partida de futebol, jantavam em um restaurante, participavam de um espetáculo de rock numa casa de shows… Tudo indicava mais um dia comum na noite parisiense, mais um dia sem preocupações para os homens de nossa época, tão acostumados a uma paz aparente e tão pouco afeitos ao sacrifício.
No começo deste ano, a própria França já havia sofrido outro atentado, contra jornal “Charlie Hebdo”.
A esses atos do terrorismo islâmico em território francês somam-se diversos outros, realizados nas últimas décadas, sendo o mais paradigmático o que ocorreu nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, quando terroristas sequestraram aviões e os lançaram contra as torres gêmeas do World Trade Center e o edifício do Pentágono.
O Estado Islâmico ainda assumiu a autoria de outros dois atentados nas duas semanas anteriores ao ataque em Paris, um dos quais consistiu na derrubada de um avião russo no Egito.
O pacifismo relativista
Vivemos em um mundo nascido dos escombros das duas grandes guerras. Um mundo desejoso do pacifismo mais do que da verdadeira paz; do irenismo ecumênico, mais do que da verdade.
Imerso no relativismo nascente, o homem dessa época buscou criar um pretenso paraíso natural, onde Deus foi eliminado da esfera pública e a religião substituída pelo laicismo.(2)
Imaginando um mundo sem fronteiras e sem ideais, até mesmo sem religião, nas palavras de um conhecido hino pacifista,(3) a sociedade ocidental foi se afastando do cristianismo e mergulhando no relativismo.
Para evitar as surpresas inerentes à vida nesta Terra, criaram-se seguros e resseguros contra todo tipo de imprevisto. Mas o mundo securitário acordou inseguro após mais um encontro entre duas civilizações tão diversas como diversa é a luz das trevas, a verdade do erro.
Não que a França — ou qualquer outro país do Ocidente — seja exemplo de civilização cristã, sobre a qual estamos a nos referir, mas sim que os países ocidentais representam o resto dessa civilização ainda presente em nossos dias, como presente está o perfume em uma flor já quase morta ou nas folhas restantes de uma árvore recém-partida.
O que é a verdadeira paz
A paz — ensina Santo Agostinho — é a tranquilidade da ordem. Em outros termos, é a disposição das coisas segundo sua natureza e finalidade. A paz não é o pacifismo, não é a atitude de indiferença mole e sentimental para com o erro e seus cúmplices. Por isso, disse Nosso Senhor: “Eu vos dou a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo 14,27).
Só pode existir verdadeira paz, portanto, se existir uma clara noção da natureza e da finalidade do homem. E isso é impossível sem a verdadeira Religião. O relativismo, nesse sentido, ao invés de criar uma paz verdadeira, desmobilizou o Ocidente e criou as condições psicológicas para a expansão do Islamismo.
Diante dessa expansão violenta de um inimigo beligerante, como foi o nazismo e o comunismo outrora ou como é o Estado Islâmico em nossos dias, não é possível ficar inerte, saudosista de um mundo pacifista irreal.
“Amamos a morte mais do que vocês amam a vida”
Em recente entrevista, um militante do Estado Islâmico afirmou, com uma calma “desconcertante” segundo o entrevistador: “Estamos indo atrás de vocês, com homens que amam a morte tanto quanto vocês amam a vida. Vocês nunca estarão seguros enquanto estivermos vivos.”(4)
De um lado, otimismo e pacifismo. De outro, um “belicismo místico” e fundamentalmente antiocidental. Enquanto os que adotam o primeiro preferem recuar e ceder, sorrindo despreocupadamente e se afastando cada dia mais do cristianismo, os que abraçam o segundo ameaçam e intimidam através da propaganda e do terror em nome de sua religião.
“É próprio ao belicismo fanático delirar e agredir. É próprio ao pacifismo fanático fechar os olhos, ceder, recuar.”(5)
Tolerância mal compreendida: vulnerabilidade e ditadura
Um dos paradoxos do relativismo é de se pretender absoluto. Quanto mais relativista é a pessoa, mais ela defende esse relativismo como a verdade, a única verdade.
Isso, em grande parte, explica a constante acusação de fanatismo — e não rara perseguição — lançada pelos “liberais” contra aqueles que se opõem doutrinariamente ao aborto ou à agenda homossexual. Para quem vive no século do relativismo, é preciso ser intolerante para aquele que é coerente na doutrina.
Esse relativismo para com a verdade, por outro lado, leva os Estados laicos a promover um multiculturalismo mal definido e indiscriminado, tornando-os profundamente vulneráveis em relação ao Islã. Por não possuir uma doutrina objetiva, o relativismo é incapaz de julgar os “diferentes”,(6) recebendo-os sem os critérios necessários para proteger sua própria cultura e civilização.
Em consequência, a “tolerância” rapidamente se torna intolerante para com todos aqueles que são firmes na doutrina, independentemente de estarem certos ou errados, e se torna muito vulnerável em relação às novidades, para com o multiculturalismo, ainda que isso coloque em risco a sua própria identidade.
O processo revolucionário e a desestabilização do Ocidente
Desde que se operou a Redenção do gênero humano e a Cristandade produziu seus frutos, renovando a face da Terra,(7) jamais essa monumental obra evangelizadora, mesmo em meio às piores heresias, tornou-se tão vulnerável como nos dias de hoje.
