O tabu da menoridade penal
O presidente da comissão de juristas que elaborou o PL-CP, Ministro Gilson Dipp, “disse que nenhum tabu ficou de fora”.(9). Tal afirmação, porém, não corresponde à realidade dos fatos. Por exemplo, ficou de pé como um totem sagrado, o tabu caro às esquerdas segundo o qual o menor de 18 anos não pode ser criminalizado. É verdade que qualquer modificação no sentido de diminuir a idade penal implica uma alteração da Constituição nesse ponto. Mas a revisão do Código Penal seria o momento adequado para se propugnar por tal medida. O que não foi feito.
Leia o post anterior: Projeto de Código Penal angustia o País – Parte II
Apesar de os crimes de morte e de roubo serem cada vez mais cometidos por menores e de haver um clamor popular pela redução da idade penal, o PL-CP mantém inimputável o menor de 18 anos. Tal posição tem favorecido as quadrilhas de bandidos, pois, com frequência, descoberto o crime e seus autores, é um menor da quadrilha que se apresenta como autor, pois ele não pode ser penalizado.
Se um adolescente de 16 anos pode votar e escolher as pessoas que vão dirigir a Nação, se tem para isso suficiente discernimento, por que não pode ser responsabilizado por seus atos? É uma contradição atroz. Veja-se o seguinte exemplo, que se repete:
“Na manhã deste domingo (8-4-2012), a Polícia Militar de Naviraí prendeu um menor infrator de 17 anos, portando um revólver calibre 38 carregado com seis munições. O menor é um velho conhecido da polícia e possui uma extensa ficha criminal de roubos, porte ilegal de arma de fogo, tentativa de homicídio, furto e formação de quadrilha. Segundo a polícia, o menor é considerado perigoso e já ficou por diversas vezes detido na Delegacia de Polícia Civil de Naviraí, onde fica poucos períodos detido e é liberado amparado na lei do menor e do adolescente. No começo deste ano, o menor juntamente com mais cinco menores foram apreendidos pela Polícia Civil de Naviraí, que realizaram investigações e apontaram que eles faziam parte de uma quadrilha que já haviam furtado mais de 30 motos na cidade, além de vários comércios”.(10)
Ou então, este outro: “A polícia paulista apreendeu na última terça-feira, pela quarta vez, um adolescente de 16 anos, conhecido como Didi, que se apresenta como líder do bando de pelo menos 15 meliantes que desde fevereiro promoveu pelo menos 12 arrastões em restaurantes da cidade.[…] O que é surpreendente, chocante e injustificável, no caso desses arrastões, é a notícia de que o tal ‘de menor’ que se apresenta como chefão do bando já foi ‘apreendido’ pela polícia, aparentemente por ‘ato infracional’ da mesma natureza três ou quatro vezes. A quinta, pelo visto, será mera questão de tempo. Esse candidato a gênio precoce do mal tem toda a liberdade para planejar e executar os atos criminosos, ou melhor, infracionais, que elegeu como meio de vida porque tem o amparo da lei para fazê-lo. É, de qualquer modo, uma aberração que o aparelho do Estado se revele incapaz de pôr cobro à ação do adolescente que ele mesmo aponta como responsável por atentados ao patrimônio, à integridade física e, eventualmente à vida dos cidadãos”.(11)
Numerosas nações consideram imputáveis jovens com idade bem inferior aos 18 anos brasileiros. Na Alemanha, aos 14 anos; na França, aos 13; na Inglaterra, aos 10. O exemplo mais recente nos vem da Hungria, onde em junho deste ano o Parlamento aprovou uma reforma do Código Penal reduzindo a idade penal de 14 para 12 anos em casos de crimes contra a vida e a integridade física. A norma entra em vigor em 2013.(12)
A chamada “homofobia”: não nomeada, mas onipresente
O PL-CP não ousou utilizar o termo “homofobia”, talvez para não dar mostras de estar atrelado ao lobby homossexual, a cujo jargão esta palavra pertence. Mas, através de circunlóquios, atende generosamente aos anseios de certos parlamentares do PT, como a senadora Marta Suplicy, para quem a dita homofobia deveria ser prontamente criminalizada.
Está ela incluída entre os “crimes resultantes de preconceito ou discriminação”, punível de 2 a 5 anos de prisão e faz parte da categoria de crimes hediondos, insuscetíveis de fiança, anistia e graça.
