Pobreza e fausto: extremos harmônicos no firmamento da Igreja

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Um aspecto da Santa Igreja. Numa cela cheia de penumbra, ante um crucifixo que relembra a morte mais dolorosa que jamais houve, um Monge cartuxo folheia um devocionário. Revestido de um simples e pobre burel, com uma longa barba, esse Religioso parece a personificação de todos os elementos que impregnam o ambiente que o rodeia: gravidade extrema, resolução varonil de só viver para o que é profundo, verdadeiro, eterno, nobre simplicidade, espírito de renúncia a tudo quanto é da terra, pobreza material enfim, iluminada pelos reflexos sobrenaturais da mais alta riqueza espiritual.

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Outro aspecto da Santa Igreja.

Na imensa nave central da Basílica de São Pedro, movimenta-se majestoso o cortejo papal. Na fotografia, percebe-se apenas uma parte dele, isto é, alguns Cardeais e os dignitários eclesiásticos e leigos que precedem imediatamente a sedia gestatória. Nesta, o Sumo Pontífice, ladeado dos famosos “flabelli” e seguido da Guarda Nobre. Ao fundo, ergue-se o Altar da Confissão, com suas elegantíssimas colunas e seu esplendido dossel. E bem mais atrás a célebre “Glória” de Bernini. As altas paredes recobertas de mármores admiráveis e adornadas de relevos, os arcos a um tempo leves e imensos, as luzes que resplandecem como se fossem estrelas ou fulgidíssimos brilhantes, tudo enfim se reveste de uma grandeza, de uma riqueza que é bem o supra-sumo do que a terra pode apresentar de mais belo. É a maior pompa de que o homem seja capaz, realçada pela magnificência da arte e pelo esplendor dos recursos naturais da pedra.

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O que em um quadro é gravidade recolhida, no outro é glória irradiante. O que em um é pobreza, no outro é fausto. O que em um é simplicidade, no outro é requinte. O que em um é renúncia às criaturas, no outro é a superabundância das mais esplêndidas dentre elas.

Contradição? É o que muitos diriam: pode-se, então, amar a um tempo a riqueza e a pobreza, a simplicidade e a pompa, a ostentação e o recolhimento? Pode-se a um tempo louvar o abandono de todas as coisas da terra, e a reunião de todas elas para a constituição de um quadro em que reluzem os mais altos valores terrenos?

O problema é muito atual, no momento em que Sua Santidade o Papa João XXIII se mostra tão edificantemente zeloso das esplendidas tradições vaticanas, com manifesto desconcerto de elementos que têm uma mentalidade à Aneurin Bevan ( o líder trabalhista é paladino na luta contra todas as pompas, e assistiu de costas a uma parte da cerimônia de coroação da Rainha Elizabeth II ).

Não, entre uma e outra ordem de valores não existe contradição, senão na mente dos igualitários, servos da Revolução. Pelo contrário, a Igreja Se mostra santa, precisamente porque com igual perfeição, com a mesma sobrenatural genialidade, sabe organizar e estimular a prática das virtudes que esplendem na vida obscura do Monge, e das que refulgem no cerimonial sublime do Papado. Mais ainda. Uma coisa se equilibra com a outra. Quase poderíamos dizer que um extremo ( no sentido bom da palavra ) compensa a outro e com ele se concilia.

O fundo doutrinário no qual estes dois santos extremos se encontram e se harmonizam é muito claro. Deus Nosso Senhor deu-nos as criaturas, a fim de que estas nos sirvam para chegarmos até Ele. Assim, cumpre que a cultura e a arte, inspiradas pela Fé, ponham em evidência todas as belezas da criação irracional e os esplendores de talento e virtude da alma humana. É o que se chama de cultura e civilização cristã. Com isto, os homens se formam na verdade e na beleza, no amor da sublimidade, da hierarquia e da ordem que no universo espelham a perfeição d’Aquele que o fez. E assim as criaturas servem, de fato, para a nossa salvação e a glória divina. Mas de outro lado, elas são contingentes, passageiras, só Deus é absoluto e eterno. Cumpre lembrá-lo. E por isto é bom afastar-se dos seres criados, para no desprezo de todos eles pensar só no Senhor. Do primeiro modo, considerando tudo o que as criaturas são, se sobre até Deus; e do outro modo, se vai até Ele considerando o que elas não são. A Igreja convida os seus filhos a irem por uma e outra via simultaneamente, pelo espetáculo sublime de suas pompas, e pela consideração das admiráveis renúncias que só Ela sabe inspirar e fazer realizar efetivamente.

  • Publicado originalmente na revista “Catolicismo” Nº 96 – Dezembro de 1958

http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0096/P06-07.html

http://www.pliniocorreadeoliveira.info/ACC_1958_096_Pobreza_e_fausto.htm#.WeJ-E2hSzIU

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