Não é a primeira vez que a expansão do Islã ameaça o Ocidente — e, provavelmente, não será a última — mas a Igreja Católica sempre enfrentou o perigo externo conservando uma razoável unidade interna. Tal unidade interna, infelizmente, não mais existe nos povos cristãos (ou ex-cristãos). Hoje, não temos um São Pio V ou mesmo um D. João d’Áustria, heróis, a títulos diversos, da gloriosa batalha naval em Lepanto quando o Islã tencionava invadir a Europa.
Amolecidas pelo Renascimento e divididas pela heresia protestante, as nações do Ocidente se deixaram seduzir pelo mito igualitário da Revolução Francesa e do comunismo.
Durante séculos, a Revolução minou os fundamentos do cristianismo dentro da própria civilização cristã.(8) Esse processo multissecular gerou um vazio religioso nas sociedades ocidentais, tornando o islamismo ainda mais perigoso.
Os recentes acontecimentos terroristas, bem como a atual imigração para o continente europeu de comunidades inteiras praticantes do islamismo,(9) contribuem para desestabilizar ainda mais a Europa, já enfraquecida pela sua própria crise religiosa.
Uma situação como essa só encontra precedente na queda do Império Romano, quando os bárbaros transpuseram as fronteiras de um império já em decadência.
O maior perigo é a crise interna do Ocidente
O maior perigo, nesse sentido, não está nos terroristas, boa parte deles vivendo nas montanhas ou em desertos e que utilizam armas, celulares e transportes ocidentais. De si, são eles praticamente incapazes de progredir em sua própria cultura. O perigo consiste, sobretudo, nessa decadência religiosa dos povos do Ocidente.
Grande parte dos líderes desse ressurgimento árabe-islâmico, ademais, estudou e viveu no Ocidente. Foi em nossa área de civilização que esses militantes receberam a formação revolucionária que depois aplicaram em seus países.(10)
Enquanto os “Chamberlains” ditarem os rumos do Ocidente, o terrorismo islâmico continuará crescendo e poderá até mesmo, em futuro não muito distante, vir a ocupar porções do território ocidental. Mas ainda que um novo “Churchill” surgisse e que o Islamismo fosse enfrentado com vigor, mesmo assim seria uma solução temporária e superficial, caso não houvesse uma autêntica conversão interior das pessoas e das nações.
Restaurar a civilização, única solução
Sem restaurar a verdadeira civilização,(11) não há solução viável para o Ocidente laico e relativista, dominado por um pacifismo hedonista, diante de um oponente convicto e fanático, militarmente disposto a enfrentar a civilização.
O Papa São Pio X focalizou esse tema com sábias palavras: “A civilização não mais está para ser inventada, nem a cidade nova para ser construída nas nuvens. Ela existiu, ela existe: é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos contra os ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade.”(12)
Em Paris, no último dia 13 de novembro, a impiedade golpeou o Ocidente mais uma vez. Contudo, é em momentos como esses que a graça suscita nos homens um desejo de Ordem,(13) condição prévia para a obtenção da verdadeira paz.
É com essa confiança na Divina Providência que repetimos as palavras com as quais Plinio Corrêa de Oliveira encerrou seu artigo A Cruzada do Século XX, publicado no primeiro número de Catolicismo:
“Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos com que os cruzados marcharam para Jerusalém. Porque, se nossos maiores souberam morrer para reconquistar o sepulcro de Cristo, como não queremos nós — filhos da Igreja como eles — lutar e morrer para restaurar algo que vale infinitamente mais do que o preciosíssimo Sepulcro do Salvador, isto é, seu reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou e salvou para O amarem eternamente?”(14)
Artigo publicado na Revista Catolicismo de dezembro/2015
_____________
Notas:
- Churchill, o avestruz e a América do Sul, “Folha de S. Paulo”, 31-1-71.
- O laicismo, embora não se pretenda uma religião, erige-se como tal ao definir as práticas religiosas socialmente aceitas. Não raramente, degenera em perseguição religiosa.
- A música Imagine de Jonh Lennon se tornou um dos símbolos desse novo mundo e não por acaso foi tocada, no dia seguinte aos atentados, em frente a um dos locais atingidos pelos terroristas.
- “BBC Brasil”, 22-5-2015.
- Plinio Corrêa de Oliveira, op cit.
- “Examinai tudo. Retende o bem“ (1 Tessal. 5, 21).
- Vide Leão XIII, Encíclica Tametsi futura prospiscientibus, 1-11-1900.
- Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução.
- Fala-se em quase um milhão de árabes, apenas neste ano, a imigrar para a Europa.
- A esse respeito, vide Catolicismo, novembro/2001.
- “Não há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há verdadeira civilização moral senão com a Religião verdadeira” (São Pio X, Carta ao Episcopado Francês, de 28-8-1910, sobre “Le Sillon”).
- Notre Charge Apostolique, 25-8-1910.
- “E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal” (Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Parte II, cap. II, 1).
- Plinio Corrêa de Oliveira, A Cruzada do Século XX, Catolicismo, nº 1, Janeiro/1951.
Igreja Católica, Santo Padre. Bispos, Padres, levem-nos ao espírito das cruzadas!
Salve Maria!