Além disso, em numerosas tipificações de crimes, o delito cometido por preconceito de orientação sexual ou identidade de gênero aparece como circunstância agravante, portanto com aumento de pena.
Trata-se evidentemente de uma novidade, ao colocar os homossexuais e outros da sigla LGBT numa situação privilegiada. Por exemplo, no caso de assassinato. É sempre grave matar alguém, quem quer que seja. Mas, por que é mais grave matar um homossexual ou uma lésbica, do que matar um pai ou uma mãe de família? O mesmo vale para as lesões corporais, injúria e outras figuras jurídicas, cujas penas são agravadas se cometidas em razão do tal “preconceito”.
Também poderá ser incriminado como preconceituoso — crime que passa a ser imprescritível, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia — o diretor de escola que, para preservar o ambiente de moralidade necessário ao bom aproveitamento do ensino e defender as crianças, quiser proibir o ingresso de um homossexual ou de uma lésbica exibindo-se como tal, vestido a caráter e fazendo trejeitos.
Caso esses itens do PL-CP venham a ser aprovados, os brasileiros que se cuidem, pois qualquer crítica aos homossexuais poderá ser interpretada por um juiz da escola alternativa como um incitamento à discriminação, crime hediondo!
Uma lei contra a homofobia é juridicamente inútil e contraproducente
Com clareza e objetividade, a Dra. Helena Lobo da Costa, advogada e professora de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), mostra documentadamente que uma lei contra a homofobia é totalmente inútil do ponto de vista jurídico.
Tudo quanto poderia ser considerado “crime” contra um homossexual já está previsto no Código Penal e vale para todos os cidadãos. Nada justifica a criação de um estatuto privilegiado instituindo uma casta.
Explica ela: todo aquele que “ofende a dignidade ou o decoro de outra pessoa, pratica crime de injúria, previsto em nosso Código Penal no artigo 140. Se, na prática de injúria, for empregada violência, configura-se a denominada injúria real, infração com pena mais alta do que a injúria simples”.
Se a agressão “for ainda mais grave, consistindo na prática de lesões corporais, aplica-se o artigo 129 do Código Penal”. Há ainda as figuras penais de “lesão corporal de natureza grave ou de natureza gravíssima”.
Desse modo, se uma vítima de agressão violenta “sofrer ferimentos que a impeçam de trabalhar por mais de 30 dias, o agressor ficará sujeito a uma pena de 1 a 5 anos de reclusão. Da mesma forma, se a vítima sofrer perda de alguma função corporal em decorrência dos ferimentos, a pena será de 2 a 8 anos. Também é preciso mencionar que, em todas as hipóteses até aqui mencionadas, o juiz poderá aplicar uma causa de aumento de pena em razão da motivação torpe do agente”.
A legislação brasileira ainda prevê, para o caso de “homicídio doloso, qualificado por motivo torpe”, a pena de 12 a 30 anos de reclusão.
“Não é portanto a falta de tipos penais em nossa legislação” que pode levar a agressões contra quem quer que seja, mesmo que se trate de homossexuais. “Acrescentar novas figuras típicas não apenas seria desnecessário como também acabaria por criar dificuldades interpretativas e espaços de sobreposição de tipos penais que, muitas vezes, resultam em empecilhos à aplicação da lei”, explica a Dra. Helena.
Aprovar uma lei específica contra a homofobia seria ademais contraproducente, pois redundaria “na criação de tipos penais em matéria nas quais eles não são necessários. […] A criação de novos tipos penais apenas causará confusão interpretativa e dificuldades na aplicação”.(13)
Eutanásia: na lei, criminalizada; na prática, liberada
À eutanásia é cominada a pena de 2 a 4 anos.
Porém, ao julgar o crime de eutanásia, o juiz, avaliando “a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima” poderá não aplicar a pena. Na prática, se quem matou é parente da vítima, ou simples amigo, pode ficar isento de qualquer punição. A rigor, o parentesco ou a amizade deveriam ser agravantes e não uma forma de descartar definitivamente o doente do convívio humano.
Nas condições previstas no projeto, quem quiser apressar o recebimento de uma herança, ou ver-se livre de um parente incômodo, é só “eutanasiá-lo” e pronto.
