As palavras do Arcebispo de Aparecida contrapondo amor e armas — Pátria amada não pode ser armada — repercutiu de formas diversas no público, desde indignações ofensivas até o justo desconcerto dos católicos, acostumados que estamos à ideia de que a Terra é um vale de lágrimas, conforme reza a Salve Regina.
De fato, imaginar uma humanidade dominada pelo utópico amor que invade e subjuga a todos, é negar os efeitos do pecado original no homem. Ora, nos ensina a Igreja que há três virtudes que recebemos com o Santo Batismo: Fé, Esperança, Caridade. Ensina também que as virtudes cardeais (pilares) são quatro: Justiça, Temperança, Fortaleza e Prudência.
Ademais, o Primeiro dos Mandamentos nos manda Amar a Deus sobre todas as coisas; em decorrência vem o amor ao próximo por amor de Deus.
Não há como inverter a ordem posta por Deus e colocar — como faz o Sr. Arcebispo — um estranho bem querer do próximo, mais bem movido por motivos humanitários e laicos, como fator dinâmico da união entre os homens: “E pátria amada com fraternidade. Todos os irmãos construindo a grande família brasileira”, disse Dom Orlando Brandes.
O fator dinâmico da união entre os homens é o Amor de Deus.
Na realidade haverá sempre joio misturado ao trigo.
Ignorar a guerra justa?
A Igreja, desde os primeiros séculos, elaborou — sobretudo com Santo Agostinho — a doutrina da guerra justa, lembra o Prof. De Mattei:
“Hoje, a palavra cruzada tornou-se sinónimo de uma atitude psicológica agressiva e intolerante.
“Agressividade e cruzada são, na realidade, termos incompatíveis. A cruzada foi um empreendimento de defesa contra uma agressão e seria um grave erro confundir a violência com a força, a agressão injusta com a legítima defesa.
“Uma guerra pode ser justa ou injusta segundo o seu fim e as circunstâncias. Guerra injusta é toda a guerra agressiva. Guerra justa é toda a guerra que visa defesa contra uma agressão ou recuperação de um bem do qual se foi injustamente privado.
“Entre os diferentes gêneros de guerra justa, a mais perfeita, se assim pode ser definida, é a que tem como objetivo repelir uma agressão feita não contra bens materiais, mas contra bens espirituais como a fé, ou a identidade cristã do povo. Neste caso a guerra justa pode-se tornar, segundo a doutrina da Igreja, guerra santa e pode, ou deve, ser promovida pela própria Igreja antes mesmo que pelos soberanos ou pelos Estados.
Guerra Santa
“Guerra santa foi a cruzada pregada por (Papa) Urbano II para libertar o Santo Sepulcro e recuperar a Terra Santa. Guerras santas, no sentido mais amplo do termo, foram as grandes batalhas empreendidas pela Cristandade contra os turcos em Lepanto e em Viena. Guerra santa, cruzada, foi a reconquista de Portugal, invadido pelos Mouros em 1139, que consagrou a independência do País sob o primeiro rei D. Afonso Henriques.
“Hoje ouvimos dizer que, no fundo, a perspectiva dos cruzados não era diversa da dos seus inimigos muçulmanos: ambos promoviam uma “guerra santa” para impor a própria religião.
“Esta formulação do problema revela uma profunda incomprensão da nossa religião e do islamismo.
Religião islâmica não requer mudança interior
“A religião islâmica é uma religião meramente exterior. Para a “conversão ao Islão” não se requer nada mais do que a profissão monoteística e uma série de atos formais: a peregrinação à Meca, o jejum no Ramadam, a esmola e a oração ritual. Além de tais prescrições formais não se requer, no Islão, uma transformação da alma, uma conversão interior. A Jihad, a guerra santa islâmica, contrariamente à guerra santa cristã, é uma guerra ofensiva, é uma guerra de agressão, precisamente porque o Islão não conhece a dimensão interior característica do Cristianismo.
“Com efeito, a nossa religião (católica) é uma religião interior que se alimenta na vida sobrenatural da alma. O Baptismo é o sacramento que insere esta vida sobrenatural, a vida da Graça, em nossas almas: com isso o homem é objecto de uma transformação interior, torna-se um homem novo que tem o fundamento da sua nova vida em Jesus Cristo, que diz: “Eu sou a vida, vós as videiras” (Jo, 15, 5).
“Esta religião interior, exatamente porque é interior, é capaz de transformar profundamente a civilização, os costumes, as mentalidades, plasmando a sociedade a partir do interior, como fez o cristianismo com o mundo bárbaro e pagão.
“A cristianisação da sociedade da qual os Apóstolos e os discípulos foram iniciadores, não é fruto da força mas da conquista pacifica das almas. Mas a sociedade pacificamente conquistada, a sociedade que se tornou cristã, a cristandade, pode e deve ser defendida, mesmo com a força, da agressão de quem quer destruir o fruto da Paixão de Nosso Senhor.
As Cruzadas
“As cruzadas nasceram para defender, de um ataque armado, a civilização cristã que não nasceu das armas, mas da pacífica conquista dos corações realizada pelos missionários. Por isso existe uma analogia, não uma identidade, mas uma íntima analogia, entre a Cruz levada pelos missionários e a cruz empunhada pelos cruzados.
“O povo português, que, segundo as palavras de Pio XII, foi “cruzado e missionário“(1) exprime, numa admirável síntese, estes dois aspectos de uma mesma vocação.
“A cruzada apresenta-se como uma resposta ao apelo do Senhor que o autor da Histoire anonyme de la Première croisade recorda no início da sua obra: “Se alguém quiser vir a mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24; Mc 8, 35).
O espírito de cruzada
“Nesta perspectiva, para além das cruzadas históricas, existe um “espírito de cruzada” que é a disposição de ânimo do cristão pronto para sofrer, para combater até à morte, para defender ou recuperar bens espirituais mais elevados que a própria vida porque, como diz o Evangelho, quem procura a própria vida perdê-la-á.
“O espírito da cruzada é uma disposição permanente da alma humana, um amor à Cruz no amor à luta; uma procura de perfeição espiritual na luta que não é outra coisa senão uma radicalização do amor ao Bem e do ódio ao mal.” Porto, conferência do prof Roberto de Mattei: O CRUZADO DO SÉCULO XX – Plinio Corrêa de Oliveira (pliniocorreadeoliveira.info)
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Se o espírito de cruzada é uma disposição permanente da alma humana católica, se a fortaleza é uma virtude cardeal, se o homem deve vencer suas más inclinações (fruto do pecado original), se deve defender a sua honra e a de sua família, se defende a Pátria contra a injusta agressão externa então, não se entende porque o Sr Arcebispo de Aparecida afirme que Pátria amada não pode ser Pátria armada.
Os efeitos do pecado original continuarão até o fim dos tempos; as nações comunistas como Cuba e China, são essencialmente imperialistas. Imagina o Sr Arcebispo Dom Orlando Brandes que suas palavras serão suficientes para demover Xi Jinping de conquistar o mundo para a seita comunista? Ou conseguirá desarmar os narcotraficantes que impõem sua ditadura nas favelas?
Nossa Senhora da Paz nos ajude a conservarmos a integridade da doutrina e trabalhar pela grandeza da Terra de Santa Cruz, cientes de que haverá sempre joio misturado ao trigo.
(1) 1) Pio XII, Radio-mensagem a Portugal do dia 31 de outubro de 1942, in DR, vol. IV, p. 256.