Poucos dias faz o cardeal alemão dom Walter Brandmüller [foto] tomou posição clara contra a “Instrumentum Laboris”, documento divulgado pela Santa Sé como preparação para o sínodo de bispos sobre a Amazônia que se realizará entre 6 e 27 de outubro no Vaticano. Comentei-a em artigo intitulado “O ‘non possumus’ do cardeal alemão” (periclescapanema.blogspot.com). Relembro palavras do Purpurado alemão: “Para começar precisamos nos perguntar por que um sínodo de bispos deveria tratar de temas que — como é o caso de três quartos da ‘Instrumentum Laboris’ — têm só marginalmente algo relacionado com os Evangelhos e a Igreja. Obviamente que a partir deste sínodo de bispos, realiza-se uma intromissão agressiva em assuntos puramente temporais do Estado e da sociedade do Brasil. Há que se perguntar: o que a ecologia, a economia e a política têm a ver com o mandato e a missão da Igreja. Deve ser dito hoje com força que a ‘Instrumentum Laboris’ contradiz o ensinamento vinculante da Igreja em pontos decisivos e, portanto, deve ser qualificada de documento herético. Dado que até mesmo a revelação divina é aqui questionada, ou mal-entendida, deve-se também falar que, além disso, é apóstata. […] A ‘Instrumentum Laboris’ usa uma noção puramente imanentista de religião [..] constitui um ataque aos fundamentos da fé, […] deve ser rejeitada com a máxima firmeza”.
Hoje falo de outro cardeal alemão, dom Gerhard Ludwig Müller [foto], que, de 2012 a 2017, foi Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé — a mais antiga e importante das congregações, encarregada de defender a pureza da doutrina católica —, um dos dois cargos mais importantes na estrutura de governo da Igreja, o outro é o Secretário de Estado. Antes, dom Gerhard, teólogo e professor, havia sido bispo de Regensburg na Alemanha.
Dom Gerard Müller secundou a tomada de posição pública do cardeal Brandmüller, são agora combatentes de batalha comum. De outro modo, com análise profunda censurou a “Instrumentum Laboris”, o documento preparatório para o Sínodo sobre a Pan-Amazônia. Suas palavras, em especial pelo cargo antes ocupado, repercutem tanto ou mais que as de dom Walter Brandmüller.
Perguntado em entrevista de 11 de julho, publicada em “La nuova bussola quotidiana” e em vários outros meios de divulgação sobre se concordava com a afirmação do cardeal Brandmüller de que a “Instrumentum Laboris” é herética, respondeu: “Heresia? Não apenas heresia, é também estupidez, falta-lhe reflexão teológica. O herege conhece a doutrina católica e a contradiz. Aqui há uma grande confusão”. Continua dom Gerhard, o documento “nasce de uma visão ideológica que nada tem a ver com o Catolicismo. O Sínodo da Amazônia é um pretexto para mudar a Igreja, e o fato de se dar em Roma é para ressaltar o início de uma nova Igreja”.
O cardeal encarregado de defender a doutrina católica até 2017, teólogo por formação, detectou panteísmo nos fundamentos da “Instrumentum Laboris” e, coerente, condenou a cosmovisão ali exposta: “A cosmovisão nasce de concepção panaturalista ou, dito em contexto europeu moderno, materialista, próxima à do marxismo. Não se deve idealizar a natureza como se a Amazônia fosse uma zona do Paraíso, por que a natureza nem sempre é amiga do homem. Na Amazônia existem predadores, infecções, doenças. Suas crianças e jovens têm direito a uma boa educação, aos frutos da medicina moderna. Não se pode idealizar, como faz o documento, apenas a medicina tradicional. Uma coisa é tratar uma dor de cabeça, outra as doenças sérias, operações complicadas. O homem tem o dever de tudo fazer para conservar ou recobrar a saúde. Depois do pecado original, inexiste harmonia com a natureza, muitas vezes é inimiga do homem. Não podemos fazer do ecologismo uma nova religião, aqui despencamos numa concepção panteísta, que deve ser recusada. A identificação de Deus com a natureza é uma forma de ateísmo.”
É reconfortante constatar a de inconformidade de figuras da alta hierarquia eclesiástica com o rumo que poderá tomar o próximo sínodo. É consolador, minora a dor do escândalo. Com efeito, a “Instrumentum Laboris” emprega linguagem vaga, conceitos imprecisos, falseia a realidade da Amazônia, abre a porta para erros doutrinários e bafeja ecologismos e coletivismos, mesmos os mais extremados.
E, por fim, convém lembrar, a “Instrumentum Laboris” com suas concepções regressivas, na prática adversária dos avanços civilizatórios, favorece a exclusão dos povos da Amazônia. Vai além, de fato, ao procurar isolá-los em seu estilo de vida, propugna um elitismo às avessas. Denunciando com propriedade o texto de orientação profundamente excludente e que enaltece um elitismo às avessas, os dois prelados compassivos escutaram o gemido real dos povos da Amazônia. Suas palavras aceleram e orientam a inclusão, bem como favorecem a evangelização autêntica. Recordam Deus consolando os judeus: “O clamor dos filhos de Israel chegou até mim; e eu vi sua aflição” (Ex. 3, 9).