Mas há mais. A liberdade total para o réu de eutanásia pode ser ainda mais generalizada, pois o juiz, limitando-se a avaliar “as circunstâncias do caso”, poderá não aplicar a pena. Na prática, fica ao arbítrio do juiz a aplicação ou não da pena. Basta que ele julgue, por quaisquer razões, que “as circunstâncias do caso” justificam a morte da vítima, e estão todos os réus livres. A vítima já foi para a eternidade e não vai voltar para reclamar. A não ser, é claro, no juízo infalível de Deus.
Liberação assustadora do aborto
Um dos pontos mais graves do PL-CP diz respeito a uma deplorável liberalização do aborto, abrindo caminho para que a matança dos inocentes no seio materno venha a ser inteiramente livre.
Convém lembrar que, pela legislação em vigor, o aborto é sempre crime. Não há exceção. Porém, em dois casos muito determinados, apesar de continuar a ser crime, a lei – infelizmente já concessiva – permite que a pena não seja aplicada: a) “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”; b) “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Nos dois casos, é necessário que seja praticado por médico.
O novo projeto vai muito além e abre as comportas de modo assustador.
Convém aqui recordar a deprimente audiência pública sobre a reforma do Código Penal, realizada em 24 de fevereiro último, na sede do Tribunal de Justiça de São Paulo..
O auditório foi praticamente tomado de assalto por feministas favoráveis à descriminalização do aborto, que inclusive cantavam ali uma modinha previamente ensaiada defendendo-o, e vaiando os oradores que não concordavam com elas. Ninguém soube explicar como elas ali se reuniram em grande número para exercer sua costumeira pressão, pouco condizente com o sentir da maioria dos brasileiros. Não só falaram acaloradamente em prol da descriminalização do aborto, como algumas chegaram a defender a não-penalização do infanticídio e aplaudiram com força os pronunciamentos de ativistas do lobby pró-homossexualismo. Não deixa de ser sintomática essa ligação aborto-infanticídio-homossexualismo.
Numa tentativa de tornar mais palatável sua posição em favor da liberação total do aborto, algumas dessas ativistas chegaram a apresentar-se como “católicas”, prova de que o argumento religioso contrário ao aborto é o que mais incomoda os abortistas, por ir ao fundo da questão e ser naturalmente muito eficaz.
Voltando ao texto do PL-CP, ele libera completamente o aborto, se praticado por vontade da gestante até a décima segunda semana da gestação, com a simples condição de que um médico ou psicólogo constate “que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”.
Se o assunto não fosse extremamente grave, pois estão ameaçadas as vidas de milhões inocentes, a condição seria risível. Será muito fácil à mãe abortista obter essa declaração. Pois é claro que as clínicas abortistas vão manter quantos psicólogos ou médicos se queiram para atestar que a mãe não tem “condições psicológicas” para arcar com a maternidade e portanto pode providenciar a morte de seu filho.
“Sou totalmente contra interromper uma gravidez por essas razões. Se ela não tem condições sociais para ter um filho, ela tem é de se cuidar”, afirmou o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), que é médico obstetra.(14)
No campo jurídico-filosófico-moral a norma é ainda mais grave, pois não se trata aqui de comutar a pena, mas sim de declarar formalmente que não há crime.
Por que não a “Roda dos enjeitados”?
Se há mães com problemas de qualquer espécie para cuidar da criança, por que não adotar no Brasil o sistema que vem funcionando na Alemanha e outros países europeus, que apelaram para uma sábia invenção medieval, visando salvar a vida de recém-nascidos, acolhendo-os no anonimato? Trata-se da “Roda dos enjeitados”, ou “Roda da Misericórdia”, ou ainda “Roda dos Expostos”, criada na cidade francesa de Marselha em 1188, durante a Idade Média. Ela foi largamente usada no Brasil, onde ainda ficam algumas, porém fora de uso.
Embora o método seja criticado pelos abortistas, muitas autoridades europeias reconhecem que todos os anos ele salva as vidas de dezenas de crianças. Em sua versão atualizada, inclui melhorias técnicas como um dispositivo automático que toca uma campainha e liga o aquecimento indispensável no frio europeu. É uma espécie de berço, com cobertores para acomodar o recém-nascido, possivelmente indesejado pela família. Há também uma carta deixada pelos responsáveis pela instalação do berço para ser levada pela pessoa que depositou a criança. Caso ela se arrependa de sua decisão e queira a criança de volta, pelos dados da carta pode recuperá-la.
Para se avaliar a hipocrisia a que estamos sujeitos no mundo moderno, enquanto a ONU pressiona o Brasil para descriminalizar o aborto, insurgiu-se contra o sistema da Roda, através de seu Comitê para os Direitos das Crianças. A alegação é totalmente absurda: a prática violaria os direitos das crianças e favoreceria um retrocesso à Idade Média! Então, para não imitar épocas passadas, é melhor matar um inocente! É mais um mito engolido pelo PL-CP!
A Alemanha é o país que tem mais “Rodas” para receber bebês: 99. Hungria, Itália, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Lituânia, Bélgica, Holanda e Suíça também adotaram o sistema. (15)
Até aborto à revelia da vontade da mãe
Mas em matéria de aborto o PL-CP não se limita ao que já vimos.
Deixa também de ser considerado crime o aborto nos casos de anencefalia (já liberados, indevidamente, pelo STF), e ainda “quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina”, ambos atestados por dois médicos.
Há mais. Nos dois casos em que a legislação atual não pune o aborto (embora continue a considerá-lo crime) a nova redação é muito mais concessiva e ambígua.
No primeiro caso, a redação atual diz: “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. A do PL-CP diz: “se houver risco à vida ou à saúde da gestante”. Portanto, um simples risco à saúde, mesmo leve, já justificaria o aborto! Além disso, vem especificado que, no caso de risco à vida da gestante, o aborto pode ser feito sem autorização dela ou de alguém responsável, ou, a rigor, mesmo contra a vontade dela. Inacreditável!
No segundo caso, a redação atual diz: “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. A do PL-CP diz: “se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida”. O que é essa “dignidade sexual”? Expressão suficientemente ambígua para poder ser interpretada de modo a ampliar os casos de aborto permitidos. Ademais, nesses dois casos o aborto não apenas deixa de ser punido, mas nem sequer é considerado crime.
Atitudes heróicas de futuras mães
Na verdade, só é verdadeiramente digna e virtuosa a mãe que está disposta a levar até o fim sua gestação. E não faltam exemplos.
A médica italiana Gianna Beretta Molla, 39 anos, atingida por grave doença durante a gestação, preferiu morrer para salvar sua filha. Suas palavras ao médico: “Se deveis decidir entre eu e a criança, nenhuma hesitação: escolhei – e isto eu o exijo – a criança. Salvai-a”. Morreu em 1962 e foi canonizada por João Paulo II. A filha sobreviveu.
Caso semelhante ocorreu com a norte-americana Jessica Council, 30 anos, que não quis ser tratada com quimio e radioterapia para não afetar a criança que trazia em seu seio. Quando o médico lhe recomendou abortar, ela heroicamente respondeu: “Isso não é uma opção”. Morreu em fevereiro de 2011, consolada por seu esposo e antes de dar à luz. Mas a criança pôde ser retirada por meio de uma cesariana e sobreviveu(16).
Um outro caso análogo deu-se em Roma, com Chiara Corbella Petrillo, 28 anos. Morreu porque se negou a abortar e escolheu adiar o tratamento médico que podia salvá-la do câncer. Preferiu dar prioridade à gravidez de um menino, desejado desde o começo de seu casamento. Teve a alegria de ver seu filho nascer em 30 de maio de 2011. Seu funeral, em 18 de junho de 2012, depois de um longo sofrimento, foi uma verdadeira apoteose.(17)
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Notas.
(9) O Estado de S. Paulo, 19-6-12
(10) Jornal da Nova, Nova Andradina, 9-4-12
(11) Editorial de O Estado de S. Paulo, 15-6-12
(12) Revista Época, 26-6-2012
(13) “Jornal do Advogado”, março/2011
(14) O Estado de S. Paulo, 19-6-12
(15) http://revculturalfamilia.blogspot.com.br/2012/07/europa-restaura-roda-medieval-para.html
(16) Revista “Catolicismo”, junho de 2011
(17) http://www.zenit.org/article-30612?l=portuguese
Gostaria de compartilhar a entrevista com Miguel Reale Júnior, jurista, professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-ministro da Justiça, sobre os ERROS do anteprojeto do novo Código Penal (CBN, 05/09/2012): http://youtu.be/woxMYlLSECg
Vale a pena ouvir!